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Tebet: Se a economia não reagir até ano que vem, governo não se sustenta

Hanrrikson de Andrade e Daniel Carvalho*

Do UOL e da Folha, em Brasília

01/12/2019 02h00Atualizada em 12/12/2019 21h26

Resumo da notícia

  • Presidente da CCJ do Senado vê ameaça à gestão Bolsonaro se economia não melhorar
  • Para emedebista, Executivo está "contaminado" por embates ideológicos desnecessários
  • Senadora diz ser difícil entender o que pensa o presidente e a sua família
  • Sobre a prisão após a 2ª instância, parlamentar afirma que questão vai além de Lula

Presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS) afirma, em entrevista ao UOL e à Folha de S.Paulo, que o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se tornará insustentável se a economia não reagir no ano que vem e "pessoas voltarem às ruas porque não têm teto para morar".

Segunda ela, o Executivo está "contaminado" por embates ideológicos desnecessários e, consequentemente, isso acaba atrapalhando a implementação de uma agenda de reformas.

Na avaliação da senadora, o PIB (Produto Interno Bruto) do país é "pífio", assim como a geração de emprego e renda, com "números históricos vergonhosos" que têm levado a aumento do número de pessoas em situação de miserabilidade. A emedebista diz que "qualquer tentativa de reeleição [por parte de Bolsonaro] ficará prejudicada" se a economia não der sinais de recuperação em 2020.

"Enquanto a gente avança com a pauta econômica, muitas vezes vem uma fala infeliz ou atravessada do governo e paralisa os trabalhos do Congresso. Acho que o embate ideológico que o governo está tentando travar, em uma mística guerra do bem contra o mal, está prejudicando o governo e, consequentemente, o país."

Para a parlamentar, o alerta é necessário devido à repercussão de declarações polêmicas de membros do governo, como a menção feita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, à possibilidade de um novo AI-5 para lidar com eventuais protestos e manifestações de rua, segundo ele, incentivadas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Se voltarmos a ver pessoas voltando para as ruas porque não têm um teto para morar, esse governo não consegue se sustentar. Qualquer tentativa de uma reeleição, por exemplo, ela fica prejudicada
Simone Tebet

O Ato Institucional nº 5, dito por Guedes, representou o período mais repressivo da ditadura militar. Embora tenha sido repudiada por vários setores da sociedade, entre os quais o próprio Congresso e o STF (Supremo Tribunal Federal), a declaração é endossada por membros do governo.

"Espero que isso tenha sido um lapso por parte do ministro", disse Tebet.

Anteriormente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, já havia mencionado o AI-5 como uma possível alternativa de estado para reagir a manifestações de rua. Por esse motivo, ele responde a processos no Conselho de Ética da Câmara. Segundo a senadora, "é difícil entender o que pensa o presidente da República e sua família".

Simone Tebet em entrevista exclusiva ao UOL/Folha - Kleyton Amorim/UOL - Kleyton Amorim/UOL
Simone Tebet (MDB-MS) em entrevista ao UOL e à Folha de S.Paulo, em Brasília
Imagem: Kleyton Amorim/UOL

A presidente da CCJ, responsável por pautar os projetos na comissão, diz estar alinhada à pauta econômica do governo e se mostra favorável à "espinha dorsal" do pacote enviado ao Parlamento pelo Ministério da Economia. Ressalta, no entanto, que há uma parcela significativa de "excessos" que precisam ser eliminados pelo Congresso.

Um dos problemas, de acordo com a senadora, é colocar "dois irmãos gêmeos, para não dizer siameses, brigando por um [único] bolo tributário", em referência aos recursos destinados às áreas da saúde e da educação.

A medida faz parte do chamado pacto federativo, cujo texto propõe unificar os pisos de investimento (limites mínimos na aplicação de verbas públicas) em saúde e educação nas três esferas (federal, estadual e municipal).

Além do pacto federativo, o pacote do ministro Guedes encaminhado ao Senado inclui duas PECs (Propostas de Emenda à Constituição): a emergencial, que cria gatilhos para equilíbrio fiscal para União, estados e municípios; e a da revisão dos fundos, que extingue a maioria dos 281 fundos públicos e permite o uso dos recursos para quitação de dívida pública.

"Retirar os excessos não é uma forma de fazer oposição ao governo. É uma forma de contribuir para o governo", afirma Tebet.

