Topo

Para analistas, piadas de Bolsonaro atrapalham economia, mas são estratégia

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

04/03/2020 19h19

Ao debochar de assuntos sérios, como fez ao ser perguntado hoje sobre a desaceleração do PIB (Produto Interno Bruto), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) atrapalha o ambiente de estabilidade política e econômica necessário para a recuperação das finanças nacionais, mas põe em prática uma estratégia para desviar a atenção dos seus fracassos.

A análise é de quatro especialistas de segmentos diversos, da gestão empresarial às ciências políticas, ouvidos pelo UOL.

Pela manhã desta quarta (4), em vez de responder aos questionamentos de jornalistas sobre a economia, o presidente da República assistiu a um comediante entregando bananas aos jornalistas. O ato foi publicado pelo perfil oficial de Bolsonaro no Facebook.

Segundo especialistas, além de ser uma atitude desrespeitosa, ela piora o quadro econômico, afasta investidores estrangeiros e aumenta má vontade dos outros agentes institucionais com o governo.

"O mercado está muito preocupado com a figura dele, as empresas estão preocupadas. Este tipo de atitude gera instabilidade política, e a imagem de falta de comando acaba sendo ruim para economia e para o mercado".
Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo

Ruim para os negócios e para os investimentos

Para Feldmann, que além de professor é membro de conselhos administrativos de diferentes empresas, a "falta de seriedade apresentada pelo presidente" faz com que agentes do mercado questionem sua capacidade de superar obstáculos importantes, como as reformas Tributária e Administrativa.

"Como é que ele vai conseguir aprovar com a falta de seriedade que ele demonstra? Essa falta de postura presidencial, este comportamento beligerante, mostram imaturidade", diz o administrador.

O professor também classifica o comportamento do presidente e sua "forma irresponsável de conduzir assuntos importantes — afinal, estamos falando de PIB" como "uns dos problemas do Brasil hoje".

Ele opina que os atos de Bolsonaro repercutem negativamente no exterior e afastam investimento estrangeiro.

"A gente precisa muito de investimento estrangeiro, só que ninguém quer investir num país instável, no qual não se sabe o que o presidente pode fazer na semana que vem. Com este tipo de atitude, tudo é possível. Esta postura anticongresso, antinegociação, que desrespeita a imprensa, gera instabilidade", afirma Feldmann.

Roberto Romano, professor aposentado de Ética e Filosofia Política da Unicamp (Universidade de Campinas), concorda.

"Imagine um investidor estrangeiro, alguém que quer fazer convênio com o Brasil ou um cientista interessado vendo este tipo de comportamento? Não há sinal de viabilidade, é muito danoso para a imagem de um país", concorda Romano.

Por que pode ser estratégia

Rodrigo Prando, cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, vê a postura como parte desta estratégia adotada desde a eleição.

"Já está muito claro que é uma estratégia para eclipsar a visão das pessoas, para elas não se aterem ao essencial, se aterem ao alegórico, ao burlesco e não verem, por exemplo, o PIB pífio, abaixo do esperado."

"A ideia de que aquilo ali [atitudes de Bolsonaro] poderia ser emocional, autêntico, depois de um ano e três meses do mesmo comportamento, vê-se que não é, é estratégia. O que aconteceu não é isolado", argumenta Prando.

O advogado eleitoral Alberto Rollo concorda. "É mais uma manobra diversionista para afastar o foco principal do dia, que é: a economia não está indo como ele prometeu", avalia. "Ele prometeu que ia tirar o Brasil do buraco. 1,1% não é um fracasso, mas também não é um sucesso, então ele faz uma palhaçada para ninguém cobrar o resultado. Tira o foco."

Piadas pregam para convertidos

Dentro desta lógica, é preciso pensar também em quem aprova este tipo de comportamento — os apoiadores fiéis do presidente.

"Perceba que ele inverteu: geralmente é o poderoso que sofre, e o público ri. Com Bolsonaro, é ele que está satirizando jornalistas, especialistas e parcela substancial da sociedade. Qual é sua plateia? Hoje, só bate palma o bolsonarista fiel, que assume a defesa implacável do presidente, pois, para os outros, [a atitude] não tem mais muito sentido", avalia Prando.

"A classe política, por exemplo, já está tensa. O mercado quer o resultado econômico. E aí?"

"O que ele fez hoje — e tem feito sistematicamente — é utilizar do cargo, que deveria ser uma função para todo e qualquer assunto, para distrair e conquistar seu eleitorado. Ele está se definindo cada dia mais não como magistrado do povo, mas chefe de uma facção que delira com suas brincadeiras", afirma Romano, da Unicamp.

Letargia da oposição

Os analistas destacam também a falta de oposição aos atos de Bolsonaro e a capacidade de sua base de ocupar todo o debate público.

"Quem é a oposição ao governo Bolsonaro? Repondo: o governo Bolsonaro. Neste período, todas as crises foram geradas ou por ele, por seus filhos, ministros ou pelo Olavo de Carvalho. Quando não por todos juntos. Mas e a oposição? O PT saiu desgastado da eleição e tem uma característica hegemônica que atrapalha uma coalizão da dita esquerda", afirma o cientista político Prando.

"Nas condições normais, amanhã [05/03] teriam 30, 40 deputados na tribuna apontando pro Planalto, criando um enfrentamento. Quantos vão fazer? O presidente dá elementos [para críticas], mas estão aproveitando? Me aprece que não", conclui.

É inconsequente, mas não é crime de responsabilidade

Nas redes sociais, críticos ao presidente levantaram a questão de que se esta atitude não poderia ser considerada um crime de responsabilidade, o que poderia levar à abertura de um processo de impeachment. Para Alberto Rollo, não.

"É muito fraco. Pode ser mais uma opinião irresponsável, inconsequente, levando assunto sério na brincadeira, uma palhaçada, mas não é crime", avalia o advogado eleitoral.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.