Economia é o maior acerto de Bolsonaro e seu trunfo para 2022, diz analista
Resumo da notícia
- Fernando Schuler diz que resultados da agenda econômica são evidentes
- Para professor do Insper, condições para crescimento maior estão dadas
- Economia e segurança pública são trunfos para Bolsonaro se reeleger, diz ele
- Schuler afirma que atuação do Congresso oxigena a democracia do país
As melhores notícias do primeiro ano do governo Jair Bolsonaro (sem partido) vieram da agenda econômica, na avaliação de Fernando Schuler, professor do Insper e doutor em filosofia. Para ele, os acertos começaram com a continuidade de políticas da administração Michel Temer (MDB).
"Os resultados são evidentes", diz Schuler, destacando o saldo positivo nos empregos formais e a redução da taxa de juros. Estão dadas, em sua visão, as condições para um "crescimento mais robusto no ano que vem".
"Se este ciclo de crescimento se confirmar e os números da segurança pública continuarem melhorando, Bolsonaro é um forte candidato daqui a três anos", analisa o professor, que é colunista da "Folha de S.Paulo" e foi secretário de Justiça e Desenvolvimento Social do Rio Grande do Sul no governo Yeda Crusius (PSDB).
Confira abaixo a entrevista em que ele também ressalta o papel atual do Congresso.
UOL - Que avaliação o sr. faz do primeiro ano do governo Bolsonaro?
Fernando Schuler - Vejo o primeiro ano de Bolsonaro a partir de um dualismo: estridência e conflito no plano retórico, e moderação e convergência no plano institucional. O centro da política brasileira passou a ser o Congresso. Há um centro político trabalhando ativamente ali, no que eu tenho chamado de um sistema de corresponsabilidade com o Executivo. É uma dinâmica que tem um efeito moderador sobre a tomada de decisão pública, que tem feito bem à nossa democracia. Diria que ainda se trata de um modelo experimental, bastante instável, e sua sustentabilidade é, por óbvio, a grande pergunta.
De um modo mais geral, diria que 2019 foi um ano emblemático e sob certo aspecto positivo para a democracia brasileira. Nós tivemos um ciclo social-democrata, com Fernando Henrique Cardoso (PSDB), nos anos 90, depois um longo ciclo um pouco mais à esquerda, ainda que também no terreno da social-democracia, com o PT, e agora temos o início de um ciclo conservador. Diria que tudo isto faz parte de um longo aprendizado.
Quais são os pontos positivos e avanços?
As melhores notícias vêm da agenda econômica. O país fechará o ano com um saldo positivo de mais de um milhão de empregos formais. Menor juro básico da história, menor risco pais da década, perspectiva de um crescimento mais robusto no ano que vem. Os resultados são evidentes. O acerto da equipe econômica começa por ter dado sequência ao que foi feito no governo Temer.
A reforma da Previdência é talvez a mais importante reforma que fizemos nos últimos 20 anos. O marco regulatório do saneamento básico é uma pequena revolução nesta área vital para o desenvolvimento humano. As três PECs (propostas de emenda paralela) em tramitação no Congresso, em especial a PEC do Pacto Federativo, dão consequência prática e atualizam os princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000.
No plano político, foi bom para o país a renúncia do governo em tutelar o Congresso. Não digo que isto tenha sido produto de um plano estruturado por Bolsonaro, mas seu efeito é positivo. Oxigenou a democracia brasileira, consagrou na prática a autonomia dos Poderes e fez o Congresso funcionar melhor.
Quais os pontos negativos? Há retrocessos?
A ideia de retrocesso é bastante subjetiva. É preciso ter uma visão pluralista aí. Por exemplo: não confundir a agenda conservadora do governo com um problema da democracia. Eu posso discordar de boa parte dessa agenda, como de fato discordo, mas ela é um produto da escolha do eleitor. Faz parte de nossa maturidade democrática compreender isto.
Outro ponto: boa parte da agenda mais ideológica de Bolsonaro não se realizou. Temas como o Escola sem Partido ou a redução da maioridade penal. O Congresso filtrou isto. Penso que há erros evidentes por parte do governo. A política de educação, por exemplo. Ela aposta em uma inútil guerra cultural e na prática reproduz o velho estatismo educacional que vigora há três décadas em nossa educação pública.
A política relativa à Amazônia, no episódio das queimadas, foi totalmente equivocada. Penso que o próprio governo sabe disso. O governo também erra em não apostar em uma reforma política, que poderia produzir uma migração para o voto distrital misto. Diria também que há uma confusão entre questões de Estado e temas ideológicos, que não deveria existir em uma república. Na era do PT isto também ocorreu. Agora ocorre no sentido inverso.
Na sua opinião, o governo poderia ser classificado como de extrema-direita?
O governo reúne quatro grandes eixos ou perfis políticos. Há o elemento conservador, bem representado na figura dos ministros Abraham Weintraub [Educação], Ernesto Araújo [Relações Exteriores] e Damares Alves [Mulher, da Família e dos Direitos Humanos]; há o elemento liberal, bem representado na equipe econômica de Paulo Guedes [Economia]; há o que se poderia chamar de lavajatismo, cuja referência é o ministro Sergio Moro [Justiça e Segurança Pública], e há uma forte extração de quadros da alta administração pública, aí incluindo-se os militares. Isto está bem representado pelos ministros Gustavo Canuto [Desenvolvimento Regional], Tarcísio Freitas [Infraestrutura] e o general Ramos, na Secretaria de Governo, assim como o general Heleno, no Gabinete Institucional.
É esta aliança que sustenta o governo Bolsonaro. No conjunto, é um agrupamento situado à direita no espectro político, com variações mais moderadas e mais radicalizadas.
