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Relator compara arma em casa a extintor de incêndio: "primeira resposta"

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília

31/05/2019 04h00

"É como se fosse um extintor de incêndio dentro de casa naquele momento de emergência, até a chegada da especialidade". Assim o senador Marcos do Val (Cidadania-ES), relator dos projetos que tentam derrubar o decreto armamentista do governo, disse entender a questão da posse e porte de arma de fogo, cuja regras foram flexibilizadas pelo governo Jair Bolsonaro (PSL).

Na última quarta-feira (29), o parlamentar leu em sessão da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) voto favorável ao ato de Bolsonaro. No documento, Val afirma que a "definição objetiva dos critérios" para compra e posse de arma de fogo e "a especificação dos de efetiva necessidade legitimada ao porte" fazem parte de "uma política de segurança pública" definida pelo Executivo federal.

Seu voto foi, portanto, pela constitucionalidade da medida e rejeição dos projetos que tentam, no Senado, derrubar o decreto presidencial.

O UOL conversou com o congressista e questionou se, ao definir o decreto como "projeto de segurança pública", o relatório não contradizia as palavras do ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública). Em audiência na Câmara dos Deputados, em 8 de maio, o chefe da pasta havia afirmado categoricamente: "Não tem a ver com a segurança pública. Foi uma decisão tomada pelo presidente em atendimento ao resultado das eleições".

Durante a corrida presidencial, Bolsonaro declarou em várias oportunidades que, se vencedor do pleito, buscaria meios legais para facilitar a aquisição de armas de fogo, além de flexibilizar as regras de porte e posse. O então candidato à Presidência, que foi capitão do Exército e sempre defendeu pautas ligadas à defesa, transformou o tema em um dos seus motes de campanha.

Ou seja, se o próprio ministro da Justiça e Segurança Pública assegura não compreender o decreto como estratégia de combate à violência e à criminalidade, quais seriam os argumentos do senador?

Para Val, o raciocínio é "simples". Armado, o "cidadão de bem" pode funcionar como uma força aliada da polícia. Seria a "primeira resposta" a uma ação violenta.

"Quando a gente fala que ela [arma] apoia e ajuda a segurança pública, é porque a visão que eu tenho, dentro de um trabalho de 20 anos dando instruções a policiais em outras partes do mundo, é que o cidadão de bem armado é uma força aliada da polícia", comentou o relator, que explica a comparação com um extintor de incêndio.

Temos em cada casa [e em] cada corredor [dentro de edifícios] um extintor de incêndio, uma estrutura para [dar] aquela primeira resposta em uma situação emergencial de incêndio. Já se entendeu que o Corpo de Bombeiros não tem tempo hábil de chegar até a residência para dar a primeira resposta, que lá [nos Estados Unidos] eles chamam de 'First Response'. A arma do cidadão honesto e correto, porque ele precisa seguir as leis e ele sempre seguiu as leis, é essa primeira resposta até a chegada da polícia

O entendimento do senador é que, se estiverem os armados, os "cidadãos de bem" conseguirão proteger uns aos outros, como uma "forma triangular de defesa":

"O entendimento é que um cidadão vai fazer a proteção do outro cidadão. As pessoas falam assim: muita gente foi assaltada, pega de surpresa e tomaram a arma. Esse é um argumento que as pessoas colocam. Mas a gente tem que seguir uma campanha e um entendimento diferente no decreto. Seria: você está protegendo a vida de terceiros, e terceiros estão protegendo a sua vida."

"Quando você cria isso, essa forma triangular de defesa, você praticamente anula a possibilidade de o assaltante ter sobre você o efeito-surpresa. Ele [criminoso] que vai ser surpreendido por um terceiro. Esse é um entendimento claro em outros países."

Val também disse estar empenhado em esclarecer à sociedade que o decreto não permitirá que "uma arma seja vendida a cada esquina" e não representaria, em geral, liberação irrestrita para aquisição, porte e posse de armamento de fogo. Segundo ele, "a pessoa vai passar por um crivo muito grande".