A chefe da CCJ diz que a discussão das proposições ficará para o ano que vem e, dos três textos, a da revisão dos fundos é o mais fácil de ser aprovado. "Entregaremos a PEC dos Fundos até fevereiro para a Câmara."

Já a proposta dos gatilhos emergenciais de controle de despesas é vista pela emedebista como a mais complicada, pois pode mexer com direitos adquiridos de trabalhadores e levar a uma enxurrada de ações judiciais.

Defensora da execução provisória de pena após condenação em segunda instância, Simone afirma que, além da tentativa de procrastinação por parte de uma ala do Congresso e da disputa entre Senado e Câmara pelas rédeas do assunto, "o problema está na fulanização" do debate.

"Dá-se a sensação de que se quer aprovar a segunda instância para colocar o ex-presidente Lula novamente na cadeia. A realidade é muito maior que esta."

Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida na quinta-feira (28/11), no estúdio UOL/Folha, em Brasília. A íntegra da conversa também está disponível em podcast e no Youtube.

Segunda instância

UOL/Folha - Quando o Congresso vai analisar o tema da prisão em segunda instância?

Simone Tebet - No Senado, já tem um projeto pronto para ser votado na CCJ, que pode ser encaminhado ainda neste ano para a Câmara dos Deputados. O problema agora é que entrou nesta discussão de que o projeto da Câmara é melhor que o projeto do Senado. Os líderes vão decidir, na semana que vem, no calendário, o que fazer. A gente não pode dar uma resposta para a sociedade, a não ser na semana que vem.

Por que o assunto não anda?

Nós poderíamos resolver neste ano. O problema está nesta fulanização da segunda instância. Dá-se a sensação de que se quer aprovar a segunda instância para colocar o ex-presidente Lula novamente na cadeia. Ele já tem direito a responder em liberdade. A questão é muito maior. Acho até que isso atrapalha. É uma pena.

Gostaria até que o presidente Lula tivesse cumprido a sua pena, estivesse fora deste processo para não dar a sensação de que a direita quer a prisão em segunda instância, a esquerda não quer, e fica essa questão de quem é a favor ou contra já pensando 2022.

A realidade é muito maior que esta. Estamos falando de crimes de corrupção gravíssimos, inclusive no meu partido, no estado do Rio de Janeiro. É uma questão muito maior.

Estamos falando do crime organizado, de homicidas com crimes de três, quatro homicídios dolosos nas costas, dos traficantes que estão sendo soltos

A decisão do STF não impacta crimes considerados hediondos. Neste caso, os envolvidos têm contra si a prisão preventiva, que os mantêm detidos

Mexer no Código Penal, como propõe uma parte do Senado, seria, em tese, mais rápido do que a PEC da Câmara. Por que a maioria do Senado cedeu?

Não acho que seja a maioria do Senado.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), fala que é a maioria dos líderes...

Esta é uma questão que a imprensa pode questionar os líderes: afinal, os líderes estão falando pelos seus liderados? Participei de todos os processos. Quem acabou, de certa forma, pedindo um pouco de cautela para os colegas, como presidente da comissão, porque estou com este projeto nas minhas mãos para audiência pública, fui eu, no final da reunião com o presidente [Alcolumbre].

Os líderes, tem que reconhecer, por unanimidade, concordaram com a colocação que fizemos: sem um calendário preciso, enxuto, da Câmara, não podemos nem dar a resposta para a Câmara, se vamos paralisar [ou não] o projeto de segunda instância no Senado.

Esse imbróglio vai ter que ser melhor esclarecido na semana que vem.

17.nov.19 - Manifestantes protestam em Copacabana no Rio em defesa da prisão de condenados em segunda instância  - BRUNO ROCHA/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO - BRUNO ROCHA/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
17.nov.19 - Manifestantes protestam em Copacabana no Rio em defesa da prisão de condenados em segunda instância
Imagem: BRUNO ROCHA/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

A sra se sentiu atropelada por Alcolumbre?

Eu só me ressinto de, pela primeira vez, acho que na história do Senado, tentar se fazer um acordo com a Câmara — se é que vai acontecer, acho que tem muita água para rolar debaixo desta ponte —, tirando o direito legítimo do Senado de legislar de forma autônoma e independente qualquer projeto de lei, quanto mais um projeto desta envergadura.

