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Lava Jato no RJ: multinacionais alimentavam 'grande caixa da propina' para integrar cartel

4.jul.2018 - Movimentação em frente ao prédio da Polícia Federal em SP - Marivaldo Oliveira/Código 19/Estadão Conteúdo
4.jul.2018 - Movimentação em frente ao prédio da Polícia Federal em SP Imagem: Marivaldo Oliveira/Código 19/Estadão Conteúdo

Do UOL, em São Paulo e no Rio

04/07/2018 15h07

Um cartel suspeito de atuar no Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia) e na Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro por mais de 20 anos foi destrinchado a partir de um acordo de leniência entre o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e uma das empresas participantes do esquema criminoso. Entre as 37 empresas envolvidas, estão as multinacionais Philips e Johnson & Johnson, segundo informou nesta quarta-feira (4) a força-tarefa da Operação Lava Jato no MPF (Ministério Público Federal) do Rio de Janeiro.

Os procuradores estimam que o prejuízo aos cofres públicos chega a R$ 1,2 bilhão --mesmo valor que foi bloqueado pela Justiça, a pedido do MPF, em relação aos bens dos investigados.

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Segundo as investigações, as empresas são suspeitas de envolvimento em manipulação de licitações. Além de afetar a concorrência, elas superfaturavam preços de insumos médicos. Funcionários públicos também “agiam de forma coordenada”, segundo o MPF. Eles permitiam “a máxima arrecadação de recursos pelas empresas cartelizadas”, além de pagar propina a servidores públicos dos mais diversos órgãos.

Segundo a Lava Jato, entre eles, está o ex-secretário de Saúde do governo de Sérgio Cabral (MDB) Sérgio Côrtes, que foi libertado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes. Ele já foi diretor do Into e esteve à frente da secretaria entre 2007 e 2013.

Côrtes e a empresa Oscar Iskin, comandada por Miguel Iskin --que voltou a ser preso nesta quarta-feira (4) na Operação Ressonância--, lideravam o esquema, conforme apontam as investigações. Eles, dizem os procuradores, eram responsáveis por “angariar grandes fabricantes mundialmente reconhecidas e obter liberação orçamentária para as contratações em valores estratosféricos”. A quantia envolvida, de acordo com o TCU (Tribunal de Contas da União), passa de R$ 1,5 bilhão “apenas no âmbito das contratações do Into no período de 2006 a 2017”.

As empresas que integravam o cartel estão sendo investigadas pelo Cade (Conselho de Defesa Administrativa) e pelos órgãos de controle fiscal TCU (Tribunal de Contas da União) e CGU (Controladoria-Geral da União). Segundo a Lava Jato, além das imputações criminais aos agentes investigados na Operação Ressonância, elas podem ser responsabilizadas por eventuais crimes contra o mercado financeiro.

"Clube do pregão internacional"

O núcleo operacional era ligado à Oscar Iskin. Seus representantes faziam a ligação entre o setor público, que englobava o “núcleo administrativo-político”, e os empresários cartelizados, do “núcleo econômico”.

Procuradores dizem que ações irregulares no núcleo administrativo-político eram compradas com "vantagens indevidas milionárias, as quais eram custeadas com base na arrecadação de valores com as empresas beneficiárias das licitações". Comissões no exterior chegaram ao patamar de 40% dos contratos afetados, segundo a Lava Jato. Quando os pagamentos eram feitos no Brasil, os valores oscilavam entre 10% e 13%.

O "grande caixa da propina", segundo o MPF, era administrado por Miguel Iskin "de forma a retroalimentar o sistema e permitir a sua hegemonia no mercado da saúde pública durante décadas". Para receber os valores, Miguel montou uma "rede complexa de lavagem de dinheiro", apontam os procuradores. Ele usava offshores no exterior e empresas no Brasil para o esquema.

Entre as empresas do núcleo econômico, estava, por exemplo, a Philips Medical System. Elas pagavam as vitórias em licitações com o pagamento de “comissões exorbitantes” a Miguel no exterior. A Philips teria se envolvido no esquema em licitações em 2005 e 2009.

Então CEO da Philips no Brasil, Daurio  Speranzini também foi preso nesta quarta-feira pela Polícia Federal. Atualmente, ele comandava a GE na América Latina. Segundo a Lava Jato, a empresa também foi citada pelo colaborador Cesar Romero, ex-subsecretario executivo da Saúde do Rio, como integrante do denominado “clube do pregão internacional”.

Já outras empresas fornecedoras, como a Johnson & Johnson, ofereciam seus produtos a companhias laranjas que eram determinadas pela Oscar Iskin. Além disso, elas participavam dos pregões internacionais e pagavam comissão dos ganhos para as contas de Miguel Iskin no exterior.

Até 2014, a Iskin vendia para o Into diretamente produtos fabricados pela Johnson & Johnson. Após o fim da relação comercial, o cartel, por meio da Iskin, “articulou bloqueios à Johnson & Johnson nas licitações do Into a fim de indicar que a solução para eles seria o restabelecimento das relações comerciais com a Oscar Iskin”, disse o MPF. A Johnson passou a ser desclassificada nas licitações seguintes.

Outro lado

A Philips informou, em nota, que ainda não teve acesso ao processo, mas que está "cooperando com as autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos quanto às alegações apresentadas, que datam de muitos anos atrás".

"Os atuais líderes executivos da Philips não são parte da ação da Polícia Federal; um colaborador da equipe de vendas da Philips foi conduzido para prestar esclarecimentos. A política da Philips é realizar negócios de acordo com todas as leis, regras e regulamentos aplicáveis. Quaisquer investigações sobre possíveis violações dessas leis são tratadas muito seriamente pela empresa."

Alexandre Lopes, advogado de Miguel Iskin, afirmou que a prisão é "ilegal" e criticou o uso de informações de delator.

"Mais uma prisão ilegal que será revogada pelos tribunais brasileiros. Trata-se de repetição de operação anterior, na qual custódia preventiva já foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal. Causa perplexidade a utilização como base da prisão depoimentos de um delator chamado Cesar Romero, que ouvido em Juízo, anteriormente, foi flagrado em várias mentiras. Suas delações deveriam ser anuladas, e não usadas como arrimo de prisão ilegal", afirmou.

A GE informou, em nota, que "as alegações [da Lava Jato] são referentes ao período em que o executivo [Daurio Speranzini Júnior] atuou na liderança de outra empresa" e que "não é alvo das investigações". "A empresa acredita que os fatos serão esclarecidos pela Justiça e está à disposição para colaborar com as autoridades."

“A Johnson & Johnson Medical Devices Brasil segue rigorosamente as leis do país e está colaborando integralmente com as investigações em andamento”, informou a multinacional.

Agentes da PF foram ao apartamento do ex-secretário Sérgio Côrtes na manhã desta quarta para cumprir mandado de busca e apreensão, mas ele não estava em casa. Os advogados Gustavo Teixeira e Rafael Kullmann afirmam que a PF foi informada no ato que seu cliente encontrava-se em um hospital em razão de uma cirurgia de uma de suas filhas.

O Into informou que vai colaborar com as investigações. "O Into está à disposição para esclarecimentos", disse a assessoria de imprensa em Brasília por telefone.

O UOL tenta contato com os demais citados na investigação.