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Ato por vítimas da violência do Estado reúne milhares contra ditadura em SP

31.mar.2019 - Participantes da Primeira Caminhada do Silêncio pelas Vítimas de Violência do Estado exibem fotos de desaparecidos no Parque do Ibirapuera, em São Paulo - Marcelo Chello/CJPress/Estadão Conteúdo
31.mar.2019 - Participantes da Primeira Caminhada do Silêncio pelas Vítimas de Violência do Estado exibem fotos de desaparecidos no Parque do Ibirapuera, em São Paulo Imagem: Marcelo Chello/CJPress/Estadão Conteúdo

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

31/03/2019 21h32

Nos 55 anos do golpe militar que levou a uma ditadura de duas décadas, milhares de pessoas foram ao parque Ibirapuera, em São Paulo, para lembrar as vítimas da violência cometida por agentes do Estado. Guardas civis metropolitanos que estavam no local estimaram o público presente em cerca de 10 mil pessoas.

Intitulado Primeira Caminhada do Silêncio pelas Vítimas de Violência do Estado, o evento estava sendo planejado desde fevereiro. No entanto, segundo Eugênia Augusta Gonzaga, procuradora federal dos direitos do cidadão e presidente da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, o ato ganhou outra proporção após as declarações dadas nos últimos dias pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), que incentivou a comemoração do golpe militar.

"Com essas declarações da última semana, o evento ganhou uma dimensão que nós mesmos da organização não esperávamos. Mas a gente está muito feliz, porque as famílias foram muito bem homenageadas", afirmou a procuradora.

Segundo Eugênia, o esforço dos organizadores foi de chamar a atenção não só para a violência do passado, mas a que continua sendo cometida pelo Estado nos dias de hoje.

"Quanto mais a gente pesquisa, mais a gente vê que o modus operandi [modo de operação] do passado continua sendo amplamente utilizado. A impunidade é garantida, graças à burocracia da morte do desaparecimento. E é importantíssimo que a gente relembre, como diz o lema da caminhada: para que não se esqueça, para que nunca mais se repita."

Busca por reparação une parentes de vítimas

Os participantes do ato se reuniram na Praça da Paz, dentro do parque Ibirapuera, trazendo fotos e nomes de pessoas que morreram ou desapareceram por ação de agentes do Estado. Músicas de resistência à ditadura foram tocadas por artistas como Fabiana Cozza, Eduardo Gudin e Vicente Barreto. Depois, o grupo saiu em caminhada até o Monumento aos Mortos e Desaparecidos Políticos, que fica ao lado de um dos portões do parque, onde flores e velas foram deixadas ao lado das placas com os nomes das vítimas.

Um dos lembrados foi o jornalista Luiz Eduardo Merlino, morto aos 23 anos, em 1971, após ser torturado no prédio do DOI-Codi (órgão de repressão da ditadura) em São Paulo. Sua companheira, Angela Almeida, disse que atos como o hoje são necessários para cobrar satisfações diante do sofrimento causado às famílias das vítimas. Ela criticou as comemorações pelo golpe militar.

"Eu acho um absurdo, porque é o elogio da tortura, o elogio do assassinato. Porque, além do Merlino, são mais de 400 mortos e desaparecidos, não tem notícia nenhuma. Nenhum torturador foi processado", afirmou.

Familiares de Merlino chegaram a conseguir na Justiça, em primeira instância, uma condenação contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015), chefe do DOI-Codi na ditadura, para o pagamento de uma indenização. No ano passado, a Justiça paulista extinguiu o processo ao decidir que o pleito da família tinha prescrito.

Também foram lembradas pessoas que estão desaparecidas em outras circunstâncias e cujos casos, mesmo com o passar de anos ou décadas, não foram esclarecidos. É o caso, por exemplo, de Fabiana Esperidião da Silva, que desapareceu em 1995, aos 13 anos de idade, no bairro paulistano de Pirituba. Para sua mãe, Ivanise, o descaso do Estado com os desaparecidos é o que une os casos de ontem e de hoje.

"Ela desapareceu a 120 metros de distância de nossa casa, quando ela retornava da casa de uma colega da escola", contou Ivanise. "O desaparecimento no Estado Democrático de Direito também é tratado com um descaso muito grande. O Estado é omisso, negligente. Quem acaba sendo prejudicado com esse abandono são as famílias, que procuram uma resposta há dias, meses, anos, como eu."

Ao fim da caminhada silenciosa, os manifestantes disseram frases como "Tortura é crime, merece punição" e "Ditadura nunca mais, tortura nunca mais." Vítimas da violência cometida por agentes do Estado, como as da chacina da Candelária, no Rio; e o massacre do Carandiru, em São Paulo, foram lembradas.

Alguns participantes também mencionaram o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, cujos mandantes ainda são desconhecidos; e pediram liberdade para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O ato foi promovido pela Comissão Especial sobre Desaparecidos Políticos e órgãos como o MPF (Ministério Público Federal) e a PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão), além de entidades da sociedade civil. Políticos do PT, como Gleisi Hoffmann, Eduardo Suplicy e Lindbergh Farias; e do PSOL, como Ivan Valente e Sâmia Bomfim, participaram do evento.