Nenhum problema de votarmos na CCJ e no plenário a segunda instância por lei e a Câmara entender que não serve a lei, que serviria a PEC. Qual o problema? A Câmara pode dizer o seguinte: 'não vamos avançar com a lei porque temos uma PEC e temos um calendário'. Se a PEC da Câmara vier para o Senado, o Senado não vai se omitir de aprovar ou de discutir esta questão.[

Qual a viabilidade de se discutir e votar no ano que vem a reforma tributária, o pacote econômico e oanticrime e a prisão em segunda instância?

O pacote econômico, no Senado, acho que não tem problema nenhum. O Senado vai fazer a sua parte. Os líderes do governo na Casa são equilibrados, sabem até onde pode ir e vão se preocupar muito mais com o calendário do que com o conteúdo. Eles sabem que vão jogar com tudo para levar 70%, 80%. Óbvio que vão defender 100%, [mas] vão trabalhar com calendário. Quando eles perceberem que não dá mais, vão entrar em acordo e vamos aprovar aquilo que o Senado acha que é o ideal para o país.

Esses três pacotes precisam, imediatamente, sair de cena, ser colocados em votação. O governo para ganhar em alguns pontos, em outros para perder. O governo tem essa consciência.

E pela Câmara?

Pela Câmara, fica difícil eu fazer esta análise. A Câmara é uma outra realidade. O presidente [Rodrigo] Maia é um parlamentar extremamente experimentado, sabe conduzir a Casa e acredito que vá fazer esta mesma avaliação. Vai perguntar para o governo o que interessa mais para o governo, o conteúdo ou o calendário. Se for o calendário, ele rapidamente vai, dentro dos acordos possíveis, entregar o pacote que for possível.

Agenda econômica

O que vai ser pautado nesta semana e como a senhora avalia cada projeto?

Nesta semana, na quarta-feira [4 de dezembro], já estou pautando para a leitura de relatórios de dois dos três pacotes [do ministro Guedes]. O da extinção dos fundos, que une todos os fundos a exceção dos constitucionais, dá qualidade de gastos e liberdade orçamentária para os ministros gastarem. Fundos que muitas vezes têm dinheiro, mas ficam parados porque estão engessados.

Isso eu não vejo tanta dificuldade. Mas nos outros dois pacotes, que, na realidade, são um só, você tem o pacto federativo e o pacote emergencial. A meu ver, o emergencial é o mais difícil de ser aprovado. Entre outras coisas, ele trata de questões que podem ser consideradas direitos adquiridos pelos tribunais, como a possibilidade de reduzir em 25% o salário do servidor público com jornada de trabalho reduzida.

Ora, por má gestão, incompetência do governo ou crise econômica, você faz sempre com que a corda arrebenta para o lado mais fraco

Projetos como esse, a meu ver, não podem nunca ser considerados emergenciais. Não dá para serem aprovados a toque de caixa, diferentemente da reforma da Previdência, onde o Senado teve que aprovar algumas medidas e depois criar uma PEC paralela para não ter que devolver o projeto da reforma para a Câmara. Dessa vez, o Senado vai ter que ser muito detalhista em relação a questões como essa.

O governo tem a expectativa de aprovar esses projetos até abril do ano que vem. É possível?

Depende do que o governo espera do Congresso. Se o governo aceitar que o Congresso faça sua parte e tire os excessos dos três projetos [é possível]. Até fevereiro entregaremos a PEC dos Fundos para a Câmara, que pode votar a qualquer momento.

Acho que o governo precisa entender isso. Retirar os excessos não é uma forma de fazer oposição ao governo. É uma forma de contribuir para o governo.

O que falta ao governo?

Por enquanto, nós estamos só olhando para dentro da máquina pública. A reforma da Previdência, o pacto federativo, a PEC dos Fundos e a PEC emergencial são emendas constitucionais que estão querendo resolver um problema gravíssimo do governo.

O governo não está olhando para fora. Cadê a reforma tributária, essa assim tão necessária para desburocratizar e gerar uma economia no bolso do comerciante e do empresário que gera emprego? Unificar impostos para que a população não caia na malha fina e não fique ali sofrendo com discussões jurídicas.

Ninguém entende as normas tributárias. Cadê a reforma tributária que efetivamente vai gerar emprego? Como nós precisamos passar, como ele [Fernando Bezerra Coelho, líder do governo no Senado] mesmo disse, até abril, pelo pacote, é importante que ele entenda que, se nós aprovarmos 60% ou 70% de tudo o que ele apresentou, é melhor do que levar até o final do ano para votar 100% do pacote.

Quais são os excessos que a senhora identifica?

