Sob pressão, Moro vira articulador político de pacote anticrime e Coaf
As janelas do gabinete do Ministério da Justiça têm uma bela vista do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto, e um pouco da Praça dos Três Poderes.
As cortinas, porém, ficam quase sempre fechadas. Lá dentro, o ministro Sergio Fernando Moro, 46, se dedica a defender seu pacote anticrime e a necessidade de o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) permanecer sob seu comando, em vez de voltar à pasta da Economia. A atividade política tomou a agenda do ex-juiz da Lava Jato, que ao aceitar o cargo em Brasília ainda insistia em dizer que não era ele mesmo um político.
O ministro tem recebido parlamentares. Entre a semana passada e ontem, Moro fez reuniões com pelo menos 31 deputados e senadores, a maioria de direita ou centro-direita, sete eram do PSL e seis de partidos de esquerda.
O ministro está sob pressão e crise. Para decidir deixar a promissora carreira de juiz criminal com o poder de colocar poderosos na cadeia, o ministro negociou com Jair Bolsonaro trazer para sua alça o sensível Coaf. Foi difícil, mas conseguiu. "Coaf vem inteiro", disse ele a um interlocutor logo que resolveu o problema, ainda no governo de transição.
"O ministro [Sergio Moro] veio com a missão de combater, firmemente, a corrupção e as organizações criminosas", lembra ao UOL o presidente do órgão, Roberto Leonel. "Para isso, temos que estar unidos e integrados também na área financeira. Onde está esse dinheiro usado e gerado nessas atividades? Para isso, o Coaf é uma peça importante."
E tudo isso pode ruir porque o Congresso ameaça retirar esse órgão de sua aba. Seria a maior derrota de Moro, avalia um experiente auditor da Receita Federal.
A maior porque o ministro coleciona outras. O pacote anticrime não engrenou como ele queria. Foi atropelado pelo presidente Jair Bolsonaro outras tantas vezes. A solução agora é negociar - e é aí que entra em ação o lado articulador.A quantidade de políticos atendidos pode ser maior, porque nem todos os participantes das reuniões são divulgados nas agendas do Ministério da Justiça.
Todo dia é dia de costurar alianças
Em cada um destes encontros, a missão do ministro tem sido a mesma: achar brechas nas demandas dos congressistas para pedir apoio ao projeto anticrime.
Foi assim em reunião na semana passada, antes de o relator da Medida Provisória que reestrutura o Coaf no governo, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), garantir ao ex-juiz que o órgão antilavagem de dinheiro não vai mudar de lugar.
Moro tem dito que fazer esses pleitos no meio da conversa com congressistas são algo normal e que ouve "bastante" as demandas, como projetos de lei, pedidos de ações do Executivo e ou de pareceres do ministério.
O deputado Júnior Bozzella (PSL-SP) conseguiu uma audiência para falar da repressão ao tráfico no porto de Santos (SP). Cerca de 40 minutos da conversa giraram em torno dos planos de Moro.
Na conversa com Benes Leocádio (PTC-RN), o ministro lembrou que o pacote anticrime solucionaria parte das demandas do deputado. O parlamentar havia pedido apoio para propostas que deixam adolescentes infratores mais tempo detidos em centros de reabilitação, que reduzem "saidões" de detentos no Natal e repassam recursos da segurança pública diretamente para prefeituras.
Ao tratar com Rose Modesto e Bia Cavassa, deputadas do PSDB de Mato Grosso do Sul, o ministro mencionou o pacote anticrime quando elas trataram de violência contra a mulher. Moro destacou às deputadas que, a seu ver, o projeto não dá espaço para que os feminicídios fiquem impunes caso o assassino use os argumentos previstos no texto para policiais matarem e terem seus ilícitos desconsiderados: "escusável medo, surpresa ou violenta emoção".
O capitão Augusto (PR-SP) é o relator do pacote anticrime e presidente da Comissão de Segurança Pública, onde o ex-juiz vai participar de uma audiência hoje. O deputado troca mensagens por WhatsApp com Moro toda semana. Há duas semanas, os deputados reclamaram que o tal "escusável medo, surpresa ou violenta emoção" previsto no projeto do governo, não tinha paralelo na legislação alemã como alegava o Executivo. "Eu pedi ajuda a ele e o ministro me mandou o trecho do Código Penal Alemão traduzido para o português", conta Augusto.
O ministro vai tratar com opositores explícitos ao governo de Jair Bolsonaro (PSL). Ontem, discutiu crime de caixa 2 com a Rede. Depois de uma reportagem do UOL narrando que o partido não conseguia audiência com o Ministério da Justiça, ele telefonou para o líder da Oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). "Ele ligou, marcando", contou o senador. "Pediu desculpas por não ter atendido a solicitação de agenda antes."
Os solavancos da vida em Brasília
Para os críticos de Moro, ele errou quando não quis debater a proposta anticrime com especialistas em direito. Inicialmente, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), travou o projeto do ex-juiz.
Uma proposta semelhante, feita pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, está na Câmara desde maio do ano passado.
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, reclama que Moro se negou a debater o projeto mesmo depois de receber uma solicitação por escrito do Instituto de Garantias Penais (IGP). O ex-juiz e governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), concorda. E acrescenta que o pacote deve aumentar a população nas cadeias e que faltou debate. Mas elogia a nova postura do ministro de partir para a articulação.
É um exercício novo para ele, pois juiz não negocia, decide. Na política, o processo decisório é um pouco mais complexo"
Flávio Dino (PCdoB), governador do Maranhão
Apesar de atritos, ministro indica que fica no governo
Opositor às teses de Moro, Kakay teme que ele deixe o governo por causa dos constrangimentos que Bolsonaro vem impondo ao ex-juiz. Num dos últimos, o presidente chegou a declarar que aceitaria retirar o Coaf das mãos dele.
