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Reservado a críticos de Lula, Centro Cívico já lotou com papa e viu ataque a professores

28.abr.2015 - Polícia Militar do Paraná impede professores da rede estadual, em greve, de chegar ao Centro Cívico, onde fica a sede da Assembleia Legislativa de Curitiba - Gisele Pimenta/Frame/Estadão Conteúdo
28.abr.2015 - Polícia Militar do Paraná impede professores da rede estadual, em greve, de chegar ao Centro Cívico, onde fica a sede da Assembleia Legislativa de Curitiba Imagem: Gisele Pimenta/Frame/Estadão Conteúdo

Rafael Moro Martins

Colaboração para o UOL, em Curitiba

09/05/2017 04h00

Local definido pelas autoridades de segurança pública para abrigar os manifestantes contrários ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta quarta-feira (10), o Centro Cívico de Curitiba já foi palco da maior aglomeração popular da história do Paraná --estimadas 700 mil pessoas assistiram à missa celebrada pelo papa João Paulo II em 1980-- e de repressões policiais violentas a dois protestos de professores da rede estadual, em 1988 e 2015.

Construído em 1953 como parte das celebrações do centenário da emancipação política do Paraná --que, até 100 anos antes, era a quarta comarca do Estado de São Paulo--, o Centro Cívico abriga as sedes dos três poderes estaduais em prédios de arquitetura modernista construídos em volta da praça Nossa Senhora da Salete. Foi o primeiro do seu tipo em capitais brasileiras.

Apesar de ser o epicentro da atividade política na capital paranaense --apenas a Câmara Municipal não está ali--, o Centro Cívico não é um local tradicional para atos, comícios e manifestações partidárias, costumeiramente realizados na Boca Maldita, ponto não muito distante do calçadão da Rua XV de Novembro, a principal da cidade

Por outro lado, é destino certo de qualquer protesto contra os ocupantes do Palácio Iguaçu, sede do governo do Estado, do 29 de Março, da prefeitura, ou para pressionar deputados estaduais em votações importantes. 

Um desses protestos ganhou destaque no país há dois anos. Em 29 de abril de 2015, a Polícia Militar reprimiu violentamente uma manifestação de servidores estaduais --professores, principalmente-- contra mudanças na estrutura da Paranaprevidência, fundo previdenciário do funcionalismo estadual, propostas pelo governador Beto Richa (PSDB). Os manifestantes forçaram uma barreira de proteção formada por policiais, que reagiram disparando bombas de gás e balas de borracha. O episódio, que ficou conhecido como Massacre do Centro Cívico, deixou mais de 200 feridos.

"Estávamos com máscaras e vinagre [que minimiza o efeito do gás lacrimogêneo], pois esperávamos alguma retaliação da polícia", relembra a professora universitária Deborah Bruel, 46. Como dezenas de servidores, ela participou de um acampamento na praça Nossa Senhora da Salete, que durou algumas semanas, para pressionar os deputados a rejeitarem o pacote. 

Repressão a protestos de professores

"Quando a sessão [da Assembleia Legislativa] começou, foi tudo muito rápido. Alguém lá na frente forçou o bloqueio, e daí começou a vir fumaça, bala de borracha, helicóptero [da polícia] voando. Fui em direção ao prédio da prefeitura [no extremo oposto da praça]. Mesmo lá, o gás chegava. Vi o momento em que o helicóptero voou e jogou bombas sobre a multidão. Foi o mais assustador. Era muita gente chorando, muita gente ferida. A prefeitura virou um ambulatório para atender as vítimas."

Não foi o primeiro confronto do tipo. Em 30 de agosto de 1988, um protesto de professores em greve reivindicando um reajuste salarial de 200% --eram tempos de hiperinflação-- ao governador da época, Alvaro Dias (então no PMDB, hoje senador pelo PV) chegou ao Centro Cívico. A polícia militar reprimiu o protesto, usando cavalos, cães e bombas, deixando dez pessoas feridas e prendendo cinco manifestantes, registrou o jornal "Gazeta do Povo" na época.

"Era uma passeata pacífica. Quando chegamos lá [ao Centro Cívico], começaram a soltar bombas de efeito moral. Foi uma correria danada. Havia PMs em cavalos. Não me machuquei, mas vi gente ferida. É uma grande agressão. Havia crianças ali, a maioria [dos adultos] eram mulheres", relembra a professora aposentada Eliana Ferreira da Silva Neves, 66, uma das participantes do protesto.

172 dias de acampamento de sem-terras

Não foram só servidores públicos que usaram a praça Nossa Senhora da Salete para se manifestar contra governos. Em junho de 1999, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) instalaram um acampamento diante do Palácio Iguaçu para pressionar o então governador Jaime Lerner (sem partido, à época no PFL, atual DEM) por mais rapidez em assentamentos no interior do Estado.

O acampamento só foi retirado 172 dias depois, em novembro, por conta de uma decisão da Justiça obtida pela Prefeitura de Curitiba. A Polícia Militar enviou 750 soldados para retirar os cerca de 500 sem-terra, registrou o jornal "Folha de Londrina" na época. Oito deles foram presos.

Logo após, Lerner ordenou que se instalassem cercas em torno da praça e dos prédios públicos --numa afronta ao projeto original do Centro Cívico, tombado como conjunto urbano e arquitetônico anos depois, em 2011. Parte delas foi removida, mas alguns edifícios -- como os da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Justiça -- permanecem cercados ainda hoje. 

O Carnaval e o papa

Durante 15 anos, o trecho da Avenida Cândido de Abreu que margeia a praça Nossa Senhora da Salete recebeu um público bastante diferente dos habituais servidores e políticos que trabalham na região. Por decisão do então prefeito Cassio Taniguchi (DEM), o desfile das escolas de samba curitibanas foi realizado ali, ainda que para isso os carnavalescos tivessem que manobrar seus carros alegóricos numa pequena descida, seguida de uma curva e uma lombada. Em 2014, o Carnaval voltou ao centro da cidade.

Mas o público dos desfiles --algo como 20 mil pessoas por noite, nas estimativas oficiais-- está longe de ser o maior já reunido no Centro Cívico. Tal privilégio cabe ao papa João Paulo II, que incluiu Curitiba em sua primeira visita ao Brasil, em 1980. A vinda do polonês Karol Wojtyla ao Paraná teve um motivo especial: o Estado concentra a maior população de imigrantes poloneses do país. A cidade parou para ver o pontífice, em 5 de julho de 1980.

No dia seguinte, João Paulo II celebrou uma missa no Centro Cívico para 700 mil pessoas. "Era um mar de gente. Tomava a praça Nossa Senhora da Salete e a avenida Cândido de Abreu até onde dava para ver", relembra o fotógrafo Osvaldo Ribeiro, 77, se referindo à via que liga o Centro Cívico à praça Tiradentes, marco zero de Curitiba, distante 1,7 km dali.

Ribeiro, que trabalhava para o governo do Estado, subiu ao terceiro andar do Palácio Iguaçu para registrar a multidão. "Para mim, tinha um milhão de pessoas ali", exagera --essa era a população da capital em 1980. "O Centro Cívico todo cheio, a Cândido de Abreu toda cheia. Foi uma coisa imensa."