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Janot abre investigação e diz que colaboração premiada da JBS poderá ser rescindida

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

04/09/2017 19h03Atualizada em 05/09/2017 20h15

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, fez um pronunciamento na noite desta segunda-feira (04) para informar que determinou a abertura de investigação para apurar a omissão de informações no acordo de colaboração premiada firmado por três dos sete delatores da JBS: Joesley Batista, Ricardo Saud e Francisco de Assis e Silva. A delação dos empresários foi fundamental na abertura de inquérito contra o presidente da República, Michel Temer (PMDB), por suspeitas de corrupção passiva e obstrução de Justiça.

Segundo Janot, caso comprovadas as ilegalidades, o acordo poderá ser rescindido e os benefícios dos delatores poderão ser revistos ou cancelados. As provas já apresentadas, porém, não serão invalidadas e continuarão sendo usadas nas investigações já em andamento e na apresentação de eventuais denúncias.

"Determinei hoje a abertura de investigação para apurar indícios de omissão de informações sobre práticas de crime no processo de negociação para assinatura do acordo de colaboração premiada da JBS", declarou Janot. A suspeita surgiu depois que os delatores da JBS entregaram à PGR, na quinta-feira (31), quatro áudios como complemento do acordo de delação.

Áudios gravados com conteúdo grave, eu diria gravíssimo, foram obtidos pelo MPF (Ministério Público Federal) [...] A análise de tal gravação revelou diálogo entre dois colaboradores com referências indevidas à PGR e ao STF (Supremo Tribunal Federal)

Rodrigo Janot, procurador-geral da República

Janot não deixou claro quais foram os crimes constantes dos áudios, mas admitiu que entre os nomes citados entre os possíveis praticantes de atos ilícitos está o do ex-procurador da República e ex-braço direito do próprio Janot, Marcelo Miller (saiba mais sobre ele abaixo).

Um dos quatro áudios entregues na última quinta-feira (31) pelos delatores à PGR registrou uma conversa entre Joesley Batista e um dos executivos e delatores da JBS, Ricardo Saud. A gravação traz, segundo a Procuradoria, "elementos que necessitam ser esclarecidos". "Exemplo disso é o diálogo no qual falam sobre suposta atuação do então procurador da República Marcello Miller, dando a entender que ele estaria auxiliando na confecção de propostas de colaboração para serem fechadas com a Procuradoria-Geral da República. Tal conduta configuraria, em tese, crime e ato de improbidade administrativa", diz texto divulgado pela PGR.

"Os áudios sugerem atos ilícios graves na Procuradoria e no Supremo Tribunal Federal", disse Janot, citando Miller, mas sem mencionar quais seriam os problemas no Supremo. “Se meu ex-colega praticou algum ato ilícito, não interfere nas denúncias que eu pretendo oferecer ou não.”

No despacho enviado ao STF (Supremo Tribunal Federal), Janot acrescentou que o áudio em questão era referente ao senador Ciro Nogueira (PP-PI), mas na entrevista coletiva ele não explicou qual seria a referência ao parlamentar.

Segundo Janot, caso a investigação comprove que os delatores omitiram fatos importantes ao assinarem a colaboração premiada, o acordo será invalidado, e os benefícios dos executivos, cancelados. Entre os benefícios concedidos a Joesley e Wesley Batista está a imunidade processual, ou seja, os delatores não seriam processados pelos crimes delatados. 

"Se ficar provada qualquer ilicitude, o acordo de colaboração premiada poderá ser rescindido. Poderá chegar à rescisão", destacou o procurador".

Apesar da investigação, Janot fez questão de frisar que, ainda que o acordo de colaboração possa ser cancelado, nenhuma prova já apresentada poderá ser invalidada. Isso quer dizer que os áudios já utilizados pela PGR para abrir investigações contra políticos como o presidente Temer, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) continuarão tendo validade.

A eventual rescisão do acordo não invalida as provas até então oferecidas. Conforme a lei que disciplina a delação premiada, se a culpa do colaborador ensejar a rescisão do acordo, ele perde todos ou alguns dos benefícios, e o Estado aproveita todas, todas as provas apresentadas pelos colaboradores

Rodrigo Janot

Janot afirmou que é a primeira vez que um acordo de colaboração passa por investigação com essa dimensão, que pode levar à sua rescisão, mas defendeu o "instituto" da delação premiada.

“A eventual rescisão não desqualificará o instituto. Será mostra de que não se pode ludibriar o Ministério Público e o poder Judiciário", disse ele. “Se os executivos da JBS eventualmente erraram, pagarão por isso, mas nem por isso pagará o instituto, que deve ser preservado".

O procurador afirmou que os próprios colaboradores entregaram espontaneamente na última quinta-feira os quatro áudios. Das gravações, a terceira foi avaliada por Janot como “exótica”, em que os colaboradores, aparentemente, não sabiam que estavam gravando eles mesmos. “É uma conversa franca e de linguagem livre entre dois colaboradores. Temos que entender quais são essas conversas e referências que eles fizeram”, comentou.

Janot explicou que o conteúdo dos áudios será submetido ao ministro do STF Edson Fachin, relator da delação da JBS no Supremo. Além disso, os delatores serão chamados à PGR ainda nesta semana para prestar esclarecimentos.

Quem é Marcelo Miller

O ex-procurador Marcelo Miller integrou o grupo de trabalho da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República (PGR) entre 2014 e 2016, como assessor de Janot. Após deixar o MPF, ele foi contratado em maio deste ano pelo escritório de advocacia Trench, Rossi e Watanabe, que representou a J&F durante parte das negociações do acordo de colaboração premiada. Um mês depois, saiu do escritório de advocacia, do qual era sócio.

No fim de junho, Miller foi citado pelo presidente Michel Temer em pronunciamento oficial. Temer disse que "um assessor muito próximo ao procurador-geral da República [Rodrigo Janot], senhor Marcelo Miller, homem de sua mais estrita confiança" abandonou o MPF para "trabalhar em empresa que faz delação premiada com o procurador-geral".

O presidente disse ainda que Miller "ganhou milhões em poucos meses", garantindo "ao seu novo patrão um acordo benevolente, uma delação que o tira das garras de Justiça, que gera uma impunidade nunca antes vista".

Após as acusações de Temer, Miller afirmou que "não cometeu nenhum ato irregular" desde que deixou a PGR.

O Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio (OAB-RJ) abriu no fim de junho um processo de apuração formal para avaliar a conduta do ex-procurador.

Miller não foi localizado pela reportagem para comentar a abertura de investigação.

J&F diz que Janot faz interpretação precipitada

A defesa dos executivos da J&F, empresa que controla a JBS, informou em nota, na noite desta segunda-feira (4), que não houve "contaminação" que possa comprometer o acordo de delação premiada firmado entre a PGR (Procuradoria-Geral da República) e os delatores da empresa.

Segundo a nota, a PGR faz "interpretação precipitada" dos áudios que foram entregues pelos colaboradores à PGR na última quinta-feira (31), interpretação essa que será "rapidamente esclarecida".