"Ele não tem mais espaço", avaliou Kakay.
O advogado carioca Alexandre Lopes conhece o ministro desde o caso Banestado, quando conseguiu retirar um caso das mãos do então juiz e repassá-lo à Justiça do Rio. "Moro não resistirá no cargo por muito tempo como ministro", aposta. "Ele não resistirá porque ele está violando a própria convicção para ocupar o cargo. Era um juiz duro, que defendia a bandeira da ética e moralidade. Hoje, afirma, se desdizendo, que caixa dois eleitoral não é tão grave. Do que se trata isso?"
Na sexta-feira (3), Moro afirmou ao UOL que está "focado" em melhorar a segurança no Brasil.
Penso em continuar trabalhando firme para melhorar a gestão da segurança pública no país. É nisso que estou focado. Os desafios são muito grandes, mas estamos no caminho certo"
Sergio Moro, ministro da Justiça
Três horas depois da pergunta da reportagem, o ministro foi ao Twitter. Lá, publicou uma declaração em rede social em que diz que, "nos próximos três anos e sete meses", as pessoas vão ouvir falar muito em uma secretaria criada por ele, a de operações integradas.
No Twitter, Moro publica quatro mensagens por dia
Além das reuniões com parlamentares, Sergio Moro recorreu à internet para melhorar o diálogo com a sociedade sobre sua agenda prioritária. Abriu uma conta na rede social Twitter com o objetivo de explicar o projeto anticrime.
O ministro começou acelerado na rede social. Nos primeiros 19 dias, publicou cem textos, média de mais de cinco a cada 24 horas. Depois, baixou a velocidade. Até segunda), tinha divulgado 139 mensagens no Twitter, média de quatro por dia, para um público de mais de 740 mil usuários que o acompanham na rede social.
Esteira substituiu bicicleta e corridas no parque
Andar de bicicleta por dez minutos entre seu apartamento em Curitiba até a sede da Justiça Federal no Paraná, no bairro do Ahú, é um passado que ficou para trás para Moro no meio da Operação Lava Jato.
Antes, ele pedalava com roupa de atleta e subia o elevador até a 13ª Vara. Instalaram um chuveiro no banheiro do gabinete. Pelo menos desde o final de 2015, a Polícia Federal, que já fazia sua segurança, recomendou suspender essa rotina de pedaladas e corridas no parque.
Se em Curitiba era difícil, em Brasília, é impossível. Moro comprou uma esteira para se exercitar no apartamento que alugou no Plano Piloto, a região central da capital federal. Não tem mais tempo e nem pode pedalar. Chega no Ministério da Justiça com motorista e escolta. Um de seus guarda-costas é seu assessor especial Marcos Koren, agente da Polícia Federal que o acompanha desde a época em que era corregedor da Penitenciária Federal de Catanduvas (SP).
Jornada de 13 horas de trabalho
Moro tem chegado ao trabalho mais cedo do que muitos de seus colegas. E saído bem tarde. Uma das jornadas acompanhadas pelo UOL durou 13 horas entre atendimentos a deputados, ministros, duas visitas ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria-Geral da República. A reportagem não revela os horários por questões de segurança - o ministro anda escoltado por conta de ameaças há muitos anos.
Estilo reservado e "reflexivo"
Mesmo nos fins de semana, o ministro costuma enviar mensagens para alguns assessores do Ministério. De segunda a sexta-feira, em Brasília, não é de muita conversa. Numa entrevista coletiva em que tratou do novo registro sindical digital, Moro vestia um terno azul escuro enquanto falava inclinado para a direita. Quando não precisava mais prestar explicações, voltava o olhar para baixo, ao contrário dos demais assessores que o acompanhavam.
"É uma pessoa reflexiva", avalia uma de suas auxiliares. Outra o classifica como "esfinge", referência à lenda sobre a criatura que oferece enigmas para se decifrar. Um amigo magistrado lembra que ele é rápido para trabalhar. "Tem gente que trabalha, pára um pouco, toma cafezinho, reflete e volta a escrever", compara. "Ele não. Produz muito rapidamente", descreveu.
Lazer tem menos futebol do que antes
Na hora do almoço, Moro não descarta ir ao restaurante do próprio ministério. Foi lá que um amigo antigo se surpreendeu com a quantidade de toucinho que o ex-juiz colocou no prato dia desses. O colega falou à reportagem que pretende conversar com o ministro, recomendando equilibrar a dieta. O ministro tem dito a outras pessoas que considera que está cuidando bem da saúde.
Depois de passar a semana em Brasília, Moro volta a Curitiba em aviões de carreira para rever os amigos e a família, formada pela advogada Rosângela Moro e um casal de filhos adolescentes. Só voou em jato da FAB (Força Aérea Brasileira) duas vezes desde que assumiu o cargo - foi a Minas Gerais a trabalho e retornou.
O ministro tem assistido a menos futebol do que antes. Há três anos, o torcedor do Maringá, time de sua cidade natal no Paraná, acompanhava o time e ainda publicava resultados de jogos num perfil de Facebook sem sua foto. Mas Moro abandonou a rede social e os gols do clube do norte paranaense. Hoje, o time que lhe desperta alguma atenção é o Atlético Paranaense, equipe do coração de muitos de seus amigos juízes.
A Sexta-Feira Santa foi um dos dias em que Moro pôde visitar os amigos, seu principal lazer nos últimos tempos. Comeu uma bacalhoada regada a duas garrafas de vinho Gaggiarone na casa dos amigos Elaine Andriguetto e Orlando Júnior. Rosângela Moro publicou a foto do encontro em sua rede social.
Na última sexta, o ministro trabalhou até tarde e não pôde comparecer a jantar marcado em Curitiba.
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