Para presidente do PT, aliança com Ciro Gomes é possível
Prestes a deixar a presidência nacional do PT após seis anos, Rui Falcão comandará nos próximos dias o congresso nacional de um partido que, nas palavras dele, tenta se “recuperar”.
Em pouco mais de três anos, o PT venceu sua quarta eleição presidencial consecutiva, foi afastado do poder pelo impeachment de 2016 e viu algumas de suas principais lideranças presas ou investigadas pela Operação Lava Jato. Em meio à crise política, o partido tenta emplacar a emenda constitucional que prevê eleições diretas caso o presidente Michel Temer deixe o poder, vista por críticos como um “atalho” para que Lula chegue à Presidência da República antes de ser condenado pelo juiz Sérgio Moro.
Em entrevista concedida ao UOL horas antes do início do congresso do PT, Falcão negou que a emenda das eleições diretas sejam uma “blindagem” a Lula, chamou o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), de “farsante”, disse que a ascensão deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) é “ruim” para a democracia e que o partido estaria aberto a fazer uma composição com o pré-candidato Ciro Gomes (PDT) nas próximas eleições presidenciais.
UOL - O PT disse que o impeachment de Dilma Rousseff era uma violação à Constituição e o classificou como golpe. Agora, defende alterar essa mesma Constituição para convocar eleições diretas. Isso não seria uma incoerência? Um golpe?
Rui Falcão - Não. A Constituição já foi emendada várias vezes, inclusive para pior. Porque o Fernando Henrique Cardoso emendou a constituição para introduzir a reeleição, para acabar com o monopólio estatal da Petrobras e a pior mais recente é a 95 que congela o orçamento por 20 anos. A Constituição prevê a sua mudança. Não tem golpe nenhum em propor isso quando o país está mergulhado na corrupção, afunda na recessão e o desemprego atinge 14 milhões [de pessoas]. É absolutamente legítimo querer solucionar a crise ouvindo o povo.
Convocar eleições presidenciais neste contexto não paralisaria o país ainda mais?
Mas o país já está parado. A população vislumbra uma saída diferente. Um governo com legitimidade, não um governo usurpador. A única saída que a gente vê para começar a resolver os problemas do país são as eleições diretas. Há muitas propostas tramitando no Congresso Nacional que preveem as eleições diretas, mas a condição para que alguma delas se concretize é a saída do Temer, seja por renúncia, impeachment ou pelo julgamento do TSE. Se não for assim, aí é deposição. E aí, sim, seria golpe.
Como é que o sr. avalia as críticas de que esse posicionamento firme do PT em favor das eleições diretas seria, na realidade, uma tentativa de blindar o ex-presidente Lula?
Não tem nenhuma blindagem. Ele depôs um mês atrás. Os processos injustos, sem provas, continuam. E as eleições não blindam o Lula de nada. Os processos vão continuar. E nós nem estamos dizendo que ele é candidato.
Mas é o PT que anuncia o Lula como o único plano do partido para eleições diretas...
Nós iniciamos agora uma frente parlamentar pró-diretas, com PSB, PCdoB, PSOL, PT e a Rede ficou de analisar. Uma das coisas que nós falamos lá é: é um movimento interpartidário por diretas contra as reformas e não tem candidato. Ninguém está discutindo candidatura nessa fase. É tudo precipitado. Não tem eleição ainda. E mais importante que definir o nome do Lula [como candidato] é impedir que ele seja interditado. Seria antidemocrático você proibir, por meio de uma condenação, que ele seja candidato.
Considerando que a Operação Lava Jato hoje investiga o presidente Michel Temer e o ex-presidente nacional do PSDB (Aécio Neves), ainda há argumento para dizer que a operação é politicamente direcionada?
Estou dizendo que ela é bastante direcionada e continua a privilegiar as coisas que envolvem o PT. Se pegar a manchete do UOL, você vai ver (Falcão se refere a esta reportagem: "Desdobramento da Lava Jato em SP mira campanha de Haddad em 2012"). A Lava Jato se estendeu a São Paulo para investigar a campanha do [Fernando] Haddad na véspera do congresso do PT. Como sempre acontece. A Lava Jato saiu de uma fase seletiva e exclusiva para uma fase mais generalizada, mas em que o PT continua sendo priorizado. E, mais que direcionada ou não, a Lava Jato é uma operação que vem violando direitos e garantias constitucionais. Quase não tem habeas corpus, inverteram o ônus da prova, [ainda tem] as prisões provisórias continuadas e excessivas como disse o [ministro do STF] Gilmar Mendes, e a ideia de que provas ilegais podem ser validadas.
Na sua avaliação a Lava Jato tem mais erros que acertos?
