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Presidente da OAB: o que incomoda Bolsonaro é a defesa dos direitos humanos

Guilherme Mazieiro

Do UOL, em Brasília

29/07/2019 15h43Atualizada em 30/07/2019 08h35

O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, disse hoje que o que incomoda Jair Bolsonaro (PSL) é a defesa que o órgão faz sobre temas como direitos humanos, da advocacia, do meio ambiente e minorias. O mandatário da instituição respondeu a ataques feitos pelo presidente da República sobre o desaparecimento do pai de Felipe, Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, na década de 1970, durante a ditadura militar.

Também em nota, a OAB chamou as declarações de Bolsonaro sobre a ditadura militar de "frívolas" e "excessivas". A instituição apresentou solidariedade a todas as famílias de mortos e desaparecidos no período militar, os quais foram "atingidos por manifestações excessivas e de frivolidade extrema do Senhor Presidente da República".

O que realmente incomoda Bolsonaro é a defesa que fazemos da advocacia, dos direitos humanos, do meio ambiente, das minorias e de outros temas da cidadania que ele insiste em atacar. Temas que, aliás, sempre estiveram - e sempre estarão - sob a salvaguarda da Ordem do Advogados do Brasil
Felipe Santa Cruz, presidente da OAB

Pela manhã, o presidente atacou Felipe Santa Cruz ao falar da atuação da OAB no caso Adélio Bispo, que esfaqueou Bolsonaro durante a campanha eleitoral.

"Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele", disse Bolsonaro a jornalistas.

"Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados [de Adélio]? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB? Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele", disse Bolsonaro a jornalistas.

Bolsonaro "debocha" de um assassinato, diz presidente da OAB

Em sua nota, Felipe Santa Cruz afirmou que Jair Bolsonaro "debocha" do "assassinato de um jovem aos 26 anos".

Ele também afirmou que se o presidente "sabe tanto" sobre as condições do desaparecimento de Fernando, a família "quer saber".

"Meu pai era da juventude católica de Pernambuco, funcionário público, casado, aluno de Direito. Minha avó acaba de falecer, aos 105 anos, sem saber como o filho foi assassinado. Se o presidente sabe, por 'vivência', tanto sobre o presente caso quanto com relação aos de todos os demais 'desaparecidos', nossas famílias querem saber".

Ao longo de sua carreira política, Bolsonaro tem ignorado dados históricos e afirmado que o período foi democrático e seguiu a lei, além de exaltar torturadores do período, como Brilhante Ustra.

O pai de Felipe, Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, desapareceu em fevereiro de 1974, depois de ter sido preso com um amigo por agentes do DOI-Codi, departamento de repressão do Estado, no Rio de Janeiro.

"Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro", declarou Bolsonaro.

Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade identificou 434 pessoas mortas ou desaparecidas durante a ditadura no Brasil. O período militar durou entre 1964 e 1985.

A Comissão levantou duas hipóteses para o caso de Santa Cruz de Oliveira. A primeira é de que após a prisão foi levado ao DOI-Codi, em São Paulo, onde desapareceu. Não há registros na Comissão da Verdade de que o pai de Felipe tenha participado da luta armada.

Outra possibilidade é de que ele e os amigos foram para Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), e seus corpos foram incinerados em uma usina de cana-de-açúcar.

À época do desaparecimento, o Exército negou à família que ele estivesse preso nas dependências militares. O pai de Felipe desapareceu quando ele tinha 2 anos de idade.

Leia abaixo a nota completa da OAB:

1. Todas as autoridades do País, inclusive o Senhor Presidente da República, devem obediência à Constituição Federal, que instituiu nosso país como Estado Democrático de Direito e tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, na qual se inclui o direito ao respeito da memória dos mortos.

2. O cargo de mandatário da Chefia do Poder Executivo exige que seja exercido com equilíbrio e respeito aos valores constitucionais, sendo-lhe vedado atentar contra os direitos humanos, entre os quais os direitos políticos, individuais e sociais, bem assim contra o cumprimento das leis.

3. Apresentamos nossa solidariedade a todos as famílias daqueles que foram mortos, torturados ou desaparecidos, ao longo de nossa história, especialmente durante o Golpe Militar de 1964, inclusive a família de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, atingidos por manifestações excessivas e de frivolidade extrema do Senhor Presidente da República.

4. A Ordem dos Advogados do Brasil, órgão supremo da advocacia brasileira, vai se manter firme no compromisso supremo de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, e os direitos humanos, bem como a defesa da advocacia, especialmente, de seus direitos e prerrogativas, violados por autoridades que não conhecem as regras que garantem a existência de advogados e advogadas livres e independentes.

5. A diretoria, o Conselho Pleno do Conselho Federal da OAB e o Colégio de Presidentes das 27 Seccionais da OAB repudiam as declarações do Senhor Presidente da República e permanecerão se posicionando contra qualquer tipo de retrocesso, na luta pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e contra a violação das prerrogativas profissionais.

Leia abaixo a nota completa de Felipe Santa Cruz:

Como orgulhoso filho de FERNANDO SANTA CRUZ, quero inicialmente agradecer pelas manifestações de solidariedade que estou recebendo em razão das inqualificáveis declarações do presidente Jair Bolsonaro. O mandatário da República deixa patente seu desconhecimento sobre a diferença entre público e privado, demonstrando mais uma vez traços de caráter graves em um governante: a crueldade e a falta de empatia. É de se estranhar tal comportamento em um homem que se diz cristão. Lamentavelmente, temos um presidente que trata a perda de um pai como se fosse assunto corriqueiro - e debocha do assassinato de um jovem aos 26 anos.

Meu pai era da juventude católica de Pernambuco, funcionário público, casado, aluno de Direito. Minha avó acaba de falecer, aos 105 anos, sem saber como o filho foi assassinado. Se o presidente sabe, por "vivência", tanto sobre o presente caso quanto com relação aos de todos os demais "desaparecidos", nossas famílias querem saber.

A respeito da defesa das prerrogativas da advocacia brasileira, nossa principal missão, asseguro que permaneceremos irredutíveis na garantia do sigilo da comunicação entre advogado e cliente. Garantia que é do cidadão, e não do advogado. Vale salientar que, no episódio citado na infeliz coletiva presidencial, apenas o celular de seu representante legal foi protegido. Jamais o do autor, sendo essa mais uma notícia falsa a se somar a tantas.

O que realmente incomoda Bolsonaro é a defesa que fazemos da advocacia, dos direitos humanos, do meio ambiente, das minorias e de outros temas da cidadania que ele insiste em atacar. Temas que, aliás, sempre estiveram - e sempre estarão - sob a salvaguarda da Ordem do Advogados do Brasil.

Por fim, afirmo que o que une nossas gerações, a minha e a do meu pai, é o compromisso inarredável com a democracia, e por ela estamos prontos aos maiores sacrifícios. Goste ou não o presidente.