Defensor da Lava Jato, Alvaro Dias é poupado em investigações da operação
Defensor da Lava Jato, o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) já foi citado como beneficiário de propinas pagas em dois episódios investigados pela operação. Apesar disso, o parlamentar nunca foi oficialmente investigado pela força-tarefa.
A PGR (Procuradoria-Geral da República), órgão responsável por investigar parlamentares com foro privilegiado, declarou que não tem apurações a respeito de Dias. Questionado, o MPF (Ministério Público Federal) do Paraná informou que não comenta inquéritos que possam ter passado pelo órgão. Já a PF (Polícia Federal) de São Paulo, que trabalhou em um caso no qual Dias foi citado, não respondeu à reportagem, mas informou em documento que nunca investigou o senador.
Procurado pelo UOL, Alvaro Dias negou seu envolvimento em esquemas de pagamento de propinas e disse que citações de seu nome não passam de boatos com fins políticos. O senador disse nunca ter sido investigado pela Lava Jato justamente porque nunca houve fatos que justificassem a abertura de inquéritos sobre sua conduta.
Alvaro Dias tem se dedicado a denunciar o que ele chama de "tentativas de dinamitar a Lava Jato". Essas tentativas, segundo ele, estão ligadas à publicação de diálogos mantidos entre o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e procuradores da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba pelo site The Intercept Brasil, em parceria com outros veículos.
Moro e os procuradores já ouviram em depoimentos relatos de participação do senador em negociações para obstruir duas comissões de inquérito abertas no Congresso para apuração de crimes na Petrobras e relacionados ao bicheiro Carlinhos Cachoeira. A participação do senador nesses casos nunca foi apurada.
Por ser senador e ter direito a foro privilegiado, investigações sobre supostos ilícitos cometidos por Alvaro Dias e que tenham relação com seu mandato devem ser feitas pela PGR. O órgão informou ao UOL que "não há procedimentos públicos em que o senador Alvaro Dias apareça como investigado".
Inquéritos sobre suspeitas envolvendo parlamentares como Dias tramitam no STF (Supremo Tribunal Federal). Também não constam do sistema da Corte investigações sobre o senador.
CPI da Petrobras
O primeiro caso investigado pela Lava Jato em que o nome de Alvaro Dias aparece é o da CPI da Petrobras. Instaurada em 2009, ela tinha como objetivo verificar suspeitas de corrupção na estatal. Essas suspeitas, anos mais tarde, foram apuradas na Lava Jato.
Investigações da própria operação apontaram que, naquele ano, uma reunião entre os ex-executivos Idelfonso Colares Filho, da empresa Queiroz Galvão, e Erton Medeiros Fonseca, da Galvão Engenharia, com o então senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) e o deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE), tratou de pagamento de propina para a obstrução da CPI. Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, também participou da conversa.
A reunião ocorreu no Rio de Janeiro e foi gravada. Nela, o então senador Guerra, que morreu em 2014, combinou o recebimento de R$ 10 milhões para que os parlamentares de seu partido não aprofundassem as investigações. Alvaro Dias, na época, era filiado ao PSDB.
"Nossa gente vai fazer uma discussão genérica, não vamos polemizar as coisas", disse Guerra no encontro. "Não vai ter isso, não vai. Alvaro?"
O caso da propina virou uma ação penal em 2016 e corre sob sigilo na Justiça Federal do Paraná. Os dois ex-executivos, Colares Filho e Fonseca, viraram réus no processo.
Em agosto de 2017, quando a Lava Jato já investigava o encontro e o pagamento da propina, Fernando Baiano foi chamado à Justiça para prestar depoimento. Ao então juiz Sergio Moro e questionado pelo então procurador da Lava Jato Diogo Castor, Baiano explicou que havia por parte dos executivos uma preocupação quanto à atuação de Alvaro Dias na CPI.
"Não se preocupe que, com relação ao senador Alvaro Dias, a gente vai resolver", disse Baiano, descrevendo a fala do então senador Guerra no encontro com os executivos.
Alvaro Dias chegou a prestar depoimento em novembro de 2017 para falar do caso. Moro e Diogo Castor estavam na sessão por videoconferência. O senador foi questionado pelo seu advogado de defesa se havia recebido alguma vantagem ilícita para direcionar sua conduta na CPI. Rechaçou.
