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Santos Cruz: Bolsonaro pagará preço político muito alto se mexer com Moro

Eduardo Militão e Ricardo Della Coletta*

Do UOL, em Brasília, e da Folha

02/02/2020 02h00Atualizada em 02/02/2020 14h54

Resumo da notícia

  • Na avaliação do general, tirar poder do ex-juiz federal seria "erro" do presidente
  • Para ex-ministro, Bolsonaro e a ala ideológico do governo mantêm o PT vivo na mídia
  • Militar afirma que foi fritado e que quem "frita é a escória da política"
  • Diz ainda que atual governo não é nada espetacular e o próprio INSS é mais qualificado que militares para resolver fila

O ex-ministro da Secretaria de Governo Carlos Alberto Santos Cruz vê com receio a tentativa frustrada do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de dividir o Ministério da Justiça e da Segurança, chefiado hoje por Sergio Moro. Segundo ele, o eventual desmembramento da pasta e a consequente perda de poder do ex-juiz seria um erro que faria o presidente pagar um preço político alto.

"Ele [Moro] é uma pessoa com prestígio fantástico na sociedade brasileira. Então, qualquer modificação nas atribuições vai ter um custo político muito, muito alto", disse o general, em entrevista ao UOL e à Folha de S.Paulo, em Brasília.

Santos Cruz também criticou o desgaste sofrido por ele até ser demitido do governo e afirmou que "fritura é coisa da escória da política".

O general caiu com o empurrão da ala ideológica do governo, que tem forte influência do polemista Olavo de Carvalho e de um dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC). "Esse grupo específico se comporta muito como uma seita, onde você tem a idolatria das figuras mais importantes da seita", afirmou Santos Cruz.

Para o militar, é o próprio Bolsonaro e esse grupo ideológico que mantêm o PT vivo no noticiário, criando um clima eleitoral nocivo para a condução do governo. "Parece que você vai ter eleição na semana que vem." Questionado se votaria em Bolsonaro em 2022, disse: "Tem que ver qual vai ser o quadro da próxima eleição".

Na avaliação do ex-ministro, as expectativas com o governo hoje são "bem maiores que a realidade". "Os resultados não são fantásticos, são absolutamente normais. Não é nada espetacular", disse.

O general diz ser contrário ao uso de militares para reduzir filas no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), pois entende que os servidores do órgão são mais preparados para isso.

Também afirmou que o alinhamento automático do Brasil com os EUA não é positivo para o Brasil. "Sempre, quem perde é quem que se alinha automaticamente em qualquer situação", afirmou militar, que atuou em forças de paz da ONU (Organização das Nações Unidas) no Congo e no Haiti.

O general defendeu ainda medida tomada por ele no governo de Michel Temer (MDB), quando abandonou um plano de retirada de 400 invasores de terras indígenas dos Apyterewa, no Pará. Hoje, são mais de mil invasores no local.

"Muitos deles se tornaram invasores depois que foi feita a ampliação [da terra indígena]. Vai tirar de lá e colocar onde? Você tem que fazer outros assentamentos para esse pessoal que saia", afirmou.

Leia a seguir a entrevista, concedida no dia 28 de janeiro, no estúdio do UOL/Folha em Brasília. A íntegra da conversa também está disponível em podcast e no Youtube.

O ex-ministro da Secretaria de Governo Carlos Alberto Santos Cruz, em entrevista no Estúdio UOL/Folha, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress
O ex-ministro da Secretaria de Governo Carlos Alberto Santos Cruz, em entrevista no Estúdio UOL/Folha, em Brasília
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

UOL/Folha - O senhor considera ter passado por um processo de fritura antes de ser demitido?
Carlos Alberto Santos Cruz - Fico até constrangido de falar de fritura política. Acho isso um negócio de gente desqualificada na política. Fritura é coisa da escória da política. O político que se comporta fritando outros, o funcionário público, seja ele de qualquer nível, é gente desqualificada.

Mas o senhor considera que sofreu esse processo?
Para mim, nunca me afetou pessoalmente, emocionalmente. Não dou bola para isso. É um processo em que participam pessoas que não têm qualidade nenhuma, moral, profissional.

Para você demitir o ministro, por exemplo, ou qualquer pessoa em função de confiança, é só você conversar com a pessoa. Não é preciso esse processo. Para compensar a covardia de não querer falar com a pessoa, se cria mil situações para constranger a pessoa. Para mim, não cola.

