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Ex-Lava Jato usa cargo e aciona PF para investigar boatos sobre ele mesmo

O procurador Diogo Castor de Mattos - Rodrigo Félix Leal/Futura Press/Estadão Conteúdo
O procurador Diogo Castor de Mattos Imagem: Rodrigo Félix Leal/Futura Press/Estadão Conteúdo

Vinicius Konchinski

Colaboração para o UOL, em Curitiba

09/10/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Procurador Diogo Castor usou cargo para pedir apuração de boatos contra ele
  • Pedido foi feito à Polícia Federal, que abriu um inquérito
  • O procurador fez parte da força-tarefa da Lava Jato
  • Boatos relacionam Castor ao vazamento de mensagens de autoridades da operação
  • MPF-PR defende a iniciativa do procurador

O procurador da República Diogo Castor, ex-integrante da Lava Jato, usou seu cargo no MPF-PR (Ministério Público Federal no Paraná) para solicitar à PF (Polícia Federal) uma investigação sobre boatos contra ele. Ele é autor de um ofício enviado à polícia pedindo a apuração sobre notícias supostamente falsas que o relacionam ao vazamento de mensagens de autoridades divulgadas pelo The Intercept Brasil.

Castor fez parte força-tarefa da Lava Jato até abril. No início daquele mês, ele pediu afastamento da equipe alegando precisar de tratamento de saúde.

O afastamento de Castor ocorreu no mesmo dia em que, segundo conversas reveladas pelo próprio The Intercept Brasil, ele confessou ter pagado pela instalação de um outdoor em homenagem à Lava Jato numa via de acesso ao aeroporto Afonso Pena, na região metropolitana de Curitiba. A contratação do outdoor está sendo investigada pelo STF e também pela Corregedoria Nacional do Ministério Público.

A contratação da propaganda foi feita em nome de uma pessoa que nega ter feito o pedido, o que levanta suspeitas de falsidade ideológica. O outdoor também fere princípios de impessoalidade segundo interpretação do Caad (Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia), que atuou no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) em processo referente à propaganda.

Após se afastar da força-tarefa da Lava Jato, Diogo Castor passou a ocupar um posto de trabalho na representação do MPF-PR em Jacarezinho (390 km de Curitiba). Foi desta representação que ele enviou o ofício à PF solicitando que o órgão investigue notícias falsas que estariam circulando na internet a respeito do procurador.

No ofício, ele pede, em nome do MPF-PR, a apuração pela PF de suspeitas de calúnia e de obstrução de investigação de organização criminosa. Este crime está previsto na lei 12.850/2013 e pode ser punido com três a oito anos de prisão.

O ofício informa que fake news "apontando o subscritor deste ofício [Castor] como autor do vazamento [das mensagens] teria por finalidade desviar o foco investigativo das autoridades, fazendo surgir a falsa hipótese da inexistência de um hacker". Após a solicitação do MPF-PR, um inquérito foi aberto pela PF.

O MPF-PR foi procurado pelo UOL para falar sobre a investigação e, principalmente, sobre a solicitação dela. Informou que o "inquérito está sob sigilo" e enviou uma nota defendendo a ação do procurador (leia mais abaixo).

A reportagem procurou a Superintendência da PF no Paraná, mas o órgão informou que não se manifestará sobre o caso.

Na superintendência, o delegado Flávio Augusto Setti foi escalado para atuar na investigação. Setti é especialista em investigações sobre crimes ocorridos na internet. Comandou operações de combate à pedofilia. Colaborou, inclusive, com a investigação sobre o hackeamento de telefones celulares de membros da operação Lava Jato.

Esse hackeamento, segundo a PF, foi que interceptou as conversas privadas de integrantes da operação divulgadas pelo The Intercept Brasil.

Diogo Castor foi procurado pelo UOL para falar sobre as supostas calúnias contra ele e sobre a investigação sobre elas. Ele não quis se pronunciar.

