Eleição na ONU: país omite LGBTs, direitos reprodutivos e combate à tortura
Parte da candidatura brasileira para um dos 47 assentos no Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), a carta de compromissos do governo Jair Bolsonaro (PSL), submetida à comunidade internacional em 27 de junho, foi apresentada hoje ao CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos). Alinhado às pautas de direitos humanos de Bolsonaro, o texto, obtido na íntegra pelo UOL, reflete mudança de discurso em relação aos governos anteriores.
O documento traz 21 compromissos, mas omite temas como gênero, combate à tortura, direitos reprodutivos das mulheres e combate à desigualdade e à pobreza. Também não se compromete com políticas de memória, reparação e não-repetição das violações de direitos humanos durante a ditadura militar.
Na carta, o Brasil destaca sua determinação de participar dos trabalhos do órgão "evitando a politização" do tema e promete "na medida do possível" privilegiar "enfoque preventivo e cooperativo nas deliberações do órgão".
O conselho é a principal instância da ONU para discussões sobre direitos humanos. Composto por 47 países eleitos para mandatos de três anos, o órgão tem poder para, entre outras ações, designar peritos para avaliar possíveis violações em países-membros da ONU. A eleição acontece em outubro.
Na manhã de hoje, Jair Bolsonaro usou o Twitter para manifestar sua posição sobre o assunto. Segundo ele, "as principais pautas estão ligadas ao fortalecimento das estruturas familiares e a exclusão das menções de gênero".
Desde que o presidente foi empossado, o Brasil tem se envolvido em polêmicas em âmbito internacional em temas relacionados aos direitos humanos. A principal delas envolveu a determinação de Bolsonaro para que as Forças Armadas comemorassem o aniversário do golpe militar.
Após denúncias de diversas instituições, Fabián Salvioli, relator especial da ONU para a Promoção da Verdade, Justiça, Reparação de Garantias de Não-Reincidência, emitiu um comunicado duro, em que classificava como "imoral e inadmissível" celebrar um regime que cometeu "crimes horrendos". O governo rebateu o documento e, em carta enviada à ONU, negou que os militares tenham dado um golpe de Estado em 1964.
Direitos LGBTs ficam de fora
Como o blogueiro do UOL Jamil Chade já havia antecipado, o governo brasileiro não faz qualquer menção a direitos dos LGBTs no documento de dez páginas. Sem serem citados, gays, lésbicas, bissexuais e transexuais são tratados dentro de rótulos genéricos como "grupos vulneráveis" ou "pessoas em situação de vulnerabilidade".
No tópico sobre o tema, o governo brasileiro "reitera a determinação de combater todas as formas de violência e discriminação, em especial no que respeita a grupos e pessoas em situação de vulnerabilidade" e assume o compromisso de adotar medidas concretas para "combater todas as formas de violência".
O texto também não trata de ações afirmativas para garantir a inclusão dos LGBTs na sociedade tampouco fala de qualquer política específica para o grupo.
Direitos reprodutivos fora de pauta para mulheres
A candidatura brasileira assume compromissos sobre direitos e combate à violência contra mulheres. Segundo o texto, "o Brasil deverá persistir com iniciativas concretas, no âmbito nacional e internacional, para garantir e promover os direitos humanos das mulheres e meninas".
Contudo, o país não trata da questão dos direitos reprodutivos das mulheres --na visão de Jair Bolsonaro e da ministra Damares Alves, titular da pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos, a pauta promove a defesa do aborto. Nas discussões sobre o assunto estão incluídas questões de saúde pública importantes, como acesso a métodos contraceptivos, combate à gravidez na adolescência e prevenção de DSTs (doenças sexualmente transmissíveis).
Em março, a diplomacia brasileira já havia se manifestado contra um documento elaborado pela Comissão sobre a Situação da Mulher, mais importante foro da ONU sobre o assunto. Um dos pontos rejeitados pelo Brasil se referia a "garantir acesso universal a serviços de saúde sexual e reprodutivos". Questionado sobre esse posicionamento em audiência na Câmara dos Deputados, o ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, disse que o governo considera que a resolução trazia "de contrabando a promoção do aborto".