"As pessoas estão muito no 'achismo' e no 'ouvi dizer'. E há aquela sensação de que, pronto, agora vai ter arma sendo vendida em cada parte da esquina e qualquer um pode comprar. Isso é errado e não é a verdade. Quando a gente fala que vai ajudar a segurança pública, é porque o cidadão passará a ser uma força aliada da polícia", repetiu.

Resistência no Congresso

A reportagem também questionou se o senador entendia que, para fins de constitucionalidade e exercício democrático, teria sido melhor um projeto de lei enviado ao Parlamento, e não um ato presidencial.

A primeira opção permitiria um debate mais amplo sobre a flexibilização das armas, com audiências públicas, tramitação em comissões e discussão e votação da matéria em plenário. O decreto, por outro lado, se sobrepõe ao processo legislativo e tem aplicação imediata.

Muitos colegas de Val no Senado e até deputados que apoiaram Bolsonaro, como integrantes da bancada evangélica, já manifestaram posições contrárias à política armamentista do governo. Isso mostra que haverá resistência no Congresso e que o assunto deve ser debatido nas Casas Legislativas, ainda que o presidente tenha optado pela edição do decreto.

O relator disse entender que o ato se sustenta porque, em 2005, a maioria da população (65%) respondeu "não" ao seguinte questionamento: "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?". A pergunta do referendo se limitava ao direito ou não de aquisição (artigo 35 do Estatuto do Desarmamento), e não ao exercício de legítima defesa (uso moderado de "meios necessários" para repelir uma agressão, de acordo com o Código Penal).

O parlamentar capixaba também mencionou uma pesquisa realizada no site do Senado Federal, na qual os PDLs (projetos de decreto legislativo) apresentados no intuito de derrubar o ato de Bolsonaro teriam sido rejeitados por 96% dos votantes.

"Outro fator: o presidente foi eleito com mais de 60 milhões de votos [na verdade, foram 57,7 milhões] e a bandeira principal era a questão da arma, da liberação da arma, do porte e da posse, [enfim], da facilitação. Ele cumpriu a promessa dele de campanha. 60 milhões de brasileiros votaram nele por desejo que isso se tornasse real e verdadeiro", disse.

O criminoso não segue lei, nunca vai seguir lei em parte alguma do mundo. Não é a arma que mata, são as pessoas que matam

Responsabilização no futuro

O congressista também foi questionado pelo UOL sobre a possibilidade de responsabilização futura, por parte da sociedade, caso ocorram chacinas ou crimes violentos cometidos com armas que tenham sido compradas na esteira da flexibilização imposta pelo decreto. Ele respondeu que "não pode ser responsável pelo ato criminoso de alguém" e que todo interessado passará pelo crivo da Polícia Federal.

"A Polícia Federal vai dar a ele o direito de porte e posse e, se ele cometer crime, será responsabilizado por isso. A gente vai trabalhar também em uma penalidade mais rígida. Jamais um legislador vai se sentir culpado por ter dado essa permissão para a grande maioria dos cidadãos de bem."

Val tentou fazer uma comparação com os Estados Unidos e disse que, em casos clássicos como os massacres de Columbine e Charleston, entram em ação os "atiradores ativos". "Eles entram em escolas, igrejas e locais públicos porque, até nos Estados Unidos, há proibição da entrada de pessoas armadas. São zonas neutras. Eles vão exatamente a esses lugares com a certeza que só eles estarão armados para cometer os crimes".

Marcos do Val - Divulgação - Divulgação
Marcos do Val é consultor na área de segurança e já trabalhou na Swat
Imagem: Divulgação

Na visão dele, algumas escolas americanas já estão treinando professores para que eles portem armas dentro de sala de aula, e isso tem levado a uma "redução significativa desses ataques em escolas".

Instrutor da Swat

Eleito pelo Espírito Santo com 24,08% dos votos válidos no ano passado, Val também é militar da reserva, consultor na área de segurança e ficou conhecido por ter trabalhado como instrutor na Swat, grupo de elite da polícia americana.

As informações estão em sua biografia na página do Senado.