Randolfe, voz de oposição, é bem-visto no MP e caça móveis de design no DF
Canhoto, ele recebe a bola pela esquerda. Avança na área pela direita, bate, mas o goleiro defende. No rebote, coloca dentro da rede. O centroavante do Matapi, time de amigos em Macapá, era o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Na zaga, constava o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
O time está desfalcado, contou Randolfe ao UOL. Se antes os dois políticos eram figuras carimbadas nos jogos de sábado à tarde, a rotina pesada de 2019 atrapalhou os planos futebolísticos dos políticos.
Randolfe tornou-se o líder da oposição ao governo de Jair Bolsonaro (PSL) no Senado, bloco que congrega quatro partidos: PSB, Rede, PDT e PPS. Alcolumbre agora comanda a Casa, depois de vencer nada menos que Renan Calheiros (MDB-AL) numa aguerrida disputa em fevereiro. E ganhou com ajuda do senador flamenguista apelidado de "Harry Potter".
Na sexta-feira passada (12), a dupla estava junta em Macapá, mas longe dos gramados. Randolfe e Alcolumbre foram à inauguração do aeroporto de Macapá junto com o presidente Jair Bolsonaro. Mesmo opositor, o senador da Rede fez questão de ir cumprimentar o presidente, embora protocolarmente. "Estive na inauguração porque se tem alguém que não tem nenhuma responsabilidade nesta obra é o presidente Bolsonaro", reclamou o senador.
"Não tem um centavo do atual governo. A obra foi iniciada em 2006 no governo Lula [PT], foi paralisada em 2007 por uma operação do TCU [Tribunal de Contas da União] e Polícia Federal, foi retomada em 2015, graças a duas emendas da bancada federal, e concluída em dezembro do ano passado no governo [de Michel] Temer [MDB]. O evento de inauguração foi lamentável."
Foi a primeira vez que Randolfe esteve com Bolsonaro este ano. Ao encontrá-lo na inauguração, o senador disse ao presidente que ele era bem-vindo ao estado.
[Bolsonaro] tentou fazer um gracejo, dizer que estava com saudades, estas coisas... provocaçãozinha barata"
Randolfe Rodrigues, senador
Para Randolfe, Bolsonaro não traz nada de novo para a política. "Nunca combateu a corrupção e os privilégios", disse ao UOL o senador que abriu mão de sua aposentadoria parlamentar assim que assumiu o cargo pela primeira vez, em 2011. Ele destaca que o presidente da República jamais abriu mão de auxílio-mudança, por exemplo. No entanto, Randolfe enxerga como bons ventos de mudança parte daquilo que a sociedade brasileira vocalizou nas urnas em 2018.
Aplaudido por procuradores
Na noite de 3 de abril, ele explicou isso a um grupo de membros do Ministério Público, órgão com o qual mantém laços estreitos. Randolfe era um dos convidados mais esperados do 2º Congresso Técnico de Procuradores da República, num hotel na Asa Norte, em Brasília. Nos últimos anos, o Ministério Público se notabilizou pela Operação Lava Jato, que sepultou chances eleitorais de vários líderes de esquerda, como o próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Randolfe apresentou suas credenciais de ex-integrante do PT, do PSOL e do movimento cara-pintada, que derrubou o então presidente Fernando Collor (ex-PRN) em 1992. Ali, diante de procuradores, alguns apoiadores de Bolsonaro, mostrou o que vê no futuro do Congresso nesses novos tempos de Lava Jato.
Eu me reivindico como alguém de esquerda. Em relação ao Congresso, temos, no combate à corrupção, avenidas para avançar. No aspecto ao meio ambiente, ameaças concretas às conquistas."
Randolfe Rodrigues, senador
Na visão do senador, as ameaças pairam sobre o Código Florestal, as unidades de conservação e a manutenção de terras nas mãos dos indígenas.
Ele destacou a transferência dos poderes de demarcação de terras para o controle do Ministério da Agricultura. "Isso revela claramente que se quer ameaçar direitos historicamente conquistados", lembrou Randolfe. Para o senador, os autores dessas ameaças são parte dos ruralistas, que têm a chancela do que representa o governo do PSL.
O discurso agradou à plateia de procuradores de todo o Brasil, inclusive gente que atua e atuou na Lava Jato. Numa das rodas, quatro deles comentavam a "lucidez" de Ranfolfe em seu aplaudido discurso, que durou quase 30 minutos e foi feito de improviso, sem ler papeis. "Se outros políticos tivessem essa lucidez...", comentava uma procuradora que auxilia a Operação Lava Jato fora de Brasília.
Mas esse não seria o problema, contestou um colega. "Você já conversou com o [Romero] Jucá? Ele é muito lúcido. E o Renan [Calheiros] então?", explicou o procurador. Outro colega dele na roda segurava uma taça de vinho e completou o raciocínio. "O problema é caráter mesmo". O quarto assentia com a cabeça.
