Servidores da Economia ganharam quase R$ 1 milhão com verba extra em 2019
Resumo da notícia
- Funcionários da pasta chefiada por Guedes ganharam R$ 972 mil em jetons em 2019
- Alguns obtiveram super-salários de R$ 54 mil num mês com gratificações
- Ministério disse que pagamentos são legais e indicações, técnicas
- Ação, que está no STF dese 1996 e pode começar a ser julgada hoje, tenta derrubar benefícios
- Projeto na Câmara também questiona lei que permite seja ultrapassado o teto constitucional
Um grupo de servidores do Ministério da Economia — pasta comandada por Paulo Guedes e responsável pela política de austeridade e corte nos gastos públicos — ganhou quase R$ 1 milhão com gratificações, os chamados jetons, em 2019. As verbas extras se somaram aos salários. Com isso, a maioria deles recebeu acima do teto constitucional, chegando a R$ 54 mil em um mês.
Como mostrou o UOL, ministros do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) também receberam acima do limite de R$ 39.293,32 por mês.
Permitido por lei, o jeton, pago a funcionários que participam de conselhos de empresas estatais e do sistema "S", é questionado com iniciativas no Congresso e no STF (Supremo Tribunal Federal), que deve começar a julgar hoje uma ação contra a medida.
No Ministério da Economia, nove funcionários participaram de conselhos e receberam R$ 976 mil em jetons no ano passado, segundo portais de Transparência consultados pela reportagem. Sete servidores tiveram os chamados supersalários em outubro passado.
O contracheque do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, por exemplo, foi de R$ 54 mil brutos em dezembro passado e de R$ 46 mil em outubro. Guedes já disse que poderia perder o funcionário porque ele recebe convites para a iniciativa privada e fez comentários a respeito da remuneração de Mansueto.
Em média, os jetons turbinaram em 29% os holerites dos servidores, muitos dos quais no entorno do ministro Paulo Guedes. A assessoria dele disse ao UOL que a participação de servidores nos conselhos é importante e as indicações de funcionários para ocuparem os conselhos "são feitas com critérios estritamente técnicos" e "rigorosos". A pasta disse que a remuneração é legal (leia mais abaixo).
O deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR) é relator de um projeto para impedir os jetons de gerarem supersalários. Ele criticou os pagamentos na pasta responsável pelas políticas de ajuste fiscal, como as reformas da Previdência, a administrativa e a carteira verde e amarela. E ironizou a frase do ministro, que chamou funcionários públicos de "parasitas".
Parecem ser os parasitas de estimação do ministro Guedes. Isso tem que ser levado a público. Temos que enfrentar isso, que é muito grave"
Rubens Bueno, deputado
Na quarta-feira (12), data em que o UOL divulgou o salário de ministros do governo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou a Bueno que pretende votar o projeto de lei que barra supersalários e jetons ainda neste semestre. A assessoria de Maia não prestou esclarecimentos.
Primeiro da lista virou ministro no governo
Na Economia, quem mais recebeu jetons em 2019 foi o ex-secretário de Previdência e hoje ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Seu contracheque chegou a R$ 43 mil brutos em outubro passado. Ele é conselheiro fiscal do Sesc, do sistema "S". No ano passado, ganhou R$ 189 mil com a participação de 11 reuniões do conselho.
Em segundo lugar, está o secretário de Desburocratização do ministério, Gleisson Rubin, com R$ 177 mil recebidos de três estatais: a Casa da Moeda, a Agência Especial de Financiamento Industrial (Finame) e a estatal brasiliense Companhia Imobiliária do Distrito Federal (Terracap). Em outubro, seu contracheque foi de R$ 46 mil brutos.
Setor que cuida de conselhos tem funcionários beneficiados
No terceiro lugar, está o então secretário de Governança das Estatais (Sest), Fernando Ribeiro Soares, que deixou o cargo. Ele recebeu R$ 175 mil em honorários da Petrobras Distribuidora e do BNDES-Par (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Participações) no ano passado. Seu contracheque chegou a R$ 46 mil em outubro.