"Ninguém ousaria porque, se o fizesse, eu chamaria a polícia e mandaria prender", afirmou o parlamentar.
Moro e Castor não perguntaram o senador se ele havia recebido parte da propina negociada por Guerra.
Eduardo da Fonte foi investigado pelo caso num inquérito que tramitou no STF por ter direito a foro privilegiado. A investigação foi arquivada. Guerra já havia morrido. Alvaro Dias também não foi investigado.
'Alicate'
Uma suspeita semelhante, desta vez envolvendo a CPMI do Cachoeira, também envolve Dias. Emails fornecidos à Polícia Federal pelo ex-advogado da Odebrecht Rodrigo Tacla Duran apontam que o parlamentar teria recebido R$ 5 milhões para "aliviar" seus questionamentos a investigados na CPI.
A força-tarefa da Lava Jato qualifica Tacla Duran como um "fugitivo" e o acusa de movimentar mais de R$ 95 milhões para a Odebrecht e outras empresas em vários países do mundo, além de lavar por meio de suas empresas cerca de R$ 50 milhões. Apesar disso, a Interpol retirou qualquer alerta contra Tacla Duran. Na Espanha, ele vive em liberdade e revelou ao UOL ter sido alvo de extorsão para não ser preso.
Em 2016, ele seria procurado pela PF para prestar um depoimento para uma investigação que ocorria em São Paulo. Tacla Duran falou na Espanha. Em 28 de novembro de 2017, prestou novas informações à PF de forma voluntária. Num documento, ele faz referências ao senador Alvaro Dias.
Ele conta que recebera, em 2015, um email de Luis Eduardo da Rocha Soares, então diretor do Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht, o nome oficial do departamento de propinas da empresa. Nele, o executivo anexava um outro email ainda de 2012 que havia recebido de Samir Assad, um dos operadores que atuavam na transferência de recursos e propinas.
"O email de Samir Assad falava de um acerto de R$ 30 milhões envolvendo parlamentares, sendo que um senador solicitara R$ 5 milhões", escreveu.
"Neste email, Luis Eduardo da Rocha Soares pediu que eu procurasse Samir Assad para obter maiores informações sobre o assunto do email de 2012 trocado entre eles e fizesse uma avaliação de impacto de riscos jurídicos para o Grupo Odebrecht", disse Tacla Duran.
"O email de Samir Assad tinha como assunto CPMI - CACHOEIRA. Nele, Assad comunica a Luis Eduardo da Rocha Soares que a empreiteira ANDRADE GUTIERREZ pagou R$ 30 milhões para 'cortar' o assunto, ou seja: parar com as investigações da CPMI. Nesta mesma mensagem, Samir Assad informa que o Grupo UTC também contribuiu com recursos para a mesma finalidade", escreveu Tacla Duran.
Ele continua com seu depoimento: "Assad explica que esses recursos eram insuficientes para que tivessem êxito na obstrução das investigações daquela CPMI e que seriam necessários mais recursos, porque o senador Alvaro Dias solicitara mais R$ 5 milhões para parar de 'bater' no seu irmão, Adir Assad".
"Adir acabou convocado para depor na CPMI do Cachoeira. Ainda foi encaminhado, neste mesmo email, arquivo em formato Excel com planilha de controle com o codinome ALICATE (apelido comum aos que têm joelho varo --pernas arqueadas-- popularmente chamadas de perna de alicate), que Samir Assad identifica como sendo o senador Alvaro Dias", diz Tacla Duran.
A reportagem viu esse email com a planilha anexada.
Em janeiro de 2018, o inquérito sobre o caso foi transferido para o MPF de São Paulo. De lá, segundo a PGR, foi transferido para o MPF do Paraná, pois as investigações sobre Tacla Duran estavam sendo tocadas por procuradores da força-tarefa da Lava Jato.
Tacla Duran chegou a reclamar do sumiço do inquérito numa audiência na Câmara dos Deputados, via videoconferência, em junho de 2018. A queixa levou parlamentares a pedir explicações a autoridades sobre a investigação.