"Ele não é uma caixa de surpresas"
Renan está no lado oposto de Randolfe em muitas pautas - como os projetos para acirrar o combate à corrupção ou, na visão do senador do MDB, para retirar direitos fundamentais e aumentar o poder de investigadores sem cobrar-lhes responsabilidades.
O senador Weverton Rocha (PDT-MA) faz parte do bloco de oposição liderado por Randolfe, mas isso não quer dizer que concordem em tudo. Weverton foi contra apresentar um clone do pacote anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro, dentro do Senado.
"É uma pessoa que transita e tem contato com todos nós. Ele está há mais tempo na casa e isso ajuda muito", conta Weverton.
Randolfe procura agir sempre avisando antes no grupo de WhatsApp da oposição que posturas vai tomar caso ela seja diferente do bloco oposicionista, com o pedetista. "Ele sempre nos atende, nos ouve, apesar de ter ali posições mais duras, que é normal, mas sempre combinado, sempre conversado. Ele não é uma caixa de surpresas."
Críticas à reforma da Previdência
Randolfe entende que é necessário fazer algum tipo de reforma da Previdência porque há uma crise que precisa ser vencida para o país voltar a crescer.
No entanto, ele entende que a proposta de Bolsonaro não é a ideal. "70% dela retira dos mais pobres e 30%, dos privilegiados", contou. A oposição ainda está escrevendo uma alternativa à medida que é o carro-chefe do ministro da Economia, Paulo Guedes.
O senador entende que as mudanças passam por não sacrificar os aposentados rurais e idosos que recebem o BPC (Benefício de Prestação Continuada). Ele lembra que há mais de R$ 400 bilhões em desonerações de impostos, parte delas feita pelo PT e pelo MDB, que precisam ser atacadas. Além disso, o senador destaca que a proposta de Guedes não acaba com os privilégios da aposentadoria dos políticos atuais, mas só dos futuros.
Conversa sincera com o general Mourão
Na pauta anticorrupção, Randolfe é um dos parlamentares que endossaram o pacote anticrime de Sergio Moro no Senado.
Há mudanças que ele entende como necessárias, como a liberalidade para que policiais matem em serviço sem serem punidos. A Rede tenta há dois meses uma agenda com o ministro da Justiça para tratar da criminalização do caixa dois, um projeto que apoia. Não foram recebidos ainda.
Tem dificuldade do próprio ministro de dialogar com setores favoráveis a esse aspecto do pacote. O presidente da República tem um antagonismo a dialogar com a oposição, mesmo quando a oposição concorda.
Randolfe Rodrigues, senador
O senador do Amapá foi conversar com o vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão (PRTB), em 4 de abril, no Palácio do Planalto. "É uma parte do governo que é disposta ao diálogo. Eu externei isso a ele", contou.
"'Por exemplo, queremos contribuir no pacote de combate à corrupção. Eu não tenho tido interlocução. Ele [Mourão] se surpreendeu e disse que, no entender dele, teria que ter um diálogo com quem fosse favorável a isso. Ele me perguntou se já tínhamos tentado com o ministro Moro."
Com o próprio presidente Bolsonaro, o senador, que o encontrou no aeroporto de forma protocolar, avalia que "não tem possibilidade de construirmos esse diálogo".
Para o futuro, Randolfe vê problemas no horizonte de Bolsonaro e sua relação tensa com o Congresso. Ele defende que não seja tomadas soluções extremas, como impeachment ou parlamentarismo, para resolver. Mas conta que, pelos corredores, só se ouve falar de parlamentarismo.
"Harry Potter" é admirador de designer carioca
Randolfe é divorciado, pai de dois filhos e avô de um neto. A rotina tem reduzido seu cinema com os filhos, mas ainda preserva os almoços de domingo com os pais. Aos 46 anos, o pernambucano de Garanhuns afirma que, se deixasse a política, voltaria a dar aulas de história.
Por enquanto, tem se divertido com o apelido que lhe deram anos atrás por se parecer com o personagem "Harry Potter", da escritora britânica Joanne K. Rowling. Ao lado da foto dos filhos e do neto, colocou um bonequinho. Aliás, foi com os filhos que foi descobrir quem era o tal Potter com quem o comparavam. Há dois anos, foi a uma festa a fantasia em Macapá a pedido deles. Vestiu-se como o personagem do best-seller. A pedido deles, garantiu.
Se falta tempo para o cinema e para o futebol, uma boa preocupação é caçar obras do arquiteto e designer carioca Sérgio Rodrigues. Vários parlamentares e seus familiares se recusam a usar mesas e cadeiras feitas pelo artista. Randolfe aproveita e traz para o seu gabinete. "Eu tenho meus agentes secretos", afirma. Semana passada, trouxe duas poltronas para uma das amplas salas de seu gabinete no nono andar do Anexo I do Senado.
No gabinete, possui duas mesas do artista que também usa o mesmo sobrenome do político. No apartamento funcional, possui outra mesa, outra poltrona e um conjunto de espelhos. "Sou um caçador de Sérgio Rodrigues", contou.
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