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Moro: votação apertada no STF dá margem para alterar prisão em 2ª instância

Leco Viana/Estadão Conteúdo
Imagem: Leco Viana/Estadão Conteúdo

Do UOL, em São Paulo

18/11/2019 08h31

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, escreveu um artigo para o jornal O Estado de S. Paulo no qual diz que a "divergência apertada" no Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento recente dá margem para que o Congresso faça alterações relativas à possibilidade de prisão em segunda instância.

Na semana passada, por um placar apertado de 6 a 5, o STF derrubou a execução provisória de pena, como a prisão, após condenação em segunda instância, o que abriu caminho para a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), réu da Lava Jato.

"A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) demandando o trânsito em julgado e revendo precedente anterior deve ser respeitada. O STF é uma instituição essencial à democracia. Ao exercer o controle de constitucionalidade e proferir decisões de impacto na vida dos brasileiros, só fortalece o Estado de Direito. Mas a decisão foi dividida, seis a cinco", escreve o ministro.

"A divergência apertada sobre o significado específico da presunção de inocência dá margem ao Congresso para alterá-lo, já que sobre ele inexiste consenso. Magistrados que compuseram a própria maioria vencedora, como o ministro Dias Toffoli, admitiram que o Congresso poderia alterar a legislação processual ou a Constituição para dar à presunção de inocência uma conformação diferente da interpretação que prevaleceu por estreita maioria", completa.

No texto, Sergio Moro ainda diz que uma mudança do Congresso não seria uma "afronta à Corte". Após o julgamento, o ministro do STF Marco Aurélio Mello disse que a possibilidade de parlamentares aprovarem uma proposta no Congresso autorizando a prisão após condenação em segunda instância seria uma tentativa de ultrapassar a decisão do Supremo.

"Não há afronta à Corte. Juízes interpretam a Constituição e a lei. O Congresso tem o poder, observadas as condições e maiorias necessárias, de alterar o texto da norma. Cada um em sua competência, como Poderes independentes e harmônicos", escreveu Moro.

O ministro ainda listou duas ocasiões, uma nos Estados Unidos e outra no Brasil, nas quais ocorreram mudanças por parte do legislativo após decisões do Judiciário.

"Não seria a primeira vez que uma Corte teria a decisão alterada pelo Parlamento, nem sequer no Brasil. A Suprema Corte norte-americana decidiu, em Dred Scott v. Sandford, de 1857, que escravos não poderiam tornar-se cidadãos dos Estados Unidos e que o Congresso não poderia proibir a escravidão nos novos territórios. A resposta do Congresso foi, após a guerra civil, a revogação da decisão pela 13.ª e pela 14.ª Emendas à Constituição", escreveu.
"Em exemplo mais prosaico, o Congresso brasileiro aprovou, em 2017, a Emenda Constitucional 96 para permitir práticas desportivas e culturais que utilizem animais, como a vaquejada, para se contrapor à prévia decisão do STF na ADI 4.983", completou.

Sergio Moro ainda citou países estrangeiros para explicar a sua posição na relação entre presunção de inocência e o início do cumprimento da pena.

"Se países como Estados Unidos e França, que constituem berços históricos não só das revoluções liberais, mas também da presunção de inocência, admitem a prisão após o julgamento de primeira ou segunda instância, é intuitivo que a presunção de inocência não é compreendida universalmente no sentido de exigir o julgamento do último recurso, o trânsito em julgado, para início da execução da pena", alegou.

"A leitura literal do inciso LVII do artigo 5.º da Constituição talvez favoreça a interpretação de que se exige o trânsito em julgado para o início de execução da pena. Mas, sempre oportuno lembrar, é sobre uma Constituição que estamos expondo e ela precisa ser lida em consonância com outros princípios cardeais, entre eles que "a aplicação da lei deve ser igual para todos" e "não somos uma sociedade de castas". Exigir o trânsito em julgado tem o efeito prático, dada a prodigalidade dos recursos, de gerar a impunidade dos poderosos, o que é inaceitável do ponto de vista constitucional ou moral", completou.

Pacote anticrime

Sergio Moro ainda lembrou que a possibilidade de prisão após decisão de segunda instância faz parte do pacote anticrime encaminhado pelo governo federal ao Congresso. Porém, disse que a mudança pode ocorrer por meio de outros projetos de leis que tramitam no Congresso Nacional.

"No pacote anticrime encaminhado pelo governo federal ao Congresso consta proposta de alteração do Código de Processo Penal para que seja admitida a execução em segunda instância, após o julgamento de uma Corte de apelação. Não precisa ser esse o projeto votado. Há vários outros projetos de lei ou propostas de emenda à Constituição prontos para ser objeto de discussão e deliberação pelo Congresso que tratam do tema", escreveu.

Por fim, o ministro explicou quais seriam, em sua visão, os benefícios com uma eventual mudança.

"Cabe ao Legislativo o protagonismo numa democracia. Cabe a ele, respeitosamente, deliberar sobre a justa aspiração da sociedade de que o processo penal cumpra as suas funções. Sim, devemos proteger o acusado, mas também temos de responder às violações dos direitos das vítimas, o que exige a efetiva punição dos culpados num prazo razoável. Isso deve depender exclusivamente da existência ou não de provas, e não da capacidade do acusado de utilizar os infindáveis recursos da legislação brasileira", alegou.

"Exigir a punição dos culpados não é vingança, mas, sim, império da lei. Reduzir a impunidade é essencial não só para justiça, mas também para prevenir novos crimes, aumentando os riscos de violação da lei penal. A prisão em segunda instância representa um alento para os que confiam que o devido processo não pode servir como instrumento para a impunidade e para o avanço do mundo do crime", completou.