Temos rediscutir várias coisas que estão no pacote. O slogan do do governo é mais Brasil e menos Brasília. Ninguém conhece mais o Brasil do que o Congresso. 60% dos municípios brasileiros são municípios pequenos, cuja média salarial do servidor público não passa de R$ 1.600, R$ 2.000. Quando se fala, por problema de deficit fiscal do município, em reduzir a jornada de trabalho com 25% do salário... Quando se tira R$ 500 desse salário, o servidor vai para o cheque especial, para o cartão de crédito, se ele tiver, e deixa de comprar no comércio.

São 65% dos municípios brasileiros que dependem do salário em dia do servidor público. O comerciante vai mandar embora, e o município quebra.

Como o Congresso pode ajudar?

Esta é uma medida complicada de ser aprovada. Unificar o percentual da saúde e da educação em um único bolo e dizer para o prefeito: você tem que gastar 25% do orçamento com educação e 15% com a saúde. E agora você vai dizer o seguinte: não, prefeito, fique tranquilo. Os 25% com 15% dão 40%, você vai continuar tendo que gastar 40%, mas você escolhe... A lógica até seria essa.

Quando você vai na realidade prática, no dia a dia, não é isso que acontece nos municípios. Você não tem excelência de serviço nem na saúde e nem na educação. Você está colocando dois irmãos gêmeos, para não dizer siameses, brigando por um bolo tributário. Isso é saudável para você avançar a qualidade de ensino e da saúde?

Como a sra. vê a possibilidade de aglutinar municípios?

Talvez seja o bode na sala. Na teoria, se você perguntar para a população, no geral, talvez 90% da população concorde. Agora, quando você coloca na prática, a situação não é essa. Quando você olha aquele município de 5.000 habitantes, você fala 'o que eu vou fazer com esses 5.000 cidadãos?' O município que vai acoplar vai ter condições de absorver de que forma?

É uma situação que pode até ser discutida, mas é uma discussão que começa hoje, [mas] não termina em um, três, quatro anos, muito menos em alguns meses. Neste momento, acredito que isso vai ser retirado.

O argumento é que isso foi discutido com o Congresso antes de as medidas serem enviadas. Por que os excessos só estão sendo apontados agora?

Não me lembro de ter visto no projeto. Mas me lembro de ter visto algo que falei assim: 'é colocar isso aqui e causar uma reação do Congresso fenomenal'. Havia uma discussão na época se eles iam proibir, retirar da Constituição, pasmem, o reajuste geral anual do salário mínimo. Não estou falando aumento acima da inflação. É reposição inflacionária.

Agora, esta questão de proibir a revisão geral anual do servidor público é outro problema que teremos, até numa discussão constitucional.

Quando se fala de servidor púbico, a sociedade acha que a média salarial é de R$ 30 mil, R$ 40 mil. Isso é salário de juiz, desembargador, promotor, auditor. Mas não é a média salarial de servidor estadual e servidor municipal.

Uma eventual mudança na estabilidade dos servidores e o corte de salários para os novos funcionários públicos é viável?

Sendo bem objetiva: só passaria o fim da estabilidade no Senado para os novos. Discutir o fim da estabilidade para os novos servidores é uma coisa saudável. Desde que se garanta estabilidade para as carreiras típicas de Estado —como a do policial. Mas não acredito que a reforma administrativa seja o ideal a ser discutido e votado no ano de 2020.

Existe um lobby muito forte do funcionalismo público. Daria para discutir e aprovar o fim da estabilidade?

Para o futuro? Garantindo as carreiras típicas de Estado? Não vejo dificuldade em ser discutido. Vejo muito mais problema, por exemplo, e aí vai ter um lobby, ao meu ver, legítimo, dos servidores em relação à PEC emergencial. Esta, sim, está mexendo em certas questões e direitos dos servidores.

Defesa do AI-5

Como a sra. vê a manifestação de pessoas próximas ao presidente em defesa de um novo AI-5?

Não tem outra palavra a não ser com preocupação. Não há como não se preocupar quando o núcleo econômico, que precisa ter cuidado com aquilo que diz e com aquilo que faz, é muitas vezes contaminado com o ambiente político do seu próprio governo.

Acho até que o Brasil já estava começando a se acostumar com o jeito do presidente Bolsonaro agir, atuar e governar. E o que dava, o que dá, segurança para o Brasil, para todos nós, investidores, a sociedade, a própria democracia, é saber, nas palavras do próprio presidente, que ele só o técnico e que ele tem 22 jogadores de futebol. E que, dentre esses jogadores, nós temos ministros extremamente preparados e técnicos.

