Apoio a fechar Congresso e STF avança entre a direita, mostra pesquisa
A pesquisa à qual o texto se refere foi realizada entre janeiro e fevereiro —portanto, não tem ligação com a decisão do STF contra a execução das penas antes do trânsito julgado, em 7 de novembro
O apoio ao fechamento do Congresso Nacional e à dissolução do STF (Supremo Tribunal Federal) pelo presidente da República em caso de "dificuldades" no país avançou entre a parcela da população que declara ser de direita, segundo mostra a pesquisa de opinião Barômetro das Américas (Lapop). Estas medidas são ilegais, podem levar o presidente a perder o cargo e, segundo o mesmo estudo, não são apoiadas pela maioria da população como um todo.
Coordenado pela universidade americana Vanderbilt, o levantamento foi realizado em toda a América. A etapa brasileira foi realizada em parceria com o Cepesp/FGV (Centro de Economia e Política do Setor Público da Fundação Getulio Vargas) ao longo de janeiro e fevereiro, com 1.498 entrevistados em 107 cidades das cinco regiões. A margem de erro é de 2,5 pontos. Os resultados foram divulgados na semana passada.
Pela primeira vez desde 2012, segundo o Lapop, a direita é o maior grupo político na população brasileira: 39%, o maior patamar da série histórica iniciada em 2006. A esquerda ficou com 28%, caindo de 39% em 2017. Eleitores de centro ou que não responderam somaram 33%.
O apoio à dissolução do Supremo pelo presidente "quando o país está enfrentando dificuldades" foi a medida ilegal cujo apoio mais avançou, ao longo do tempo, entre os eleitores de direita.
Em 2008, primeiro ano da série histórica para este assunto, a proporção de eleitores de esquerda que apoiava a ação era de 19%, maior do que o apoio entre a direita (15%) e os eleitores de centro ou que não responderam (13%).
Agora, 52% dos eleitores de direita concordaram com a dissolução do STF com o país em "dificuldades". O apoio à medida também subiu entre a esquerda (35%) e os de centro e que não se posicionaram politicamente (25%).
A maioria da população é contra dissolver o Supremo (62%) —mas o patamar de apoio é o maior da história da pesquisa (38%, contra 14% em 2008).
Também cresceu entre a direita o apoio ao fechamento do Congresso pelo presidente "quando o país está enfrentando dificuldades". Em 2006, primeiro ano da série histórica para este tema, 17% dos direitistas concordavam com a afirmação. Agora, são 30%.
Esta evolução vai na contramão do que ocorreu nos outros dois grupos. O apoio ao fechamento do Congresso na esquerda caiu de 22% para 17% e, entre os de centro ou que não responderam, foi de 20% para 17%.
Mesmo assim, a maioria dos brasileiros continua sendo contra fechar o Congresso: eram 81% em 2006 e são 78% hoje.
Fechar Congresso e STF é crime
Um presidente que tentar fechar o Congresso ou o STF pode perder o cargo e responder na Justiça comum por isso, segundo as leis brasileiras.
De acordo com a Constituição, entre os crimes de responsabilidade do presidente estão atentar contra o "livre exercício" dos Poderes Legislativo e Judiciário. A lei específica sobre estes delitos lista, entre eles, "tentar dissolver o Congresso Nacional" e "opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário".
O professor George Avelino, coordenador do Cepesp/FGV, diz que ainda não é possível entender por que mais gente apoia tais ações, assim como os motivos pelos quais a dissolução do STF pelo presidente tem mais respaldo que o fechamento do Congresso. Ele destaca, no entanto, que a direita está se distanciando no apoio a estas medidas.
A ideologia está voltando a ser importante, a direita está se desgarrando em relação aos outros grupos. Vinha todo mundo mais ou menos com as mesmas opiniões, até que agora desgarrou
George Avelino, coordenador do Cepesp/FGV
Para ele, os dados são "preocupantes", principalmente no caso do STF, já que "o apoio [à dissolução] subiu nos três grupos" (esquerda, centro e direita).
Por outro lado, Avelino lembra que o papel do Supremo em uma democracia é o de defender a minoria contra a maioria, "o que torna o STF potencialmente não muito popular".
Bolsonarismo tem discurso dúbio, diz historiador
O historiador Murilo Cleto, que pesquisa bolsonarismo e a nova direita na UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), observa que a evolução do apoio à dissolução do STF pelo presidente "é muito mais aguda" que a do fechamento do Congresso e entra em pauta durante as turbulências políticas enfrentadas pelo país nos últimos anos.
"Foi nas mobilizações pró-impeachment que começaram a circular com mais ênfase essas manifestações anti-STF", diz, lembrando protestos contra os ministros Teori Zavascki (1948-2017) e Ricardo Lewandowski.
Ainda segundo Cleto, o avanço do apoio a essas pautas pode ser relacionado à ascensão do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Enquanto o centro dominou a política brasileira, seja ele centro-direita ou centro-esquerda, a gente nunca tinha ouvido falar de forma tão clara da possibilidade de fechar essas instituições, como a gente tem ouvido por parte de lideranças bolsonaristas, que assumiram um papel ambíguo em relação a isso
Murilo Cleto, historiador
Para o historiador, o bolsonarismo tem desempenhado um papel simbólico "de tornar esses discursos admissíveis". "Aí que reside o perigo", afirma.
Em maio, Bolsonaro endossou as manifestações que criticaram, em todo o Brasil, o Congresso e o Supremo, mas afirmou também que quem pedia o fechamento dessas instituições estaria "na manifestação errada". Durante a convocação dos protestos, militantes levantaram tais pautas, rechaçadas por organizadores dos atos de rua.
No ano passado, causou polêmica a divulgação de um vídeo do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) dizendo que, para fechar o STF, bastaria "um soldado e um cabo". Eduardo disse que nunca defendeu o fechamento do Supremo e que apenas respondeu "a uma hipótese esdrúxula, onde Jair Bolsonaro teria sua candidatura impugnada pelo STF sem qualquer fundamento".
Presidente "polariza"
Avelino, do Cepesp/FGV, diz que a atitude de Bolsonaro e aliados pode ter influenciado no maior apoio da direita a esse tipo de pauta, mas que ainda não foi possível medir isso. "Teríamos que fazer mais pesquisas."
O professor lembra, no entanto, que na mesma pesquisa do Lapop foi feito um teste para verificar como a posição de Bolsonaro em um determinado assunto pode influir na opinião das pessoas.
Os entrevistados foram perguntados se concordavam ou não com a proposta de privatizar a Petrobras —no ano passado, durante a campanha eleitoral, Bolsonaro admitiu a possibilidade de privatizar a estatal.
Sem a informação sobre a posição de Bolsonaro, o apoio à privatização entre os entrevistados que consideram o governo ótimo ou bom era de 45%. Já entre os que avaliam a administração como ruim ou péssima, o respaldo era de 33%. Ou seja, uma diferença de 12 pontos percentuais.
Após saber da posição de Bolsonaro, o apoio no primeiro grupo foi para 57% e caiu para 23% no segundo. A diferença entre os grupos aumentou para 34 pontos percentuais.
"Quando fala que o Bolsonaro apoia, polariza. Tem gente que apoia o governo e que passa a apoiar mais. Quem achava o governo ruim passa a apoiar menos. Uma vez que você adiciona a informação, polarizou mais as opiniões", diz Avelino.
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