Num episódio recente, Bolsonaro publicamente sugeriu o enfraquecimento de Sergio Moro. Ele estava realizando uma fritura com ministro?
Não. Posso até considerar que ele está fazendo um erro político.

Não estava querendo constrangê-lo com o enfraquecimento das suas atribuições?
Depende do interesse político do presidente, do aconselhamento técnico. O que eu estou falando é esse negócio de fritura de que vocês mencionaram. Isso é uma coisa descabida em termos de administração.

Moro é um ícone. Liderou uma virada contra a corrupção histórica no Brasil. Faz parte da história do Brasil. A Lava Jato, com Moro à frente, se tornou uma coisa que vai ficar para sempre.

Separar o ministério aqui ou ali é uma decisão política que pode ter um prejuízo político ou não. Fritura política está muito associada a covardia.

O presidente pode estar querendo fazer isso. Vai pagar preço político. A gente vê aí as reações na mídia e na sociedade.

São decisões que, se ele quiser tomar, ele toma e arca com o resultado.

O presidente Jair Bolsonaro e ministro Sergio Moro - Adriano Machado/Reuters - Adriano Machado/Reuters
O presidente Jair Bolsonaro e ministro Sergio Moro
Imagem: Adriano Machado/Reuters

O que que aconteceu com Moro, já que o senhor diz que não foi uma fritura?
O ministro Moro veio ao governo com uma expectativa da sociedade. A sociedade o via como líder de um movimento contra a corrupção, não só de uma operação. Ele assumiu o Ministério da Justiça e da Segurança Pública.

Outra coisa é que ele é uma pessoa com prestígio fantástico na sociedade. Qualquer modificação nas atribuições vai ter um custo político muito, muito alto. É uma pessoa que inspira seriedade, firmeza. Politicamente, você tem que pensar muito bem, para mexer nisso, você tem que pensar muito bem.

O senhor se arrepende de ter votado em Bolsonaro?
Não, não me arrependo. Naquele momento, eu não tinha dúvidas de que ele [Bolsonaro] era a melhor opção. E eu, como mais 57 milhões de brasileiros, no meu meio ambiente procurei influir para que ele fosse eleito. Depois aceitei o convite para ser ministro. Não foi por dinheiro, não foi por status de ministro, não foi por nada. Até porque eu tinha outras atividades. Fui lá por um projeto que eu acreditava.

Lá atrás, não tem nada de arrependimento. Daqui para frente, é diferente.

Votaria nele de novo para a reeleição?
Tem que ver qual vai ser o quadro da próxima eleição.

Qual a avaliação que o senhor faz do governo?
Hoje eu torço para que dê certo. Qualquer governo faz coisa boa, coisa ruim, tem coisa que dá certo e coisa que dá errado. Eu vejo o governo como absolutamente normal em termos de resultados. Não é nada espetacular.

Teve um crescimento de PIB, uma redução pequena de desemprego. Os resultados não são fantásticos, são absolutamente normais. A gente vê que tem uma expectativa positiva para a frente, isso é bom em termos emocionais. Vai ter que esperar essa coisa se concretizar ou não.

Politicamente não é bom o ambiente. Um governo tem que promover um ambiente de trabalho onde as pessoas possam esperar com tranquilidade o desenvolvimento da sociedade. Por exemplo, algumas privatizações vão ter resultado daqui um ano, um ano e meio.

Nesse tempo a sociedade tem que esperar num ambiente de paz, não num ambiente de tumulto, no qual todo dia há uma intoxicação enorme de fake news e grupos ideológicos espalhando conflitos. Não se pode viver num estado permanentemente pré-eleitoral.

Eu não vejo o militar como solução para tudo - Pedro Ladeira/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress
Eu não vejo o militar como solução para tudo
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

É isso que nós estamos vivendo?
É, parece que você vai ter eleição na semana que vem. A eleição já foi lá atrás, há um ano e pouco. A própria a população gosta de votar de quatro em quatro anos, não gosta de voltar toda semana. Tem que transmitir tranquilidade para que as pessoas possam esperar aquele tempo de reação, principalmente na parte da economia. .

O presidente sempre foi muito combativo e agressivo nas falas dele. O senhor não previa, por exemplo, que esse perfil dificultaria um ambiente de conciliação?
A véspera eleitoral é aquecida mesmo, muito disputada. É uma briga de rua que foi para dentro da internet. O presidente Bolsonaro foi eleito por um pequeno grupo altamente ideológico, que faz um escândalo muito grande, e uma grande massa, que foi movida pelo sentimento anti-PT, contra a corrupção que aconteceu ao longo de muitos anos. Só que após a eleição, todos querem resultados de governo.

