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Juristas: ao ligar arma a 'posse justa' de terra, decreto quer excluir MST

Foto do início de maio, quando Bolsonaro assina 1ª versão do decreto de armas, alterada hoje - Wilson Dias/Agência Brasil
Foto do início de maio, quando Bolsonaro assina 1ª versão do decreto de armas, alterada hoje Imagem: Wilson Dias/Agência Brasil

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

22/05/2019 18h53

O novo decreto sobre armas, publicado hoje no Diário Oficial da União, trouxe uma mudança que, para juristas consultados pelo UOL, tenta impedir o porte de armas por parte de militantes da reforma agrária, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).

No início do mês, a primeira versão do decreto, anunciada no início do mês, havia autorizado o porte de arma a moradores de área rural, de forma genérica.

Agora, a nova redação, incluindo referências a decretos e leis antigas, faz algumas especificações. Entenda:

  • A autorização para o porte de arma de fogo depende de o requerente "demonstrar ameaça à sua integridade física", conforme diz a lei 10.826 de 2003
  • Agora, o decreto 9.797 de 2019, publicado hoje, considera ameaça física o fato de o requerente morar em imóvel rural "cuja posse seja justa", nos termos do artigo 1.200 da Lei nº 10.406 de 2002.
  • Esse artigo fala que é "justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária."

Justias opinam

Para o gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, a mudança no novo decreto seria para excluir, por exemplo, integrantes de movimentos sociais morando em terras ocupadas.

"No primeiro decreto havia permissão para residentes rurais de forma genérica, ou seja incluía militantes que tivessem, por exemplo, numa invasão de uma propriedade. Quando você altera essa redação, você exclui obviamente esses militantes, muitos associados ao MST", afirma.

Por outro lado, ele diz que os agricultores assentados podem ser incluídos no decreto.

"Ele autoriza qualquer pessoa que tem essa propriedade rural, como os que foram assentados em assentamentos da reforma agrária do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]"

O pós-doutor e professor em direito criminal da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), Welton Roberto, concorda que a intenção do governo parece clara: vetar o acesso a armas a integrantes dos movimentos sociais rurais.

Mas ele afirma que a redação não os exclui automaticamente, já que a lei cita o que chama de "termos genéricos." "Toda posse que não for declarada ilegal é justa. Para mim, não os afeta nesse sentido porque, se eles estão na posse pacífica de determinada terra, aguardando desapropriação, a posse é justa", alega.

O especialista em segurança pública e presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina, José Ricardo Bandeira, viu uma tentativa de barrar integrantes de movimentos sociais agrários, mas também chama a atenção para o que fala o Código Civil.

"O grande problema é o termo 'posse justa', pois segundo o artigo 1.200 da Lei 10.406 ela não pode ser violenta, clandestina ou precária. Desta forma, mesmo que o MST consiga a posse em juízo, a mesma não será justa se for efetuada através de invasão violenta ou clandestina", afirma.

Bolsonaro comemorou 'MST mais fraco'

Em 15 de abril, o presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar, em sua conta do Twitter, que o MST estava enfraquecido na sua gestão, especialmente por conta da maior facilidade de acesso a armas.

"Incra registra só 1 ocupação no 1º trimestre diante 43 ações no mesmo período de 2018. O MST está mais fraco pela facilitação da posse de armas, iniciativa que terá derivações pelo governo, falta de financiamento do setor público e de ONGs, algo que não ocorria nos governos do PT", disse.