Investigação suspeita

O crime de calúnia está previsto no Código Penal Brasileiro. Pessoas que imputarem um falso crime a alguém podem ser condenadas à prisão pelo período de seis meses a dois anos e ainda pagar uma multa. Qualquer cidadão que se sentir caluniado pode procurar a polícia ou mesmo o Ministério Público para apresentar uma queixa, solicitando uma investigação.

Para o advogado criminalista Anderson Lopes, entretanto, não é razoável que um procurador da República use seu cargo para solicitar que uma investigação seja feita sobre um suposto crime praticado contra ele.

"Há um manifesto conflito de interesse", disse Lopes. "A suposta vítima é a autoridade que solicita uma investigação? Isso fere inclusive o discurso público do MPF sobre o inquérito do STF acerca de fake news contra a Corte."

Integrantes do MPF criticaram o STF quando o órgão decidiu sozinho investigar a disseminação de fake news contra a própria Corte. A ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), órgão que representa os membros do MPF, entrou com um mandado de segurança no Supremo pedindo a suspensão do inquérito pois o considerou inconstitucional. Na ação, a PGR (Procuradoria-Geral da República) enviou parecer ao Supremo comparando o inquérito a um "tribunal de exceção".

O advogado e professor de Direito Penal da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Francisco Monteiro Rocha Júnior ratificou que a atuação do MPF-PR no inquérito sobre calúnias contra Castor é, no mínimo, suspeita.

"A investigação já começa comprometida", afirmou. "Não há isenção quando o MPF-PR pede a apuração de um crime contra um de seus membros."

Irmãos atuam em ação cível

Notícias supostamente falsas a respeito de Diogo Castor já são alvo de um processo movido na Justiça do Paraná por seus irmãos, os advogados Analice e Rodrigo Castor de Mattos. A pedido dos advogados, a juíza Juliane Velloso Stankevecz chegou a determinar, em uma decisão liminar, que conteúdos que relacionavam o ex-Lava Jato aos vazamentos de conversas de integrantes da operação fossem retirados do Facebook e do Google.

A decisão da juíza Stankevecz é de 26 de junho. Na época, as primeiras reportagens do The Intercept Brasil sobre as conversas estavam sendo divulgadas e o site mantinha sob sigilo a fonte do material. Enquanto a fonte dos vazamentos manteve-se desconhecida, surgiram na internet boatos sobre a participação do procurador no caso.

Por causa dessas notícias, o MPF-PR divulgou uma nota de esclarecimento em 15 de junho. "Trata-se de fake news o conteúdo que vem sendo compartilhado por meio de grupos de WhatsApp e publicado em alguns blogs que menciona a atuação do procurador da República Diogo Castor de Mattos como suposto autor de hackeamento de mensagens atribuídas à força-tarefa Lava Jato em Curitiba", afirmava o órgão.

O processo cível aberto pelos irmãos sobre os boatos contra o procurador Diogo Castor ainda tramita na Justiça do Paraná. Também está sob sigilo, assim como o inquérito a respeito do assunto.

Outro lado

Em nota, o MPF-PR defendeu a iniciativa do procurador. Leia abaixo.

"Em junho, o procurador da República Diogo Castor de Mattos foi vítima de um crime de calúnia em que falsamente o acusavam de ter usado o cargo para roubar mensagens do aplicativo Telegram da Lava Jato e vazá-las para o site The Intercept. Em razão disso, o procurador, na qualidade de vítima, solicitou a Polícia Federal que apurasse a autoria do crime.

Não há absolutamente nenhuma irregularidade nesta conduta. Membro do MP quando é vítima de um crime também tem direito de solicitar apuração às autoridades. Do contrário, a seguir pela linha argumentativa da matéria, autoridades públicas que fossem vítimas de crimes não poderiam pedir abertura de investigações criminais.

O procurador não usou do cargo para ter qualquer privilégio na abertura do procedimento. A referida investigação tramita em Curitiba e não em Jacarezinho, onde o procurador atua."