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Imaginava que Lula e Marisa pagariam reformas, diz dono de sítio de Atibaia

Ana Carla Bermúdez e Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

12/11/2018 21h52Atualizada em 12/11/2018 22h31

O empresário Fernando Bittar, um dos donos de um sítio em Atibaia (SP) que é assunto de um processo da Operação Lava Jato, disse nesta segunda-feira (12) em interrogatório que pensava que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a ex-primeira-dama Marisa Letícia, morta em 2017, pagariam pelas reformas na propriedade. Segundo o MPF (Ministério Público Federal), as obras foram pagas e executadas por empreiteiras como propina para o petista.

Lula e Bittar são réus no processo. De acordo com a acusação, as reformas somaram pouco mais de R$ 1 milhão pagos por Odebrecht, OAS e pelo pecuarista José Carlos Bumlai. O dinheiro teria vindo de fraudes em contratos da empresas e da construtora Schahin com a Petrobras. O ex-presidente também é acusado de ter atuado para beneficiar a Odebrecht e a OAS em contratos com a estatal.

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Bittar afirmou que sua família e a de Lula seriam uma só. Segundo o empresário, seu pai, Jacó Bittar, colocou o sítio à disposição de Lula e Marisa para acomodar o acervo presidencial do petista após o fim do governo dele, encerrado em 2010. Ex-prefeito de Campinas e amigo de Lula há décadas, Jacó Bittar também deu autonomia para Marisa Letícia fazer mudanças na propriedade, de acordo com o relato do filho.

Com isso, Bumlai visitou o sítio com Marisa -- segundo Bittar, para avaliar a necessidade de reformas para receber o acervo, o que acabou acontecendo. "Bumlai que começou a obra", declarou o empresário.

Questionado pela juíza Gabriela Hardt sobre se indenizaria Marisa ou Bumlai pelas benfeitorias em um sítio de sua propriedade, Bittar respondeu que Lula e a ex-primeira-dama pagariam pelas reformas.

Pelo grau de relacionamento que a gente tem, a gente imaginou o seguinte. Eu não precisava de obra, eles estavam utilizando o sítio. Ou seja, eles que têm que arcar com a despesa dessa obra
Fernando Bittar, dono do sítio de Atibaia

Bittar afirmou inclusive que não sabia quanto Bumlai gastaria na reforma -- segundo o MPF, R$ 150.500. 

"Na minha cabeça, doutora, eu imaginava que isso eles teriam que pagar. Eu estava cedendo um espaço para eles construírem alguma coisa", declarou.

"Deixa que eu resolvo"

Bittar também disse não ter ideia de quanto custariam as obras feitas por uma segunda equipe que assumiu os trabalhos no fim de 2010, substituindo a equipe original enviada por Bumlai. Segundo a acusação do MPF, quem tocou as reformas a partir daquele momento foi a Odebrecht, gastando R$ 700.000.

O empresário negou conhecer Carlos Rodrigues do Prado, dono da construtora Rodrigues do Prado, que foi chamada pela Odebrecht para executar parte das obras do sítio e emitiu notas fiscais em nome de Bittar. Segundo Prado, quem pagou os R$ 163.000 -- em espécie -- para sua empresa foi Rogério Aurélio Pimentel, ex-assessor de Lula.

Bittar também negou saber que a reforma feita na cozinha da propriedade, que segundo o MPF custou R$ 170.000, seria paga pela OAS. Ele afirmou ter procurado Marisa Letícia -- a quem chama de "tia Marisa" -- quando viu que a nota fiscal da nova cozinha estava em seu nome, pois estava preocupado porque não poderia pagar este valor. 

"Ela me falou assim: 'Não se preocupe, deixa que eu resolvo isso'. Na minha cabeça, ela ia pagar a obra", afirmou.

Obras "superdimensionadas"

O empresário também reclamou da forma como as reformas foram tratadas - não especificou se pela denúncia ou pela imprensa. Segundo ele, a adega que acomodou vinhos de Lula era um quarto improvisado para esta finalidade, e o anexo construído pela Odebrecht teria sido feito com "material de segunda".

"As obras são simples, foram superdimensionadas. Elas não são obras de valores vultuosos", declarou.

Bittar é dono do sítio junto com o empresário Jonas Suassuna. Ambos são sócios de Fábio Luís, um dos filhos de Lula.

Ex-assessor confirma pagamentos, mas diz que cumpria ordens

Outro réu interrogado nesta segunda foi Rogério Aurélio Pimentel, ex-assessor especial da Presidência da República. Ele confirmou que recebeu de Frederico Barbosa, engenheiro da Odebrecht que trabalhava na obra, envelopes com quantias em dinheiro para pagar fornecedores de materiais, mas disse que nunca questionou o motivo do envolvimento da empreiteira na obra e nem checou os valores.

"A gente como é empregado, se seu patrão fala: você pega esse envelope, vai depositar no correio, pega essa conta de luz, essa conta de água, vai no banco e paga para mim. Eu não tenho autonomia como empregado para perguntar 'onde o senhor arrumou o dinheiro?'", pontuou.

Pimentel negou, no entanto, a afirmação do empresário Carlos Rodrigues do Prado, que disse ter se encontrado com o ex-assessor em um posto de gasolina para aprovar os valores da reforma.

"Nunca entreguei valores em posto de gasolina, não sei quem é essa pessoa", afirmou.

Pimentel disse ter visitado a propriedade pela primeira vez antes mesmo do término do mandato de Lula, em 2010, acompanhado de Fernando Bittar e de Roberto Teixeira, quem ele disse saber que estava intermediando a compra da propriedade. Segundo o ex-assessor, Bittar e Teixeira apresentaram a ele o caseiro, conhecido como Maradona. "O que seria feito lá, eu não sabia", disse.

Ele afirmou que foi a ex-primeira-dama Marisa Letícia quem o informou de que Bittar iria disponibilizar um espaço no local para que fossem armazenados alguns bens do ex-presidente Lula com o fim de seu mandato.

Segundo Pimentel, também foi Marisa Letícia que ordenou que ele fizesse algumas visitas à obra para informá-la sobre o andamento das reformas. "Ela me dizia assim: vou conversar com o Fernando. O que ele me responder, eu passo para você", relatou.

Pimentel ainda disse que Marisa Letícia sempre foi "durona", "exigente" e "reservada" e o proibiu "terminantemente" de tratar com Lula sobre o sítio. "Por que [motivo] eu também não questiono, é uma coisa pessoal dela, não tem porque eu estar interferindo", disse.

O ex-presidente e José Carlos Bumlai serão os últimos réus a serem interrogados no processo sobre o sítio, na quarta (14). Depois disso, será aberto prazo para que o MPF e as defesas façam suas alegações finais. Em tese, esta será a última etapa do processo antes da sentença.