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Ser aplaudido por manter investigado preso não é fazer um bom trabalho, diz Gilmar Mendes

Gilmar Mendes afirmou que a defesa dos direitos dos investigados é uma forma de controlar abusos - Nelson Jr./SCO/STF
Gilmar Mendes afirmou que a defesa dos direitos dos investigados é uma forma de controlar abusos Imagem: Nelson Jr./SCO/STF

Felipe Amorim

Do UOL, em São Paulo

04/12/2017 11h09

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes afirmou nesta segunda-feira (4) que os juízes devem “nadar contra a corrente” para garantir direitos fundamentais, inclusive a presos e investigados, e que ser aplaudido por manter suspeitos na cadeia não é fazer um bom o trabalho.

A afirmação foi feita em seminário no STJ (Superior Tribunal de Justiça) que teve o ativismo judicial como tema, e alguns dias depois de o ministro conceder pela terceira vez um habeas corpus ao empresário Jacob Barata Filho, conhecido como o “Rei do Ônibus” no Rio.

Para o ministro, aqueles que criticam as decisões favoráveis a investigados esquecem que podem, eventualmente, estar um dia no papel de alvo das investigações.

“Muitas vezes, a garantia de direitos está na contrariedade de opiniões. Ao se fazer a defesa de direitos, às vezes de forma estritamente conservadora, nós estamos protegendo aquele indivíduo que nos apedreja, porque quando você cria um Estado autoritário, com generalização de prisões preventivas, e as pessoas aplaudem, elas esquecem que amanhã será a vez delas”, disse sem citar o nome de Barata Filho ou de nenhum outro investigado.

Barata Filho é acusado de pagar propina a políticos do Rio. Neste terceiro pedido de prisão, a Procuradoria Regional da República afirmou que ele continuava agindo no controle de suas empresas, embora estivesse proibido por medidas cautelares. Em seu despacho, Gilmar Mendes alegou que os documentos não provam essa acusação.

No evento de hoje, Gilmar Mendes afirmou que a defesa dos direitos, que beneficiam também os investigados, é uma forma de controlar abusos da polícia e do Ministério Público.

"Quando falhamos no controle, nós incentivamos abusos da polícia, incentivamos abusos do Ministério Público. Então precisamos ter essa noção de que nadar contra a corrente não é apenas uma sina nossa, é nosso dever”, disse.

“Se nós estivermos sendo muito aplaudidos porque estamos prendendo muito, porque negamos habeas corpus, desconfiemos, nós não estamos fazendo bem o nosso job [trabalho, em inglês]. Certamente falhamos", afirmou o ministro.

Relação polêmica

As solturas de Barata Filho autorizadas por Gilmar Mendes foram alvo de polêmicas após a divulgação de que o ministro e sua mulher, a advogada Guiomar Mendes, são próximos da família do empresário e teriam sido padrinhos de casamento da filha dele.

O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot chegou a pedir a suspeição, o impedimento e a nulidade das decisões de Gilmar Mendes no caso.

A nova procuradora-geral, Raquel Dodge, porém, pediu vista (mais tempo para analisar o caso) na ação que já estava no STF e ainda não devolveu o processo.

Prisão após condenação em 2ª instância enfraquece STF

No evento desta segunda-feira, Gilmar Mendes também falou sobre o início do cumprimento da pena após haver condenação em 2ª instância.

Para o ministro, autorizar a prisão após a decisão de 2ª grau da Justiça pode enfraquecer os tribunais superiores, como o STJ e o STF, para os quais ainda caberia recurso.

"Ou se muda isto ou você empodera de maneira demasiada a Justiça de primeiro grau e o Ministério Público, em detrimento inclusive das cortes superiores", disse.

“Ou se discute isso de uma maneira aberta, em termos de política judicial, ou se tem na verdade quase uma demissão nossa, dos tribunais superiores, em relação a essa avaliação", afirmou Mendes.

Hoje, o STF decidiu que após a condenação do réu ser confirmada em recurso a um tribunal de 2ª instância, já pode ser iniciado o cumprimento da pena.

A decisão alterou o entendimento do Supremo de que a pena só deveria ser imposta após serem analisados todos os recursos possíveis, o que muitas vezes levava o caso até o STJ ou ao STF.

O Supremo deve voltar a decidir sobre o tema ao analisar ações pendentes de julgamento.