Sim. Os mecanismos de apuração da corrupção, que são um fato positivo do país, nada disso foi criado pela Lava Jato. O combate à corrupção, que é uma coisa saudável, não decorre da Lava Jato. E mais, no curso dessas operações todas, o que está acontecendo é que os corruptores fazem acordo, ficam com boa parte do dinheiro e vão passear por aí no exterior. Então a corrupção continua. Estão isentando os corruptores e condenando alguns corruptos, além de condenar pessoas inocentes sem provas.
O PT vai apoiar o chamado acordão para anistiar a prática de caixa 2?
Eu desconheço esse tipo de acordo. O que me parece complicado é que todas as doações legais, que nós recebemos e registramos e resultaram na aprovação das nossas contas, agora são consideradas suspeitas porque alguém disse que aquela doação registrada é resultado de propina. Como é que o PT ou qualquer outro partido recebe uma doação, declara, e depois tudo isso é considerado propina? Você acha que o cara fala para você: "Olha...isso aqui é propina, tá?". O problema não está em legalizar ou não legalizar o caixa 2, mas em barrar essa tentativa de criminalizar as doações legais. Como é que prova que uma doação legal é propina? Só porque alguém disse que é?
Mas é justamente isso o que as investigações sustentam. Que o chamado petrolão aperfeiçoou o sistema de pagamento de propina transformando tudo em doação legal.
Mas como é que eu fico sabendo disso? Uma empresa doou para mim e eu recebi e declarei. Como vou saber que é propina? Se o agente dessa doação fez algum ato de corrupção, eu não posso ser culpabilizado por isso.
Vocês temem a delação de Antonio Palocci?
Primeiro, eu não sei se efetivamente ele estaria fazendo isso. O que eu vi é que ele fez uma declaração agora sobre compra do Banco Panamericano, envolvimento do BTG. Agora, não posso opinar sobre uma coisa que eu não conheço.
Mas, conhecendo o Palocci como o sr. conhece, uma delação dele decepcionaria o PT?
Ele foi ministro e tal. E não creio que ele tenha a dizer algo que possa comprometer o PT.
Vocês acreditam que uma eventual delação do Palocci possa causar um efeito dominó em relação a pessoas como João Vaccari Neto (ex-tesoureiro do PT), que também está preso?
O Vaccari está lá há praticamente dois anos. Não apareceu nenhuma prova material em relação às condenações. Ele já foi condenado injustamente e o advogado dele está com um pedido de habeas corpus tramitando no Supremo porque não faz sentido que ele ainda esteja preso. Ele não foi condenado em segunda instância e poderia estar solto ainda que com restrições, com o José Dirceu. Não se entende o motivo dessa prisão tão prolongada. Mas eu entendo. É porque ele ainda não falou nada. No caso dele, é mais uma prova, um indício de que as prisões prolongadas servem como coação para provocar delações.
O governo Temer criou um ministério para Moreira Franco e estuda reeditar uma MP, garantindo a ele o foro privilegiado. Em meio à revelação de que aliados faziam pressão pela troca do ministro da Justiça, o governo acabou mudando o comando do ministério. Mesmo assim, a reação nas ruas foi praticamente nula. Por que o senhor acha que a reação popular a essas medidas foi tão diferente daquela de quando Lula foi nomeado ministro do governo Dilma?
Porque tem uma mídia direcionada para isso.
Mas essa “culpa” seria só da mídia? As gravações envolvendo Temer foram amplamente divulgadas em todo o país por praticamente toda a mídia...
Passa também por setores do Judiciário... mas tem o que o Lula diz: foram 20 horas de "Jornal Nacional" contra ele em um ano. As coisas envolvendo o Temer e o Aécio saíram, mas de forma muito menos contínua, até porque a mídia, neste momento, está dividida. No caso da Dilma havia um movimento organizado, de entidades de classe, mobilizando para que ela caísse. Quase todas as grandes corporações se mobilizaram para derrubar a Dilma.
Por outro lado, as centrais sindicais de todo o país também se mobilizaram recentemente para protestar contra o presidente Temer.
Mas olha a diferença entre o poderio de Fiesp, CNI, CNA. As centrais não têm dinheiro a rodo para ficar comprando gente.
Entre os nomes mais cotados para uma disputa em 2018, João Doria e Jair Bolsonaro surgem como os candidatos “anti-Lula”. Qual dos dois preocupa mais o PT?
Não temos preocupação com candidato. Em eleições democráticas, todo mundo pode se apresentar como candidato. O que nos preocupa em relação ao Bolsonaro é que ele defende ideias como a volta dos militares, o sexismo e o racismo, como já ficou demonstrado em vários pronunciamentos dele. Isso é ruim para o país. O Doria, por outro lado, é um farsante. Fala que não é político, que não é gestor, mas nenhum prefeito deixa de ser político. É uma concepção de política que não é legal para o país. A pessoa fica encobrindo sua condição política. E tem atitudes condenáveis como essa política higienista na cracolândia.
