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"Moro pode ser mais um elemento da polarização do que de agregação", diz ex-ministro Cardozo

Gabriela Fujita

Do UOL, em São Paulo

01/11/2018 20h11

Ex-ministro da Justiça no governo Dilma Rousseff (PT) – de dezembro de 2010 a março de 2016 -- e ex-advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo diz ter recebido com surpresa a notícia de que o juiz federal Sérgio Moro será o próximo ministro da Justiça e da Segurança Pública.

“Fiquei estupefato”, afirma Cardozo. “Diante das decisões que o Moro tomou ao longo do tempo e que tiveram uma influência direta no processo eleitoral, eu imaginei que ele não aceitasse. O Ministério da Justiça tem um papel calibrador do sistema. O ministro da Justiça tem por missão defender o estado de direito e tem que buscar a harmonia entre poderes do Estado e buscar pactuações de estabilidade para o Estado.”

José Eduardo Cardozo - Edilson Rodrigues/Agência Senado - Edilson Rodrigues/Agência Senado
José Eduardo Cardozo, advogado e ex-ministro da Justiça
Imagem: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Cardozo avalia que, mesmo afirmando que jamais ocuparia um cargo político, Moro agiu de forma parcial na Operação Lava Jato. Segundo o ex-ministro, atitudes de Moro ajudaram o desempenho de Jair Bolsonaro (PSL) na disputa presidencial e prejudicaram as candidaturas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, posteriormente, a de Fernando Haddad (PT). Ele cita, por exemplo, a condenação e a prisão de Lula enquanto ainda era o primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto e a liberação do sigilo de parte da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci poucos dias antes da realização do primeiro turno das eleições.

“Nesse momento de acirramento da disputa, em que o Brasil está dividido e a intolerância vem às ruas, o ministro da Justiça tem que ser uma pessoa que se comporta fielmente numa postura republicana e de afirmação da Constituição, ao mesmo tempo que terá que buscar a harmonia entre poderes e setores da sociedade. Temo que, nesse contexto, quando o juiz Sérgio Moro, ao aceitar o cargo, revela uma identidade com um projeto político que, de certa forma, reflexamente foi beneficiado pelas suas decisões ao longo do tempo, ele pode ser mais um elemento de polarização do que de agregação institucional.”

À frente do Ministério da Justiça, Moro vai comandar um "superministério", com acesso à Polícia Federal, à CGU (Controladoria Geral da União) e ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), entre outros. Na opinião de Cardozo, “é impossível” que dê certo.

O gigantismo do Ministério da Justiça traz uma grande dificuldade ao ministro que é a impossibilidade de dar foco a tudo que ele tem que dar

“Ou ele esquece de alguma coisa, e vai trazer danos à população quando esquece, ou ele se perde num cotidiano insolúvel", pondera Cardozo. "Agregar o Ministério da Justiça à estrutura da CGU, do Coaf, qual é a lógica? Eu só vejo uma lógica nisso, que é atender a uma centralização que só favorece o envaidecimento do ministro, e não favorece a lógica administrativa."

O ex-ministro avalia que, da maneira como se propõe, o novo ministério não beneficia o interesse público. “Ele vem em prol do marketing e de uma exacerbação de vaidade daquele que é ministro e dirá ‘eu sou o todo poderoso’ e não exercerá boa parte dos seus poderes, porque é impossível querer fazer tudo ao mesmo tempo.”

Daqui para frente, as pessoas vão começar a vislumbrar nos juízes projetos políticos quando eles tomam decisões que podem ser polêmicas. O cidadão passa a associar juízes a agentes políticos, juízes julgando não pela lei, mas de acordo com seus projetos políticos. É uma mensagem muito ruim para o estado de direito do Brasil.