O grupo ideológico, que é muito pequeno, continuou com uma influência muito grande. E esse pequeno grupo interno não traz paz ao ao sistema

Esse grupo pode estar até apostando em levar esse conflito até a próxima eleição. E pode ser que não seja a mesma disputa. Quem mantém o perdedor na primeira página da mídia? O PT ou o vencedor?

Quem?
É uma insensatez. A oposição perdeu na figura do PT. Tem que esperar, tem que se reorganizar, tem que mudar o discurso. Eles têm que dar um jeito, se eles quiserem continuar competindo, certo? Mas quem mantém a chama acesa daquele grupo?

O senhor acha que é o presidente Bolsonaro?
Eu acho que é um grupo. Não é só ele. Eu acho que é um grupo exacerbado, ideológico, que mantém o perdedor na mídia. Na realidade, o perdedor está se beneficiando de toda essa de toda essa insensatez.

Quem perdeu perdeu, que vá cuidar da sua vida. Você ganhou? Vá governar. E, depois de dois anos de realizações, se quiser se candidatar de novo, tem várias realizações para apresentar para a reeleição. É isso que eu estou dizendo. É esquecer quem perdeu, governar com tranquilidade, conseguir conseguir resultados e, depois, usar como trunfo os seus resultados, e não a briga ideológica.

Qual é o papel de Olavo de Carvalho nesse grupo ideológico?
Esse cidadão que não mora no Brasil é um fenômeno de influência em algumas pessoas. Não vou chamar de guru.

Ele [Olavo de Carvalho] tem uma influência sobre um grupo específico. E esse grupo se comporta como uma seita

Quem não é da minha seita é meu inimigo. É um raciocínio simplista, binário. O país não pode viver assim.

Os militares foram chamados para resolver queimadas na Amazônia e agora, para resolver filas do INSS. Eles podem atuar nisso?
As Forças Armadas participam em catástrofes no mundo inteiro. Queimadas, grandes incêndios, enchentes, furacões. A participação dos militares na Amazônia está absolutamente dentro da normalidade. O caso do INSS é um caso administrativo que não tem nada a ver com catástrofe.

Dentro do INSS há pessoas que podem resolver a questão. Tem equipe técnica. Eles têm solução para isso

É possível convocar ex-funcionários do INSS, terceirizar, fazer concurso, uma série de coisas. Basicamente, tem que ouvir o INSS. Tem que valorizar o INSS. Chamar militar? Vai ter que treinar os militares. Eles não são treinados para isso. Eu não vejo o militar como solução para tudo.

Quem ganha e quem perde no alinhamento do Brasil com os EUA?
Sempre quem perde é quem que se alinha automaticamente, em qualquer situação. A política americana é baseada nos interesses dos EUA, com razão. Ser alinhado automaticamente não significa que você vai ter peso na condução da política americana. O envolvimento deles tem outra dimensão. Em qualquer alinhamento automático perde é quem se alinha automaticamente.

O presidente disse que os índios têm que "evoluir". Ele está certo?
Não. Eu acho que nós temos que evoluir na política pública em relação às comunidades indígenas, que precisam ser transformadas em cooperativas produtivas. Elas têm como fazer isso. Eu tive duas oportunidades de ter conversa com comunidades indígenas em Altamira (PA) e lá no alto do Alto Rio Negro. Eles sabem o que querem. Os índios não são ignorantes. Têm índios hoje formados na faculdade em várias especialidades.

O senhor citou o Pará. Na comunidade Apyterewa, em 2017, havia 400 invasores. O governo autorizou fazer a retirada dos invasores. O senhor foi contra, alegando que era época de chuvas. Agora há cerca de 1.500 invasores.
Aquilo ali é caso específico. Quando se faz essa avaliação [de invasão], tem que mover o processo contra aquele que invadiu. Não é só retirar os invasores. Muitos deles se tornaram invasores depois que foi feita a ampliação. Vai tirar de lá e colocar onde? Você tem que fazer outros assentamentos para esse pessoal que saia.

Depois da realização desta entrevista, o Ministério Público Federal deu 20 dias ao governo para retomar a retirada dos invasores.

* Colaborou Constança Rezende, do UOL, em Brasília