Vocês são muito orgulhosos de dizer que o PT seria o único partido orgânico e de militância do país. Como é que o PT chegou a 2017 com o Lula ainda sendo a única alternativa avaliada como viável do partido?
O PT está vindo de um processo de recuperação. Nunca deixamos de ser, só que agora com mais distância, o partido com mais popularidade do país. Quinze por cento no Datafolha e 20% no Vox Populi. E é incrível que isso aconteça porque, desde 2005, estamos sendo alvo de uma caçada implacável. Ainda assim, o PT sobrevive, cresce e tem respaldo na opinião pública. Isso se deve muito ao Lula, mas também a milhares de militantes espalhados pelo país. Que lutam, resistem, levam nossas propostas. O Lula é a maior expressão disso, mas também é produto disso. No momento devido, nós temos outras lideranças que poderão sucedê-lo. O Wellington Dias [governador do Piauí] é um governador que tem todo um prestígio no Estado dele. A geração dos Viana [Tião Viana, governador do Acre, e Jorge Viana, senador pelo mesmo Estado]. Temos grandes líderes regionais. Qualquer um desses pode ganhar protagonismo quando o Lula falecer ou coisa do tipo. É algo natural.
Mas, num momento tão crítico como esse, por que nenhuma dessas lideranças surge como uma alternativa ao Lula?
Não tem alternativa B porque não estamos descartando a alternativa A. Se não tivesse a alternativa A, a gente buscaria a alternativa B.
Qual seria?
Quando você fala qual seria o plano B, você está descartando o plano A.
É possível esperar que o PT se reinvente sendo comandado pelas mesmas lideranças?
Com relação ao financiamento empresarial, nós já abandonamos antes mesmo da decisão do STF. Foi um primeiro gesto dessa mudança. E estou há seis anos e quase três meses na presidência do PT, até hoje não tem nenhuma denúncia, investigação ao meu nome. Tem muitas mudanças que promovemos nesse período. É um processo de mudanças que com a nova direção deverá se acentuar. Vamos renovar a direção no sábado (3). Provavelmente, a [senadora] Gleisi Hoffmann (PR) vai presidir o PT. Será a primeira vez em 37 anos que uma mulher vai presidir o PT.
O PT está aberto a fazer uma composição com Ciro Gomes?
Num processo eleitoral democrático, você terá que apresentar um programa para o país. Inclusive o Lula terá que fazer isso. Os anos de 2017 ou 2018 não são 2003. O contexto é outro. Fomos vitimados por um golpe. Tem outras circunstâncias. Vamos ter que apresentar propostas para o futuro, mas revogando os entulhos aprovados no governo Temer. Isso precisa ser partilhado com outras forças e é nesse contexto que você vai discutir quem são suas alianças. Nesse contexto, uma pessoa como o Ciro pode compor uma aliança conosco.
Pelo que o senhor diz, diferentemente do discurso de 2003, que era na linha do “Lulinha paz e amor”, o discurso agora seria o de ruptura?
Não. O termo ruptura causa muitos problemas. Ruptura pode ser entendida como quebra da ordem jurídica, como revolução e não é por aí. É uma revogação de atos que consideramos prejudiciais ao país, que são atos antidemocráticos e antinacionais como a mudança no regime de venda de terras para estrangeiros e a condução da Petrobras.
Muita gente critica o PT por não ter punido figuras como José Dirceu e João Vaccari apesar de eles já terem sido condenados pela Justiça. Como o senhor responde às críticas de que essa hesitação em punir militantes condenados envia uma mensagem de que o PT acolhe corruptos?
Sim, se as condenações fossem justas, mas elas são injustas e sem provas. E faço uma diferença aqui. O Delcídio não é mais do PT. E se ele não tivesse pedido para sair, ele teria sido expulso. E por que isso ocorreu? Porque ele cometeu transgressões por conta própria que o partido não podia admitir. Então, ninguém fez a defesa do Delcídio. É diferente do Vaccari, por exemplo.
Então a régua para medir se alguém vai ser punido ou não é...
Se ele for condenado justamente...
Mas o Delcídio nem sequer foi condenado.
Porque fez delação.
Então a régua é essa?
Sim. Ele fez uma delação admitindo fatos criminosos que impediam que ele continuasse no PT. O José Dirceu e o Vaccari não propuseram suborno para ninguém. Não tentaram obstruir a Justiça. Não tem uma prova material. Contra o Delcídio tinha provas.
Na medida em que Lula envelheça, como é que o PT vê a possibilidade de se transformar no PTB de Getúlio Vargas, que definhou após a morte daquele que foi o seu maior líder?
Não há a menor possibilidade de se fazer essa comparação. São partidos estruturados de forma diferente. O PTB nunca teve a organicidade do PT, nunca teve a militância do PT, o Getúlio nunca foi uma liderança como o Lula. É uma comparação que não faz sentido.
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