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Ministério da Justiça não se limita a combater corrupção, diz Reale Jr.

O jurista Miguel Reale Jr., durante o processo de impeachment de Dilma, em 2016 - André Dusek/Estadão Conteúdo
O jurista Miguel Reale Jr., durante o processo de impeachment de Dilma, em 2016 Imagem: André Dusek/Estadão Conteúdo

Guilherme Azevedo

Do UOL, em São Paulo

02/11/2018 04h00

O jurista Miguel Reale Jr. afirmou nesta quinta-feira (1º) que a escolha de Sergio Moro como futuro ministro da Justiça pode contribuir para o "trabalho efetivo de combate à corrupção" no Brasil, mas que a competência do Ministério da Justiça "não se limita a essa luta".

"Moro está muito focado no problema da anticorrupção, e nós não sabemos qual é o pensamento dele em relação a uma política criminal de cunho social, especialmente, porque a criminalidade não se combate apenas com repressão e violência", ponderou ao UOL Reale Jr., que foi um dos autores do pedido que resultou no impeachment de Dilma Rousseff (PT) e trabalhou como ministro da Justiça em 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

"Ao mesmo tempo, não sabemos qual é o pensamento de Moro em relação à política penitenciária, que é ponto-chave do Ministério da Justiça."

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Para Reale Jr., professor titular de direito penal da USP (Universidade de São Paulo), uma política de luta contra o crime organizado só deu certo quando houve "grande ênfase em política social". "Essa é a lição internacional."

O jurista frisou que, na sua passagem pelo Ministério da Justiça (por três meses, em 2002), tinha preparado um projeto de implementação de políticas criminais com foco social em escolas da periferia, por exemplo. "Pela falta disso que as UPPs [Unidades de Política Pacificadora, projeto de segurança] não deram certo no Rio de Janeiro. Atuar só no nível da repressão está fadado ao insucesso."

Reale Jr. se disse surpreso com o sim de Moro ao presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), porque uma indicação política "é muito insegura" e imprevisível. "Não se sabe quanto tempo alguém se demora num ministério, porque pode ser demitido de uma hora para a outra. Pode se indispor com o presidente, pode ficar um mês, dois meses ou quatro anos. Sair de um cargo vitalício [como o de um juiz é] para um ministério é sempre arriscado."

O jurista fala da inconstância do posto com conhecimento pessoal de causa: sua experiência como ministro da Justiça durou apenas três meses. Desentendeu-se com FHC sobre a proposta de intervenção federal no Espírito Santo, que defendia, e deixou o governo.

"Eu era a favor da intervenção para a proteção dos direitos humanos. Por causa dos juízes, promotores, delegados e advogados que estavam sendo mortos pelo crime organizado do estado."

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O jurista Ives Gandra da Silva Martins
Imagem: Adriano Vizoni/Folhapress

Aceno à população

Para o jurista Ives Gandra da Silva Martins, professor emérito de direito constitucional da Universidade Mackenzie, de São Paulo, o convite feito a Moro revela o desejo de Bolsonaro cumprir promessas feitas na campanha.

Segundo Martins, Moro era a figura de todo o Judiciário mais reconhecida pela população pelo trabalho de combate à corrupção, por causa do seu protagonismo como juiz dos processos da Operação Lava Jato, em Curitiba.

Das mãos de Moro é que saíram as decisões em primeira instância pela prisão de políticos, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-deputado Eduardo Cunha, e empresários, como o ex-presidente da Construtora Norberto Odebrecht, Marcelo Odebrecht.

"Com a escolha de Moro, Bolsonaro dá mostra de que pretende cumprir o que prometeu: que o combate à corrupção será de fato prioridade do seu governo."

Embora reconheça certa surpresa pelo sim de Moro, que terá de abandonar a carreira de juiz, uma vez que a Constituição brasileira proíbe um magistrado de transitar de posto entre os Poderes da República, o jurista distingue algo maior na decisão: "Moro viu uma missão maior como ministro [do Poder Executivo]. Maior da que ele desempenhava com brilho como juiz da primeira instância".