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Após 4 votos a favor de restringir foro e pedido de vista, STF adia julgamento

STF é vítima de "picaretagem", diz Gilmar Mendes

UOL Notícias

Bernardo Barbosa

Do UOL, em Brasília

01/06/2017 16h00Atualizada em 01/06/2017 17h19

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes pediu nesta quinta-feira (1º) vistas do processo que pode restringir o alcance do foro privilegiado --ou seja, o direito de autoridades de responderem a processos em instâncias superiores. Na prática, isso pode tirar de vários políticos o direito de serem investigados e julgados diretamente no Supremo em casos, por exemplo, da Operação Lava Jato.

Após quatro votos favoráveis à restrição, a ministra Cármen Lúcia encerrou a sessão. O julgamento só terminará de fato quando Moraes firmar sua posição. Até lá, em tese, os magistrados podem mudar seus votos.

Após o pedido de vistas de Moraes, o ministro Marco Aurélio Mello pediu para antecipar seu voto e acompanhou Luís Roberto Barroso ao dizer que que o foro vale apenas para crimes exercidos no mandato e relacionados ao cargo. No entanto, Marco Aurélio divergiu do relator ao votar no sentido de que a prerrogativa de foro deixa de valer quando o investigado ou réu deixa a função, com o processo indo para a primeira instância. 

A presidente do Supremo, Cármen Lúcia, e a ministra Rosa Weber também anteciparam seus votos. Ambas decidiram acompanhar o voto de Barroso na íntegra. Rosa Weber afirmou ainda não ter "a menor simpatia" pelo instituto do foro privilegiado

A Constituição prevê que deputados, senadores e ministros, entre outros, devem ser julgados pelo STF em processos criminais. Já no caso de governadores, por exemplo, a competência é do STJ (Superior Tribunal de Justiça). 

O julgamento foi iniciado na quarta (31) com o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso. Segundo ele, o atual sistema é "muito ruim e funciona mal", além de levar à impunidade e trazer "desprestígio" ao Supremo. Ele foi favorável à restrição da prerrogativa de foro apenas em casos de crimes cometidos no exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Barroso também defendeu que, depois da fase de instrução (quando testemunhas são ouvidas pelo juiz e diligências são realizadas), a instância do processo não será mais afetada mesmo se o agente público mudar de cargo ou deixá-lo.

Nesta quinta, o julgamento foi retomado por Moraes. Ele pediu vistas após ponderar que, caso a restrição ao foro seja aprovada, o Supremo poderá levar meses ou anos para decidir que processos penais continuarão sendo analisados no tribunal. "Vai haver conflito de competência", disse.

“Entendo que não é possível se analisar a questão só sob o ponto de vista se o foro é aqui ou ali. Há uma série de repercussões institucionais importantíssimas no âmbito dos Três Poderes e do Ministério Público”, alegou o magistrado. Moraes disse ainda que devolverá o processo "rapidamente".

Segundo números do Supremo citados por Barroso, tramitam na corte cerca de 500 processos contra pessoas com prerrogativa de foro.  

De acordo com um estudo da Consultoria Legislativa do Senado, mais de 54 mil pessoas têm direito a algum tipo de foro privilegiado no Brasil, garantido pela Constituição federal ou por Constituições estaduais. Além de parlamentares, entre elas estão governadores, juízes e membros do Ministério Público, entre outros.

Em aparte antes do voto dos ministros, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu a restrição ao foro. “Se não houver mudança de paradigma nesse julgamento de hoje, não tenho dúvida de que o Supremo retornará ao tema, mas aí não mais por razões principiológicas, mas por imperativo prático. O aumento exponencial de demandas criminais irá inviabilizar o regular funcionamento da Corte em breve espaço de tempo”, declarou. O procurador tem enviado dezenas de casos de políticos com foro envolvidos em denúncias e delações no âmbito da Operação Lava Jato.

Entenda o caso

O julgamento do tema partiu de questão de ordem levantada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) no processo contra Marquinho Mendes (PMDB), hoje prefeito de Cabo Frio (RJ) e ex-deputado federal.

Ele chegou a ser empossado como suplente do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mas renunciou ao mandato parlamentar para assumir o cargo no município. Acusado de compra de votos em sua primeira campanha à prefeitura, Mendes trocou de cargo várias vezes, entre o município e a Câmara federal, o que por sua vez provocou a mudança de foro para o julgamento do caso diversas vezes.

Com isso, a PGR defendeu que a Constituição poderia ser interpretada de forma mais restrita em relação a quem tem direito ao foro privilegiado, limitando sua aplicação "às acusações por crimes cometidos no cargo e que digam respeito estritamente ao desempenho daquele cargo ao qual a Constituição assegura este foro especial".

Senado aprova PEC

Na quarta (31), menos de uma hora após o fim da sessão do STF, o Senado aprovou em segundo turno de votação uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que mantém o foro privilegiado apenas para o presidente da República e para os presidentes do STF, da Câmara e do Senado. O projeto vai à Câmara dos Deputados, onde também precisa ser aprovado em dois turnos.

Para "destravar a aprovação derradeira" da PEC na Casa, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), relator do projeto, aceitou um acordo com os colegas e fez alterações no texto original.A principal delas é a manutenção das prerrogativas para senadores e deputados federais de não serem presos antes da condenação transitada em julgado, salvo em caso de crime inafiançável ou de flagrante delito. Atualmente, o entendimento do Supremo é que a execução da pena pode ocorrer após a condenação em segunda instância.

Em caso de decretação de prisão em primeira instância --onde atua o juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, por exemplo-- o plenário de cada Casa continuará, portanto, a decidir se autoriza o seu cumprimento.