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Crítico a 'ministério do veneno', índio ativista vê militares como aliados

Álvaro Tukano, durante evento na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) em 2017  - Bruno Santos/ Folhapress
Álvaro Tukano, durante evento na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) em 2017 Imagem: Bruno Santos/ Folhapress

Juliana Carpanez

Do UOL, em São Paulo

19/01/2019 04h01

Álvaro Tukano tem 65 anos e uma biografia ligada à defesa dos direitos indígenas no Brasil. Cacique da aldeia dos Tukanos, que ocupa com outros 11 povos a Terra Indígena Balaio (AM), diz ser cedo para falar sobre o presidente Jair Bolsonaro (PSL). Suas opiniões, porém, estão bem definidas em relação à transferência de demarcações para o Ministério da Agricultura ("extremamente péssima") e sobre a participação dos militares na história indígena ("são nossos aliados"). 

Essa proximidade aparece no Twitter do vice-presidente Hamilton Mourão que, em 28 de dezembro, postou uma foto ao lado de Tukano --a quem chamou de "amigo"--,  registrando o encontro entre os dois: "Na ocasião, discutimos alternativas para o desenvolvimento socioeconômico da região [município de São Gabriel da Cachoeira, onde fica a TI Balaio]". 

E na segunda-feira (14), ao ser informado via WhatsApp pela reportagem do UOL que o general Franklimberg Ribeiro de Freitas voltaria à presidência da Funai (Fundação Nacional do Índio), Tukano comemorou: "Excelente, é uma boa notícia. Conhece a Amazônia e seus problemas". O índio --que diz não ser de direita nem de esquerda, mas "a favor das leis"-- descreve cada um desses militares como "amigo-irmão": além de terem sangue indígena, eles se conhecem há décadas. 

Relação de índios com militares 

Tukano conta ter conhecido Mourão há mais de 20 anos --entre 2006 e 2008, o vice-presidente chegou a comandar a 2ª Brigada de Infantaria da Selva, em São Gabriel da Cachoeira. Segundo o líder indígena, Mourão sabe bem dos problemas locais, como a falta de asfalto em trechos da estrada BR-307 e a "terrível situação de alcoolismo na minha comunidade, onde há muitas brigas e as pessoas se suicidam por não terem trabalho nem futuro".

Insatisfeito com a transferência da demarcação de terras indígenas, que foi da Funai para o Ministério da Agricultura, Tukano afirmou que vai cobrar mudanças do vice-presidente. 

Vou falar para ele [Mourão] que isso não está certo, não. Que assim não dá. Ele não é meu parente [índio]? Então vai ter que me proteger, proteger nossos parentes. Vai ser chato, mas é preciso cobrar ele e todo mundo
Álvaro Tukano, líder indígena 

A proximidade com os militares vai além dessa amizade. Por causa do projeto Calha Norte, que durante o governo de José Sarney promoveu o aumento da presença militar na Amazônia, Tukano diz que seu povo decorou o hino nacional, hinos cívico-militares e aprendeu a marchar. 

"Tivemos esse tipo de educação. E temos uma leitura da formação da sociedade brasileira ligada à batalha dos Guararapes, quando brancos, índios e negros expulsaram os holandeses. A união faz a força. E precisamos defender o país quando há risco de invasão ou interesse de pessoas que querem tomar as nossas coisas", explica. 

Ele conta que, quando há invasão de garimpeiros nas terras indígenas, solicita o apoio das forças armadas. "Muita gente não gosta de mim por isso. Mas eles [militares] não nos fazem um favor, não. Eles cumprem a obrigação deles, o dever constitucional de zelar pela faixa de fronteira, a soberania nacional." 

