Com recuo no texto, PEC do fim do foro é aprovada em 2º turno no Senado
No dia em que o STF (Supremo Tribunal Federal) começou a discutir a restrição do chamado foro privilegiado, o Senado aprovou em segundo turno, no início da noite desta quarta-feira (31), a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que extingue o "foro especial por prerrogativa de função" em caso de processos por crimes comuns para aproximadamente 54 mil políticos e agentes públicos em todo o Brasil.
Aprovado por unanimidade, por 69 votos a 0, o texto agora segue para a Câmara dos Deputados, onde não há previsão de quando será votado. Houve ainda uma abstenção, da senadora Lúcia Vânia (PSB-GO), que disse ter errado na hora de votar e pediu que sua posição fosse corrigida na ata da sessão.
A aprovação ocorreu mais de um mês depois de a proposta ter sido aprovada em primeiro turno também por unanimidade (75 a 0), no dia 26 de abril. Para "destravar a aprovação derradeira" da PEC na Casa, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), relator do projeto, aceitou um acordo com os colegas e "lamentavelmente" fez alterações no texto original.
A principal delas é a manutenção das prerrogativas para senadores e deputados federais de não serem presos antes da condenação transitada em julgado, salvo em caso de crime inafiançável ou de flagrante delito. Atualmente, o entendimento do Supremo é que a execução da pena pode ocorrer após a condenação em segunda instância.
Em caso de decretação de prisão em primeira instância --onde atua o juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, por exemplo-- o plenário de cada Casa continuará, portanto, a decidir se autoriza o seu cumprimento.
"Não é o [texto] ideal, o que eu queria, mas eu vou me inspirar em Ulysses [Guimarães, deputado federal constituinte]: luz e lamparina na noite dos desgraçados. Eu queria extinguir o foro e alterar as prerrogativas, mas já é um avanço significativo", declarou Rodrigues. Ao fim da votação, ele informou que vai apresentar outra PEC para extinguir o que chamou de direitos "exorbitantes".
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Para que a proposta avançasse, eram necessários votos favoráveis de três quintos dos senadores --49 dos 81.
As únicas exceções feitas no projeto aprovado hoje são ao presidente e ao vice-presidente da República --este também uma inclusão de última hora--, aos presidentes das duas Casas do Congresso e ao presidente do STF, todos durante o exercício do mandato.
Autor das emendas acatadas por Randolfe, o senador Roberto Rocha (PSB-MA) classificou o foro como uma "excrescência nacional". "O Supremo ia fazer isso se o Senado não fizesse. Acredito que retomamos o nosso protagonismo de legisladores", declarou.
Ele também afirmou que apresentará suas sugestões não aceitas, como a criação de Varas federais para julgar casos de agentes federais, como projetos de leis complementares.
Caso seja aprovada em dois turnos pela Câmara, também por três quintos dos deputados (pelo menos 308 de 513), a proposta será transformada em lei por ato do Congresso, não precisando ser sancionada pelo presidente da República.
Para Randolfe, a possibilidade de o STF decidir sobre a questão do foro "pressionou o Legislativo a assumir o seu papel". "Desde o começo, o Supremo foi um motivador para que chegássemos até aqui. Isso aí é patente."
Dúvida e pressão na Câmara
Entre o dia da votação em primeiro turno, quando o Senado também aprovou um projeto que modifica a lei dos crimes de abuso de autoridade, e esta quarta, era preciso, por lei, que houvesse três sessões deliberativas ordinárias.
Agora que foi finalmente superada na primeira Casa, a tramitação da proposta permanece uma incógnita na Câmara, onde os deputados estão mobilizados em torno da reforma da Previdência. A discussão da PEC do fim do foro, assim como o projeto do abuso de autoridade, parece distante da ordem do dia.
Deputados ouvidos pela reportagem há duas semanas comentaram que esta era a primeira vez que eram questionados sobre o tema. "Não sei", limitou-se a dizer o peemedebista Darcísio Perondi (RS). Já o deputado Afonso Florence (PT-BA) disse concordar com as pautas, mas que considera o momento "muito inoportuno" para a discussão do fim do foro.
Randolfe afirmou à reportagem que pretende criar uma comissão para conversar com o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).
"Eu espero que a Câmara siga no mesmo signo do Senado, não tergiverse em relação a essa matéria, aprove o quanto antes, inclusive sem alterações. Nós procuramos apresentar uma proposta que fosse factível. A bola agora está com a Câmara, que irá contra a opinião pública e contra o sentimento nacional se postegar, alterar ou retroagir nessa emenda constitucional", declarou o senador.
Procurada pelo UOL, a assessoria da Presidência da Casa informou que "não há previsão" de quando a PEC será colocada em votação.
Senadores de diferentes partidos defenderam que o fim do foro só poderia ser aprovado caso também o fosse o projeto sobre o abuso de autoridade.
O projeto avançou no Senado poucas semanas depois de o ministro do STF Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato na Corte, determinar a abertura de inquéritos contra oito ministros do governo do presidente Michel Temer, além de 24 senadores e 39 deputados federais, todos eles com foro privilegiado.
O fim do foro especial para políticos também era uma das reivindicações dos manifestantes que foram às ruas em março.
Como é hoje e como pode ficar
De acordo com Randolfe, hoje cerca de 45 mil autoridades possuem a prerrogativa de foro. Por exemplo: deputados e senadores só podem ser investigados e julgados criminalmente pelo STF, e não por um juiz de primeira instância, como aconteceria com qualquer pessoa.
Já governadores são julgados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça). Prefeitos e juízes estaduais também têm direito ao foro privilegiado e são julgados pelos Tribunais de Justiça dos Estados.
O senador afirmou, após a aprovação em primeiro turno, que o foro "é um resquício aristocrático, da época do Império, da Monarquia". "Eu acho que o Brasil deu um passo importante em direção a uma República de fato", declarou.
Segundo ele, "não há nenhuma exceção" ao fim do chamado foro privilegiado. "O que está preservado é algo que já está em outro dispositivo da Constituição, que é a imunidade material para os chefes dos Poderes da União, do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Apenas isso. Em relação a todas as demais autoridades, o foro por prerrogativa de função, pelo nosso relatório, está extinto", explicou.
Na prática, de acordo com Randolfe, a diferença é que os presidentes dos Poderes respondem por eventuais crimes de responsabilidade que são julgados pelo Congresso Nacional. "Está na Constituição e obviamente teria que ser mantido. É assim no conjunto de outras democracias", disse.
Ainda segundo o relator da PEC, caso a proposta seja aprovada também na Câmara, as autoridades passarão a ser julgadas conforme determina o Código de Processo Penal, pelo juízo de onde for cometido algum crime. "Quem já está sendo julgado pelo Supremo terá seu inquérito rebaixado para o juiz e promotor da primeira instância", explicou.
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