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Bolsonaro cometerá crime se condicionar repasses para o Nordeste a apoio

Bolsonaro participa de inauguração de usina em Sobradinho (BA) - Alan Santos/Presidência da República - 5.ago.2019
Bolsonaro participa de inauguração de usina em Sobradinho (BA) Imagem: Alan Santos/Presidência da República - 5.ago.2019

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

06/08/2019 15h17

Se o presidente Jair Bolsonaro (PSL) colocar em prática a ameaça feita ontem de condicionar o repasse de verbas para os governadores do Nordeste ao apoio ao governo federal, ele cometerá crime de crime de responsabilidade.

Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, de momento, a declaração é "só mais uma" polêmica de Bolsonaro.

Na última segunda-feira (5), o presidente afirmou o seguinte:

Se eles quiserem realmente que isso tudo seja atendido, eles vão ter que falar que estão trabalhando com o presidente Jair Bolsonaro. Caso contrário, eu não vou ter conversas com eles, vamos divulgar obras junto a prefeituras
Jair Bolsonaro (PSL), presidente da República

Para especialistas em direito constitucional e público, a fala por si só não pode ser enquadrada no Art. 6 da Lei de Crimes de Responsabilidade (Lei nº 1.079/1950), que trata dos "crimes contra o livre exercício dos poderes constitucionais".

Por outro lado, se houver a ação, ou seja, preferir estados que se digam alinhados ao governo, pode cair até em crime de improbidade previsto pela Constituição Federal.

"Grosso modo, [a declaração] é uma retórica estúpida porque não interfere em nada na mecânica da União. Existem verbas de repasse obrigatório, as carimbadas, previstas na Constituição, que o estado ou o município já recebe automaticamente, então ele pode falar o que quiser e não muda", afirma Marcelo Figueiredo, professor de Direito Constitucional da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

O problema, pondera o advogado, se daria se o governo não cumprisse o repasse aos estados.

"O que este dispositivo [Art. 6º da Lei nº 1.079] alcança é se o presidente impede o exercício dos Poderes: se não libera uma verba obrigatória, se descumpre uma decisão judicial... Aí, sim, ele estaria cometendo crime de responsabilidade."

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Dinheiro de estados não podem ir para municípios

O governo também não pode tirar dinheiro já destinado ao estado e repassar ao município, mesmo que este município pertença ao ente federativo em questão. Estes valores são previstos pela Constituição Federal.

O Artigo 159, por exemplo, aponta que , o FEP (Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal) fica com 21,5% da arrecadação dos impostos sobre renda (pessoas física e jurídica) e sobre produtos industrializados (IPI) da União, enquanto o FPM (Fundo de Participação dos Municípios) recebe 22,5%.

"O que está destinado aos estados vai para os estados, ele não pode escolher ou mudar", afirma o advogado eleitoral Alberto Rollo, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

O especialista explica que, se a União quiser repassar dinheiro diretamente para um município, isto tem de ser feito por meio de um convênio.

"O prefeito vai até Brasília, conversa com o ministro da Saúde, por exemplo, e fecha um contrato para construir um hospital. A prefeitura entra com o terreno, a União, com a verba. Quando ficar pronto, vão os dois [presidente e prefeito] lá e inauguram. Aí o estado não tem nada com isso", explica Rollo. "É possível e normal, mas tem um processo. Não é só transferir via TED."

Privilegiar estados também fere Constituição

Condicionar mais ou menos verbas federais para um estado de acordo com preferências políticas também fere a Constituição.

A porcentagem de repasse do FPE é definida de acordo com a renda per capita do estado, com maior porcentagem para os mais pobres, e não de acordo com a vontade do presidente.

"Redirecionar verba para estados parceiros, sem seguir a legislação, é improbidade. Ele não pode prejudicar determinado estado porque o governador está na oposição. Ele tem de lembrar que os 27 governadores foram eleitos democraticamente como ele", afirma Rollo. "Ele não governa para 10 estados, governa para todos."

Todas as transações são acompanhadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União). Por outro lado, o advogado levanta que qualquer predileção é difícil de se provar.

"Como faz? [Ao ser questionado], é só o governante dizer que esqueceu [de repassar verbas], que está assinando hoje e no dia seguinte está na conta. Pronto", reflete.
Empréstimos caíram, mas não entram nesta conta

Uma reportagem publicada no Estadão/Broadcast na semana passada mostrou que a Caixa Econômica Federal reduziu a concessão de novos empréstimos para o Nordeste neste ano.

Apesar de isso indicar mais do que uma coincidência, os especialistas explicam que os empréstimos feitos via Caixa não estão previstos na Constituição e dependem de uma série de fatores, de projetos apresentados e até relações políticas. Por isso, esta disparidade não configura crime de gestão.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.