Topo

Igreja frequentada por Deltan foi sede de movimento que defende a Lava Jato

17.fev.2016 - Deltan Dallagnol fala sobre corrupção em Igreja Batista do Rio de Janeiro - Zo Guimaraes/Folhapress
17.fev.2016 - Deltan Dallagnol fala sobre corrupção em Igreja Batista do Rio de Janeiro Imagem: Zo Guimaraes/Folhapress

Vinicius Konchinski

Colaboração para o UOL, em Curitiba

12/08/2019 18h52

A igreja frequentada pelo procurador federal Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no MPF-PR (Ministério Público Federal do Paraná), apoiou e foi sede do Instituto Mude, que hoje pressiona o STF (Supremo Tribunal Federal) em defesa da operação. A IBB (Igreja Batista do Bacacheri), em Curitiba, tem 60 anos e cerca de 3.000 fiéis. Além de Dallagnol, o líder do Mude, Flávio Oliveira, é frequentador do espaço.

Conversas do coordenador da Lava Jato com membros do Mude foram divulgadas pelo The Intercept Brasil nesta segunda-feira. Segundo reportagem do The Intercept, o procurador participava de um grupo de Telegram com integrantes do Mude e sugeria ações ao grupo, que inicialmente era tratado como um movimento.

Pelo grupo, Dallagnol chegou a pedir que o Mude articulasse uma campanha em favor da nomeação do procurador Nicolao Dino para a chefia da PGR (Procuradoria-Geral da República). Também recomendou ao movimento a divulgação de textos para que a relatoria dos processos da Lava Jato no STF não ficasse com Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski ou Dias Toffoli, atual presidente do Supremo.

Nas conversas, Dallagnol pede que não seja citado nas manifestações. Após suas recomendações, postagens alinhadas às suas sugestões foram postadas pelo Mude em sua página no Facebook.

O Mude, até hoje, posta mensagens em defesa da operação Lava Jato. Sua página no Facebook tem mais de 60 mil seguidores.

No sábado, a página compartilhou notícia sobre o STF com a hashtag #STFNaoBrinqueComALavaJato. Na quarta-feira, o ministro do STF Gilmar Mendes foi chamado de "um sujeito inescrupuloso" em uma postagem com a hashtag #TodoApoioALavaJato.

'Deltan e outros procuradores'

Procurado pelo UOL, Oliveira, do Mude, disse não reconhecer a autenticidade das conversas divulgadas pelo The Intercept Brasil, assim como tem feito o MPF-PR desde o início das divulgações dos diálogos. Mesmo assim, ele confirmou que manteve contato com Dallagnol por mensagens de aplicativo.

"Com ele e com outros procuradores", disse. "Assim como conversamos [o Mude] com deputados, senadores, prefeitos, juristas, jornalistas e outros profissionais."

Oliveira disse que as conversas são consultas. "Sempre que surge uma dúvida sobre como desenvolver uma determinada ação, como incentivá-la, nós buscamos uma consulta com um procurador", afirmou Oliveira. "São dúvidas sobre a constitucionalidade de um fato, por exemplo."

Oliveira não vê problema nessas conversas. Ele disse que o Mude é uma organização política, mas apartidária. Por isso, diz, o contato com Dallagnol e seus colegas com o instituto não seria ilegal ou antiético. "O fato de alguém sugerir alguma coisa não quer dizer que você acate essa sugestão."

Dallagnol foi inspiração

Segundo Oliveira, o Mude surgiu de uma palestra de Dallagnol. Ele contou que, após ouvirem o procurador falar de mudanças legislativas necessárias para o aprimoramento do combate à corrupção, um grupo de indivíduos, alguns deles fiéis da IBB, resolveu articular uma campanha de arrecadação de assinaturas em favor da proposta, as chamadas 10 Medidas Contra a Corrupção.

Isso ocorreu ainda em 2015. Naquela época, o Mude não tinha sede. Integrantes do movimento, então, passaram a se reunir na IBB.

Segundo a própria igreja, foram "diversas reuniões" realizadas no espaço. Oliveira afirmou que Dallagnol participou de algumas, apesar de oficialmente nunca ter integrado o movimento.

"Seria errado dizer que cada cidadão que um dia ajudou o Mude fez parte do movimento", explicou Oliveira. "Ele [Dallagnol] ajudou, fez doações, mas nunca fez parte. Nunca integrou a diretoria."

Cessão de endereço

Oliveira disse também que, em 2016, o Mude resolveu se formalizar e se cadastrar junto à Receita Federal. Para isso, contudo, o movimento precisava de um endereço, o que ele não tinha. "Aí pedimos para um pastor para que pudéssemos usar o endereço da igreja. Ele aceitou", afirmou. "Só não me lembro qual o pastor que autorizou."

Em novembro de 2016, Dallagnol foi avisado por membros do Mude no grupo do Telegram que o endereço formal da entidade sairia da IBB. A mudança ocorreu depois que notícias vincularam o procurador a uma agência de publicidade contratada pelo Mude para fazer campanha pelas 10 Medidas Contra a Corrupção.

A IBB confirmou que a mudança ocorreu em 2016. Ressaltou, porém, que ela ocorreu depois que a igreja entendeu que o Mude deveria buscar um local para seus encontros.

Segundo a igreja, o fato de seus fiéis participarem do Mude em nada teve a ver com o fato ela ter acolhido o Mude. "Cedemos nossas dependências para movimentos que convergem como nossos valores de justiça e cidadania."

Oliveira, entretanto, reconheceu que o a proximidade do movimento com a igreja facilitou na negociação para a utilização do endereço da IBB.

Ninguém da IBB quis conceder entrevista ao UOL. Por email, a igreja informou que "sempre atuou na evangelização e em ações de compaixão e justiça, ética e cidadania" e "apoiou o surgimento de diversos movimentos".

"O nascimento do MUDE acontece a partir dessa vocação da Igreja Batista do Bacacheri, assim como já fez no passado com tantos outros movimentos de desenvolvimento de política e cidadania", afirmou a IBB.

Oliveira, do Mude, disse que o Mude não tem vinculação institucional com o IBB nem com a Lava Jato. Segundo ele, há membro da diretoria do instituto que não fazem parte da IBB. Ele não soube dizer quantos.

Dallagnol publicou em sua conta no Twitter uma mensagem dizendo que seu diálogo com movimentos sociais "nunca foi segredo". Ele, contudo, não reconheceu a autenticidade dos diálogos.