Em setembro de 2018, a PF respondeu aos deputados informando que o "inquérito nunca sumiu". Enquanto esteve em São Paulo, ele tramitou normalmente e foi acessado livremente pela defesa dos investigados. No mesmo documento, a PF informou: "O sr. Alvaro Dias não foi investigado neste inquérito policial".
O MPF do Paraná, que assumiu a investigação enviada por São Paulo, não divulgou nenhuma informação sobre o que ele chamou de "suposto inquérito". Não consta no sistema do STF nenhuma investigação sobre Alvaro Dias ligada ao caso.
Negócios com Youssef
Ainda no início da Lava Jato, no ano de 2014, o suposto envolvimento de Alvaro Dias em suspeitas apuradas na operação já era aventado por investigados. Leonardo Meirelles, doleiro condenado na Lava Jato na segunda ação penal resultante das apurações da operação, chegou a indicar num depoimento que poderia falar sobre o senador. Moro pediu que identificações fossem evitadas.
No depoimento, ocorrido em outubro daquele ano, Mereilles começou a relatar a Moro as ligações do também doleiro Alberto Youssef, seu parceiro, com partidos políticos.
Meirelles citou o PSDB e falou num "padrinho político" e "conterrâneo" de Youssef. Youssef nasceu em Londrina (PR). Dias nasceu em Quatá (SP), mas estudou em Londrina e iniciou sua carreira política como vereador da cidade, em 1968.
Moro, então, interrompeu Meirelles: "A gente não está entrando nessas identificações, doutor".
O acusado chegou a tentar prosseguir no assunto dizendo que "não estava citando nomes". Moro novamente interveio: "Se a gente for descrever e falar as características, daí não precisa falar o nome, né?".
O advogado de Meirelles, Haroldo Náter, confirmou em contato com o UOL que o político tratado no depoimento era Alvaro Dias. Para ele, Moro evitou tratar envolver o senador no depoimento porque isso poderia paralisar a tramitação do processo e enviá-lo ao STF, já que Dias já tinha foro privilegiado na época.
Procurada, a PF de São Paulo não respondeu aos questionamentos do UOL a respeito do inquérito no qual Tacla Duran informa o envolvimento de Dias no caso da CPI do Cachoeira. O MPF do Paraná, para onde o inquérito foi enviado, disse que não comenta nem confirma "supostas" investigações.
O órgão do Paraná, onde a Lava Jato teve início, também foi questionado se chegou a investigar o senador Alvaro Dias ou mandou informações a que teve acesso à PGR para que ele fosse investigado. Não respondeu.
A PGR informou ao UOL que não há procedimentos públicos de investigação sobre Dias. No STF, não constam apurações ligadas ao senador. Oficialmente, há possibilidade de o senador estar citado em investigações sigilosas. Mas o UOL apurou que nenhuma investigação sigilosa contra Dias corre no STF.
Alvaro Dias ressaltou em entrevista ao UOL que não é investigado na Lava Jato pois não é suspeito de cometer nenhum ilícito. Ele disse que as suspeitas relacionadas à CPI da Petrobras e à CPMI do Cachoeira são boatos usados por adversários eleitorais para tentar comprometer o político.
"Considero essas afirmações contra mim uma revanche, uma tentativa de me desmoralizar, porque eu sempre lutei contra a corrupção", disse ele, lembrando que ele mesmo denunciou Adir Assad na CPI do Cachoeira. "Nunca ninguém teve coragem de me oferecer propina. Só uma vez, como governador, quando cancelei uma licitação superfaturada. Mandei correr."
A equipe de Dias enviou ao UOL a cópia de um voto separado apresentado pelo senador na CPI. Esse voto pedia o indiciamento de investigados. Ele teria sido apresentado em separado, pois o relatório final da CPI do Cachoeira não solicitou o indiciamento de ninguém.
A assessoria de Dias informou também que, ainda em 2018, quando o senador concorria à Presidência e foi citado em reportagens sobre a Lava Jato, ele mesmo pediu informações à PF do Paraná e do Rio de Janeiro. Foi informado que não aparecia em nenhum inquérito em andamento.
O próprio Dias também informou em audiência judicial que "mandaria prender" quem oferecesse propina para que ele modificasse sua atuação como parlamentar em CPIs.
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