Bolsonaro fez elogios à ditadura e a torturadores. Ele será incorporado definitivamente pela democracia brasileira ou pode colocar a democracia em xeque?
Diria que nossa democracia é forte e irá incorporar a direita à regra do jogo, assim como fez com a esquerda. É evidente que é um processo de idas e vindas, que funciona como um aprendizado. Foi o que vimos ao longo do ano, não?
Já se disse que Bolsonaro acerta mais quando recua do que quando avança. É um pouco caricatural, mas há alguma verdade nisso. O caso da embaixada para o filho, o caso da "Folha de S.Paulo", as relações com o novo presidente argentino. O recuo parece sempre mais razoável do que o ímpeto original. É a força moderadora da democracia, e é por isso que precisamos ficar atentos.
Sobre o tema da ditadura, tenho uma visão muito simples: elogios a qualquer ditadura são inaceitáveis. O problema é que isto levaria a uma segunda pergunta, que intuo boa parte das pessoas não queira fazer: a qualquer ditadura? Ou apenas a aquelas que pertencem ao campo político que eu não gosto?
De minha parte, acho detestável tergiversar sobre qualquer ditadura, seja de "direita" ou de "esquerda". Mas devo reconhecer que a democracia não funciona assim. Bolsonaro gosta do regime de 64, os trabalhistas gostam do Estado Novo varguista, a esquerda em geral apoia Cuba e Venezuela até hoje, de forma que é muito mais complicado do que uma história de mocinhos e bandidos. Prefiro dizer que as pessoas têm liberdade para interpretar a história desta ou daquela maneira, mas devem andar segundo as regras do jogo.
O que significa o fato de Bolsonaro manter grande presença nas redes sociais e ter embates constantes com a imprensa?
O debate público, nas democracias, migrou em larga escala para a internet, e é natural que o líder político, estando no governo ou na oposição, utilize as mídias sociais. Obama fez isto com maestria; Trump, da mesma forma. Quem faz melhor? Quem tem mais legitimidade? Essas perguntas não podem ser respondidas de algum lugar externo à democracia.
Seria possível imaginar um mundo em que um presidente voltasse a se comunicar com o pais exclusivamente por intermédio da mídia profissional? Não creio, mesmo porque uma coisa não exclui a outra. Bolsonaro é um político da era da democracia digital. Não tem apego ao sistema partidário e terá, até o final, uma relação tensa com a imprensa profissional, que em boa medida também caiu na lógica da polarização política.
Sobre a mídia, penso que o critério central é a liberdade de expressão. A imprensa pode criticar e também ser criticada. A fronteira é clara: não é aceitável o uso de instrumentos de Estado contra veículos de informação. Formas de "regulação da mídia", patrocínio seletivo de veículos favoráveis ao governo, ameaças relativas às concessões de rádio e TV. Tudo isto aconteceu, historicamente, no Brasil, e é preciso ficar alerta.
O presidente rompeu com o partido pelo qual foi eleito e termina o ano sem legenda. Qual o significado disto?
Bolsonaro sinaliza que tem um projeto mais a longo prazo e deseja um partido que possa comandar. O PSL é comandado por Luciano Bivar, e Bolsonaro não tem forças para mudar isto. Ao invés de criar mais um partido, minha visão é a de que o presidente deveria propor um projeto de reforma politica que reduzisse o número de partidos. Mas isto está fora das cogitações do governo. Bolsonaro corre contra o tempo e precisa que o novo partido concorra em 2020, forme base nos municípios e prepare sua estrutura para a campanha de 2022. Esta é a estratégia.
Foi correto Bolsonaro anunciar já no primeiro ano que está interessado na reeleição?
Diria que isto é uma obviedade. FHC disputou [a reeleição], Lula disputou, Dilma disputou, e será muito difícil, no futuro, que algum presidente não vá nesta direção. De modo que tergiversar sobre isto não vale muito mais do que um jogo de cena. A lógica da reeleição foi normalizada na politica brasileira. De minha parte, acharia melhor um mandato de cinco anos, sem reeleição, mas isto não está no debate.
A economia continua crescendo em ritmo lento, mas há uma tendência de crescimento maior. Um crescimento maior seria o grande trunfo de Bolsonaro para seu futuro político?
Diria que os dois grandes eleitores de Bolsonaro são a economia e a segurança pública. Se este ciclo de crescimento se confirmar e os números da segurança pública continuarem melhorando, Bolsonaro é um forte candidato daqui a três anos.
O que está havendo no país é uma mudança no padrão de crescimento. Ele se dá gradativamente mais pela via do investimento privado. Este ano tivemos o maior índice histórico de abertura de empresas e ingresso de novos investidores no mercado de ações. E o país vai criar mais de um milhão de empregos formais É evidente que muito vai depender do avanço das reformas no Congresso, e 2020 é um ano eleitoral. De qualquer modo, a tendência é positiva.
Um culto evangélico foi realizado dentro do Palácio do Planalto neste mês. Como o sr. vê este tipo de iniciativa e a relação do governo com setores religiosos?
Penso que o conceito básico, neste tema, é o bom senso. Há uma capela, no Palácio da Alvorada, dedicada à Nossa Senhora da Conceição. Os presidentes brasileiros sempre organizaram missas ali, incluindo-se Lula e Temer. Dilma, que eu saiba, não utilizou a capela. Anos atrás participei de um ritual religioso indígena no Congresso Nacional.
Não acho que machuque a laicidade do Estado que o presidente receba, eventualmente, líderes religiosos e que se faça uma oração e cante-se hinos religiosos. Laicismo não significa banimento dos atos de fala religiosos. Implica apenas em não misturar assuntos de Estado com assuntos de religião. Uma vez que isto seja respeitado, não há problema com a religiosidade do presidente.
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