Senado aprova versão "suave" de projeto que criminaliza abuso de autoridade
O Senado Federal aprovou hoje a criminalização do abuso de autoridade dentro do pacote de dez medidas contra a corrupção sugeridas por iniciativa popular em 2016. O texto aprovado, porém, é mais suave do que o proposto inicialmente, prevendo punição a magistrados apenas em casos específicos de intenção comprovada de abuso.
A medida tipifica as condutas passíveis de punição e estipula pena de seis a meses a dois anos de detenção, além de multa. A proposta ganhou celeridade na Casa após a crise instalada pela divulgação das conversas privadas entre o ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) e o procurador Deltan Dallagnol.
Como o projeto original que partiu da Câmara passou por alterações, ele precisa novamente ser analisado lá. É necessário aval das duas Casas para deliberação final.
Pressão de entidades atenuou pontos do projeto
Admitido na tarde de hoje pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), o projeto recebeu mais de 20 emendas --boa parte referente a ajustes de redação nos dois artigos que versam sobre o abuso de autoridade. Junto às intervenções feitas inicialmente pelo relator, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), as mudanças acabaram suavizando o texto original aprovado na Câmara dos Deputados.
Desde a semana passada, Pacheco e outros senadores conversaram com representantes de classe da magistratura e do MP e ouviram recomendações. A pressão deu resultado. As mudanças atenuaram diversos pontos, entre eles:
- casos de abuso de autoridade só ficarão caracterizados se for comprovado o "dolo específico", isto é, a intenção clara e manifesta de prejudicar alguém ou por capricho ou satisfação pessoal
- é proibida a responsabilização de magistrados ou membros do MP por "mera divergência de interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas", isto é, o crime de hermenêutica
Em relação à punição, o relator acolheu sugestão que substituiu a pena prevista para casos de abuso de autoridade. Em vez de reclusão, que possibilita o cumprimento de pena em regime fechado, a CCJ do Senado optou pela detenção (semiaberto ou aberto).
Pontos retirados
Ainda em acordo com os interesses das classes de magistratura, três pontos do projeto original foram retirados:
- criminalização da atuação desidiosa (isto é, negligente, no vocabulário jurídico) por parte de juízes e procuradores
- reprimenda penal aos que exercerem, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função fora do magistério
- criminalização da violação às prerrogativas da advocacia
Na visão de Pacheco, os dois primeiros pontos devem ter "consequências meramente administrativas, como aliás acontece com qualquer agente público" --isto é, atribuição natural de órgãos como o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).
Já a terceira medida retirada, segundo Pacheco, tornava a lei "exacerbada e injustificadamente severa", pois não se "afigura razoável punir tais condutas" a título de culpa --ou seja, não seria um crime intencional.
Juízes proibidos de se manifestarem
O resultado de hoje é tido como uma resposta do Parlamento a irregularidades que teriam ocorrido em investigações e ações penais. Mas também há congressistas, em especial os apoiadores da Operação Lava Jato, que entendem que a iniciativa busca intimidar o trabalho de juízes e representantes do Ministério Público no combate à corrupção.
Um dos artigos aprovados criminaliza, por exemplo, a manifestação de opinião de um juiz, por qualquer meio de comunicação, "sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outro magistrado, exceto nos autos do processo". Ou seja, o dispositivo poderia provocar denúncias contra juízes que costumam usar as redes sociais para comentar investigações e processos em andamento.
Já em relação ao MP, a CCJ aprovou no apagar das luzes - e o plenário manteve - uma emenda que elimina subjetividades e permite a promotores e procuradores, desde que respeitadas as premissas legais, concederem entrevistas a veículos de comunicação sobre apurações em andamento.
Anseio antigo
A criminalização do abuso de autoridade é um anseio antigo dos senadores. Propostas semelhantes tramitaram na Casa nos últimos anos e não prosperaram. Por esse motivo, um grupo numeroso de parlamentares entendia que esse era o momento ideal para liquidar a fatura devido à crise instalada pelo vazamento das conversas entre Moro e Dallagnol.
Os críticos reclamam que, contrariando preceitos éticos, magistrados, procuradores e promotores agiriam com "motivação político-partidária".
Os diálogos publicados em reportagens do site The Intercept Brasil nas últimas semanas criaram um cenário de instabilidade para o trabalho da Lava Jato. Moro, ex-juiz federal responsável pelos processos derivados da operação, compareceu ao Senado na semana passada para dar explicações. Deltan, o coordenador da força-tarefa do MPF (Ministério Público Federal), ainda deverá ir à Casa para prestar esclarecimentos.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.