Os militares chegam a lugares muito distantes, porque eles têm helicópteros, voadeiras, lanchas, comunicação. Eu, um pobre índio, e meus parentes não temos nada. Nesse sentido, eles [militares] são muito importantes para nós. Tem quem diga que o exército mata índio, mas isso não é verdade 
Álvaro Tukano, líder indígena

 

Álvaro Tukano é contra o Ministério da Agricultura demarcar terras indígenas: 'Péssimo' - Bruno Santos/ Folhapress - Bruno Santos/ Folhapress
Álvaro Tukano é contra o Ministério da Agricultura demarcar terras indígenas: 'Péssimo'
Imagem: Bruno Santos/ Folhapress

"Índio na boca de leões"

Tukano hoje mora em Brasília com a atual mulher e três filhos (ao todo são dez filhos, com idades entre seis e 36 anos). Diz ter saído da aldeia para que seus descendentes possam estudar e também por causa das condições ruins no Balaio: "É muita malária, picada de cobra, isolamento, garimpeiro, porrada em cima de porrada". Ele se diz cansado do ativismo --"estou velho, já fiz minha parte, agora é com vocês"-- e conta com os mais jovens, que "assumiram as lideranças e trabalham 24 horas por dia". 

Durante os quatro anos da gestão do governador do DF Rodrigo Rollemberg (PSB), recém-encerrada, ocupou um cargo de confiança como diretor do Memorial dos Povos Indígenas. Tukano começou o ano sem emprego e afirma que continua acompanhando --via imprensa e WhatsApp, rede na qual é bastante ativo-- as notícias sobre o novo governo envolvendo causas indígenas. 

Sua insatisfação é grande, como já adiantada, se considerado o repasse da identificação, delimitação e demarcação de terras ao Ministério da Agricultura: "Uma decisão extremamente péssima".

O governo não pode colocar o índio nas bocas de cobras e leões famintos. O Brasil está sendo devastado pelo Ministério do veneno [agricultura] e não são só os índios que vão morrer. Os rios estão envenenados, o ar está envenenado, eles querem devastar o Brasil até a última árvore. Tem que frear isso 
Álvaro Tukano, líder indígena

Questionado sobre um governo que se destacou positivamente na defesa de causas indígenas, Tukano cita o de Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2003). Não exatamente por ele, mas por causa de sua mulher, a antropóloga Ruth Cardoso, que "era muito poderosa intelectualmente e conhecia bem a sociedade brasileira". 

Memorial dos Povos Indígenas, onde Álvaro Tukano trabalhou como diretor até 2018  - Divulgação  - Divulgação
Memorial dos Povos Indígenas, onde Álvaro Tukano trabalhou como diretor até 2018
Imagem: Divulgação

Poder da Constituição 

Durante a entrevista por telefone ao UOL, Tukano enfatizou a importância do cumprimento da Constituição. E afirma haver uma confusão criada por alguns políticos de que as demarcações de terras indígenas impedem o agronegócio no país. "Falam isso e, como somos minoria, ficamos sem voz. Parece que eles mandam no país, que o índio é um invasor. Isso não é verdade: quem manda é a Constituição."

Com frequência, ele cita o título I, artigo 1º, que lista os fundamentos do Estado democrático: soberania; cidadania; dignidade da pessoa humana; valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; pluralismo político. E também os artigos 231 e 232 do capítulo VIII - Dos Índios, que reconhece aos índios, entre outras coisas, "os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".  

Esses artigos foram escritos pelos líderes de mais de 250 organizações de bases do movimento indígena e aprovado pelo Congresso Nacional.  O Presidente do Brasil não está acima dessa lei. As terras indígenas são da União, e os donos dessas terras somos nós  
Álvaro Tukano, líder indígena

E se a Constituição mudar? "Aqui não é a república bolivariana do [ditador venezuelano Nicolás] Maduro. Isso é o Brasil, é diferente, e nossa Constituição está mantida." Tukano defende ainda que a Funai seja reestruturada e presidida por um índio --daí a comemoração ao saber da nomeação do manauara Franklimberg (que diz não ser índio, mas ter origem indígena). "Há muitos advogados e antropólogos capazes de dar um destino eficiente [à Funai], falando por nós, mas a fundação precisa de um índio capacitado à frente. É preciso conhecer a realidade indígena para pilotar o barco, saber se está faltando alguma peça no motor", exemplifica Tukano.