Quando estava no Ministério, dirigia a Sest setor responsável por coordenar as empresas públicas e, inclusive, receber informações sobre pagamentos de jetons. A secretaria que Ribeiro dirigia "realiza (...) a gestão dos Conselheiros de Administração representantes da União (...) das empresas estatais", informa o site do Ministério da Economia.
A Embrapa registra no Siest, mensalmente, os valores de jetons que os membros dos colegiados da Embrapa recebem"
Assessoria de imprensa da Embrapa
Dois subordinados de Ribeiro na Sest receberam jetons: Ricardo Araújo e Elvira Schulz.
Mesmo com os honorários extras no contracheque, Elvira e o secretário de Pessoal Wagner Lenhart não estouraram o teto constitucional de R$ 39 mil no mês de outubro. Durante todo o ano passado, Lenhart e Elvira receberam R$ 25 mil e R$ 21 mil em jetons respectivamente.
Funcionário acumula pagamentos com o Senado
O secretário de Fazenda, Waldery Júnior trabalhava no Senado, Casa pela qual recebe remuneração de R$ 38 mil brutos. Ao ser contratado para o Ministério da Fazenda, com um cargo em comissão, passou a ter um abate-teto em seus rendimentos, mas que não atinge os jetons que recebe no Banco do Brasil, no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e na BB Corretora. Resultado: obteve R$ 54 mil brutos em outubro passado.
O secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, recebeu jetons do BNDES e da BNDES Participações. Em outubro, com verba extra apenas da primeira estatal, seu contracheque chegou a R$ 46 mil brutos. Em dezembro, foram R$ 54 mil. Os valores daquele mês não continham férias ou 13º salário.
Em nota, o Ministério da Economia disse que a função de Mansueto não atua no BNDES "por motivos salariais". Ele está no cargo de secretário e de conselheiro desde antes do início do governo Bolsonaro.
"A participação do secretário do Tesouro neste conselho tem por objetivo acompanhar a reorientação e o redimensionamento do Banco na economia e se dá, portanto, por questões estratégicas de governo e não por motivos salariais", afirmou. "Toda a remuneração recebida pelo secretário segue estritamente a legislação vigente."
A assessoria afirmou que "Mansueto Almeida não tem a intenção de deixar o cargo de secretário do Tesouro". A reportagem enviou a lista de servidores ao ministério. Mas os demais funcionários não se manifestaram.
"Objetivo é profissionalizar os conselhos", diz ministério
O Ministério da Economia não respondeu se há contradições entre o discurso de austeridade da pasta e o pagamento de jetons a servidores da cúpula ao redor de Paulo Guedes.
A assessoria do ministro disse que a indicação de servidores nos conselhos obedece a "critérios estritamente técnicos". E afirma que os pagamentos são legais e aprovados por assembleias. "Os conselheiros são selecionados sob critérios rigorosos e sua aprovação corresponde à adequação da qualificação e capacidade de contribuir na missão da gestão pública."
Os servidores do Ministério da Economia que participam dos conselhos foram escolhidos com base em critérios técnicos e por terem atuação em áreas correlatas às dos conselhos para o qual foram indicados"
Assessoria do Ministério da Economia
Os auxiliares de Guedes dizem que é importante a participação de funcionários nos conselhos das estatais. "O objetivo é profissionalizar os conselhos para que as empresas passem a ser geridas com mais responsabilidade e com foco em resultados".
Segundo o ministério, isso melhora a administração das estatais. "A União é representada através dos Conselhos de Administração, Fiscal e Auditoria nas empresas estatais, cuja atribuição principal é garantir o alinhamento do interesse público em elevado grau de governança."
Há contrassenso na agenda do ministério, aponta deputado
Para Rubens Bueno, há uma incoerência entre a agenda de austeridade do ministro e o que acontece na folha de pagamento. "Há um contrassenso à medida que tem, dentro do ministério, servidor público ganhando acima do teto", afirmou ele.
Para o deputado, é urgente votar o projeto contra os supersalários que está no plenário da Câmara para impedir o uso de jetons e outros penduricalhos no Executivo, no Judiciário e no Legislativo.
Hoje, o plenário virtual do STF julga uma ação que se arrasta desde 1996 para derrubar lei que permite acumular jetons e salários. A relatora é a ministra Rosa Weber.
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