De repente, vem a surpresa de ver o ministro da Economia, que é extremamente competente e preparado, que soube conduzir a reforma da Previdência como poucos ministros no passado, se deixar contaminar. Espero que isso tenha sido um lapso por parte do ministro.

Por que o ministro Guedes erra ao se posicionar dessa forma?

Que sirva também como lição: o dólar subiu, causou um mal-estar dentro do Congresso Nacional. Nós tivemos que reagir de forma muito dura porque não podemos deixar que essas questões que parecem pequenas para a sociedade, mas que têm uma dimensão muito grande, comecem a se tornar uma voz corrente no meio social e, de repente, começa a ver a própria população pedindo, sim, Exército na rua, excludente de ilicitude sendo aprovado dando uma licença para qualquer policial matar. Espero que esse capítulo seja tenha sido encerrado.

A senhora acredita que essa manifestação fica no campo do blefe ou é uma ideia que pode ser colocada em prática?

Blefe ou não, isso é extremamente grave em um país com uma democracia, embora consolidada, tão nova. Não podemos nos esquecer que a redemocratização dentro de um processo histórico começou ontem. Ela aconteceu ontem. E a democracia é, dentre os sistemas, é mais frágil. É mais frágil justamente porque permite esse tipo de manifestação de qualquer pessoa. Mas não de parlamentares que juraram defender a Constituição.

No caso do deputado federal Eduardo Bolsonaro, faz bem a Câmara em realmente levá-lo ao Conselho de Ética. Não porque é o filho do presidente, e sim porque é um deputado. Não estou falando em cassação nem nada, mas que, no processo, se apure e, se sim, que se dê uma advertência, uma suspensão, para que esse tipo de situação não aconteça mais.

Acho que todos os excessos cometidos por qualquer parlamentar no que se refere a sua conduta ética, moral ou de postura, ela precisa ser levada para o Conselho de Ética. Nós estamos passando um pouquinho do limite. Quando nós vimos parlamentares usarem palavras de baixo calão através de redes sociais, com ataque a colegas e isso passar como se fosse algo normal.

Bolsonaro defende o excludente de ilicitude em casos de GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Como a senhora enxerga a iniciativa?

A fala infeliz do ministro Paulo Guedes foi ruim para a economia, mas fez muito bem para a política à medida que causou uma reação imediata do Congresso. Isso foi bom porque muitos líderes já se pronunciaram: se o objetivo é esse, a excludente de ilicitude não vai passar. Repito: se a fala foi ruim para a economia, por outro lado, ela acusou a verdadeira intenção do governo em relação a isso. Qual seria essa verdadeira intenção? GLO já existe. Ela é necessária em casos extremos, inclusive, para defender a soberania nacional e o Estado democrático de Direito. As Forças armadas precisam existir fortemente. Eu sou uma entusiasta do trabalho das Forças Armadas brasileiras naquilo que ela representa e no papel que ela deve cumprir.

A partir do momento que você quer estender demais a competência, as atribuições e o poder dela, trazendo inclusive a segurança pública, que é outro departamento... Nós estamos falando de Polícia Militar, participando da GLO, com a possibilidade de se aprovar a excludente de ilicitude, que é, em casos de culpa, e não de dolo, a princípio não se pode nem processar ou investigar um policial que mata um cidadão usando força armada ou a força física, e excluindo esse policial, um cidadão brasileiro, de qualquer responsabilidade.

Da forma como está esse projeto, não passa.

Para a senhora, há um objetivo por trás das declarações em defesa do AI-5?

Essa é uma pergunta que todos fazem e ninguém consegue responder. É difícil entender hoje o que pensa o presidente da República e a sua família. (...) Se é intencional ou não, eu não saberia dizer. É difícil entender a dinâmica e como é que funciona esse governo. Só posso dizer que isso contamina e atrapalha o próprio governo.

Enquanto a gente avança com a pauta econômica, muitas vezes vem uma fala infeliz ou atravessada do governo e paralisa os trabalhos do Congresso Nacional. Se é intencional ou não, está prejudicando a si próprio. Está prejudicando o próprio governo a levar um resultado positivo para a sociedade.