Apesar de Bolsonaro ter dado, ao longe de sua carreira política, declarações questionando a efetividade da Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, o país assumiu o compromisso de "prevenir, punir e erradicar a discriminação e a violência contra mulheres e meninas nas esferas pública e privada, sobretudo o feminicídio e o assédio sexual".
Compromisso de combater o trabalho infantil
No tópico sobre direitos das crianças e adolescentes, o Brasil assumiu o compromisso de adotar "como foco, o combate à violência, à exploração sexual e ao trabalho infantil", além de prometer garantir melhores condições aos jovens em conflito com a lei.
Na semana passada, Bolsonaro chegou a defender o trabalho infantil, afirmando que não foi prejudicado por ter trabalhado em lavouras durante a infância, embora tenha destacado que não proporia alterações na legislação sobre o assunto. Após a repercussão negativa, o presidente negou que estivesse defendendo o trabalho infantil.
Principal bandeira da ministra Damares, a proteção das crianças também recebe destaque. Alinhado com a bancada evangélica, o governo lista no rol de "políticas abrangentes" o desenvolvimento espiritual de crianças e adolescentes.
Já no que tange os direitos da juventude, o documento promete genericamente " implementar e promover, nacional e internacionalmente, estratégias que abordem adequadamente as questões da juventude e deem aos jovens oportunidades reais para participação plena, efetiva, construtiva e sustentável na sociedade".
Não trata, porém, de políticas de combate à letalidade nessa faixa etária --em 2017, 35.783 jovens de 15 a 29 anos foram assassinados no país. Segundo o Atlas da Violência 2019, publicação elaborada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de homicídios entre eles cresceu 37% entre 2007 e 2017, chegando a 69,9 mortes a cada 100 mil habitantes.
Família e indígenas
O governo brasileiro também incluiu um compromisso sobre defesa da família. Segundo o documento, o país tem "na família ponto focal da atuação do estado". O Brasil promete "fortalecer as estruturas e relações familiares, levando em especial consideração as diferentes circunstâncias socioculturais e econômicas das famílias, sobretudo no que respeita às famílias em situação de vulnerabilidade", mas não cita especificamente estruturas que diferem da família tradicional.
Ao tratar de direitos dos povos indígenas, a candidatura brasileira não se compromete em fazer novas demarcações de terras indígenas tampouco de manter as áreas já demarcadas.
O Brasil propõe "garantir, promover e proteger os direitos dos povos indígenas, em linha com os compromissos internacionais assumidos pelo país, bem como assegurar serviços públicos essenciais para as comunidades indígenas".
As reservas são alvo de críticas frequentes de Bolsonaro. Em abril, ao receber um grupo de indígenas em seu gabinete, ele defendeu a exploração de atividades de mineração e agropecuária em áreas demarcadas, o que é proibido por lei.
Inclusão social e combate à corrupção
Ao tratar de seus compromissos para a temática de inclusão social, o Brasil afirma que "caso eleitos ao Conselho, continuaremos a favorecer a implementação de iniciativas que promovam inclusão social, equidade e educação inclusiva, com vistas a promover melhor qualidade de vida e aumento do bem-estar de todos". A temática do combate à desigualdade e à pobreza não é explicitada.
O Brasil assume uma série de compromissos no combate à corrupção, uma das principais bandeiras eleitorais de Bolsonaro.
"Nos empenharemos, portanto, a favorecer, nacional e internacionalmente, medidas e práticas para prevenir a corrupção e seu impacto no usufruto dos direitos humanos", diz o documento. Entre essas medidas, o governo fala em assegurar "a transparência, o acesso à informação pública, a prestação de contas, a não-discriminação e a participação significativa na condução dos assuntos públicos".
Porém, o atual governo vem sendo alvo de críticas por alterar as normas de transparência e participação social. Logo em janeiro, primeiro mês de gestão, o governo fez mudanças na Lei de Acesso à Informação, ampliando a possibilidade de decretação de sigilo de informações. O tema motivou a primeira derrota de Bolsonaro na Câmara, que votou por sustar os efeitos da medida. Ao antecipar uma derrota no Senado, Bolsonaro revogou as mudanças.
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