Se a economia não reagir até o ano que vem, se nós continuarmos com esse PIB pífio e se nós não voltarmos a gerar emprego e renda, se voltarmos a ver pessoas voltando para as ruas porque não têm um teto para morar, esse governo não consegue se sustentar.

Qualquer tentativa de uma reeleição, por exemplo, ela ficará prejudicada. Resumindo, eu acho que o embate ideológico que o governo está tentando travar em uma tal até, a meu ver, mística guerra do bem contra o mal, está prejudicando o governo e, consequentemente, o país.

Pauta de costumes

Por que a pauta de costumes que se esperava para este ano não saiu?

Quando o Executivo consegue fazer a leitura real de como pensa e age o Congresso Nacional, o governo vai bem. E nesse aspecto ele foi bem. Ele sabia que não podia atacar todas as frentes nesse momento e escolheu aquilo que era prioridade. O que era prioridade? A fome, a miséria, o desemprego, a falta de habitação, enfim, o que só se resolve com um pacote de medidas econômicas que façam o Brasil voltar a crescer. Contaminar essa pauta [econômica e social] com uma pauta de costumes, que realmente divide o Congresso Nacional, se faz com que nenhuma delas ande.

Com quais pautas a senhora concorda e acha ser possível aprovar?

O pacote anticrime do ministro Sergio Moro é necessário. (...) Eu diria que 80% do projeto que o ministro apresentou para o Congresso Nacional é positivo. Mas quando entra, por exemplo, na questão do excludente de ilicitude ou mesmo o plea bargain, esse tipo de situação requer um pouco mais de equilíbrio e de cuidado.

Mas eu percebo também por parte do ministro que ele hoje está entendendo um pouco mais como funciona o Congresso. E, por conta disso, se entregarmos para a sociedade, por exemplo, 70% do que está sendo colocado ali, vamos ter conseguido um grande avanço no combate à corrupção, ao crime organizado e garantir que a segurança pública exerça o seu papel sem, com isso, partir para extremos de impedir a ampla defesa, o contraditório e o direito do cidadão de ir e vir.

Velho x novo MDB

Ne momento de polarização da política, não seria mais interessante para o MDB assumir uma posição mais firme?

O MDB tinha que fazer uma autocrítica, reconhecer que errou no passado, reconhecer que sempre esteve ao lado do governo como coadjuvante e ajudou muito o país, mas também ficou prejudicado porque os erros eram também compartilhados com o MDB. Mas acho que teve um ponto de inflexão em relação ao MDB. Quando a Executiva anterior tentou impor uma mudança do regimento do partido permitindo que governadores em exercício pudessem ser presidente do partido, e o próprio partido falou 'não, nós não aceitamos isso', eu falei 'opa, tem uma luz no fim do túnel, tem uma esperança dentro do MDB e ela aconteceu'.

O MDB não está no governo. Mas é um partido tão grande, com tão valorosos quadros, que resolveu por bem dizer o seguinte: quem quiser apoiar o governo estando no governo pode fazer por conta própria.

Eu tenho ideias muito semelhantes ao que o governo pensa na parte econômica. Não sou situação, mas não sou oposição ao governo Bolsonaro.

Como a sra vê a aproximação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, com Renan Calheiros e a velha política?

Não vejo Davi se aproximando de Renan. Vejo, sim, o presidente Davi pegando a presidência do Senado num dos momentos mais difíceis do país e do Senado, num grande conflito de interesses, num momento em que o Senado também passa por uma renovação muito grande, onde há um embate.

O Senado não tem só dois grupos. Tem pelo menos quatro. Além dos grupos ideológicos, você tem também grupos que têm pautas específicas. Então, não é fácil. Acho que o presidente Davi errou erra em alguns momentos.

Por exemplo?

Nesta questão da segunda instância mesmo, acho que o Senado vai se apequenar se a decisão for aguardar a decisão da Câmara dos Deputados. Mas vejo no presidente Davi qualidades ímpares. É uma pessoa extremamente humilde, sabe dialogar, tem vontade de acertar e, para mim, ele tem uma coisa que não tem preço na política, ele tem boa índole.

Acho que ele cometeu alguns erros, mas ele tem condições de acertar ainda mais e acho que, assim que passar esta tormenta, que ele for para o recesso, respirar, porque foi um atropelo, não deu tempo nem de fazer sua reflexão, ele tem condições de voltar mais ao centro.

Assista à entrevista completa abaixo:

* Colaborou Guilherme Mazieiro, do UOL, em Brasília