Incapaz, Bolsonaro quer atribuir morte e fome aos governadores, diz Dilma
"Eu poderia estar batendo panela, só que eu te digo, não é a minha forma de luta, nunca foi bater panela". A afirmação é da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que cinco anos após ser alvo dos batuques de varanda ouve uma nova onda de panelaços, agora direcionados ao seu antagonista, Jair Bolsonaro (sem partido).
Em entrevista ao UOL, na última sexta-feira (03), a petista disparou contra o atual presidente e o considera "incapaz" de enfrentar a crise do novo coronavírus.
Dilma vê Luiz Henrique Mandetta (Saúde) no caminho certo para combater a pandemia e, assim como o ministro, defende o isolamento horizontal da população. Mas os elogios param aí. Para ela, as medidas econômicas anunciadas pelo governo são insuficientes e o desempenho de Paulo Guedes (Economia) é "deplorável".
"O presidente pretende atribuir aos governadores tanto as mortes com uma fome, o que é um escândalo. A responsabilidade é dele. Que é incapaz de agir concertadamente [de comum acordo]", disse.
Sem pretensões eleitorais, a sucessora de Lula (PT) se mantém em isolamento em sua casa, em Porto Alegre (RS), devido ao novo coronavírus.
Após Fernando Collor (1990-1992), Dilma foi o segundo presidente alvo de impeachment, por crime de responsabilidade. No entendimento dela, um eventual impeachment de Bolsonaro está condicionado ao ambiente político, às estruturas que sustentam seu governo e a comprovação de algum crime.
"Eu acho que todo mundo tem de ter o benefício da legalidade e da lei. Tem de ver se ataque à saúde pública, se desrespeito à vida é causa para impeachment. Se for, ele deve sofrer impeachment. Agora, eu tenho plena clareza que as relações políticas e as condições políticas prévias [é] que vão definir se vai ser ou não objeto de um impeachment", declarou.
Dilma ainda falou sobre a troca de afagos entre Lula e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
"É absolutamente correta, porque nós todos estamos no mesmo barco", afirmou sobre o combate ao coronavírus.
Veja os principais trechos da entrevista.
UOL - Diante da crise do novo coronavírus, qual análise você faz sobre o desempenho do Mandetta (Saúde), Paulo Guedes (Economia) e do Bolsonaro?
Dilma Rousseff - O desempenho do Paulo Guedes é deplorável. Ele tira das pessoas a condição para ficar isolado socialmente, porque está tirando das pessoas a renda que elas precisam para ficar em casa.
O Mandetta é o mais racional deles. Tem tomado várias iniciativas corretas, inclusive defende o isolamento social. A prioridade política hoje é o povo brasileiro, é a vida dele, a sobrevivência dele. E é também da atividade econômica.
As grandes empresas e os bancos são os mais beneficiados por esse governo, o dinheiro já chegou a eles. Enquanto isso, micro, pequeno e médio empresário, não. O padeiro, a cabeleireira da esquina, não vão ter dinheiro no dia seguinte.
Essa coisa de não repassar os R$ 600, Bolsonaro não pode alegar que tem dificuldade em pagar.
E o presidente Bolsonaro nessa condução?
Acho que é lamentável. Muita gente fala que é louco, irresponsável. Mas tem método, tem uma disputa política.
Sem a relação com os estados e os municípios você não chega na ponta, e essa é uma relação de cooperação, não de disputa. O presidente pretende atribuir aos governadores tanto as mortes como a fome, o que é um escândalo. A responsabilidade é dele. Que é incapaz de agir de uma forma concertadamente [de comum acordo].
Ele tinha de ser parceiro dos governadores. Não interessa se o governador vai disputar com ele a Presidência da República em 2022.
Bolsonaro tenta de uma forma tosca e grosseira transferir para os governadores responsabilidades, a responsabilidade é dele.
O ministro Mandetta é aquela andorinha que está voando direitinho, mas não faz verão
Dilma Rousseff
Nessa semana que passou, tanto o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), quanto o ex-presidente Lula (PT), fizeram postagens no Twitter. Lula reconhecendo ações do Doria, o Doria reconhecendo que estão todos no mesmo barco. Como você vê esse movimento?
É absolutamente correto. Nós todos estamos no mesmo barco. De fato, tanto o governador Doria e vários outros têm tido uma ação de preservação da vida, da saúde. Eu vejo os governadores inteiramente preocupados com a vida e a sobrevivência do povo brasileiro.
Há cinco anos, em março de 2015, houve os primeiros panelaços contra o seu governo. Agora, em março de 2020, os panelaços são contra o Jair Bolsonaro. Qual sua opinião sobre esses panelaços? Você bateu panela contra Bolsonaro?
Não, não. Eu poderia estar batendo panela, só que eu te digo, não é a minha forma de luta, nunca foi bater panela.
Como você vê essa bateção de panela?
Não acho que dá para fazer uma análise baseada nessa similaridade. Pelo fato de cinco anos depois, no mesmo mês, acho que não tem nenhuma condição supernatural ou sobrenatural.
O segmento que apoiava Bolsonaro, de classe média, desencantou bastante com ele e isso está refletido nas pesquisas. Estava claro que é uma pessoa contra a ciência, um terraplanista, que não respeita os dados científicos.
Uma pessoa que cria uma desconfiança pelo fato de haver mortes [pelo novo coronavírus], haver contágio, encher os hospitais. Uma pessoa assim provoca esse surto contrário a ele nesse segmento da classe média que bate panelas de forma legítima, porque está contrariando algo que eles esperavam dele.
Bolsonaro deveria ser alvo de impeachment? Ele termina o mandato em 2022?
Você veja como essa questão do impeachment é absolutamente de acordo com certos humores, que não são aqueles da legalidade. Eu sofri um impeachment sem crime de responsabilidade. Eu fui acusada de praticar algo que todos os presidentes, antes de mim tinham feito. Eu tinha feito também no primeiro mandato e não tinha sido crime.
O TCU [Tribunal de Contas da União] mudou a compreensão e me levou a um impeachment por ter emprestado dinheiro através do Banco do Brasil para o setor agrícola e não ter pago no mesmo mês. Eu paguei dentro do ano fiscal, não no mês seguinte, além de outras questões similares.
Eu acho que todo mundo tem de ter o benefício da legalidade e da lei. Tem de ver se ataque a saúde pública, se desrespeito à vida é causa para impeachment. Se for, ele deve sofrer impeachment. Agora, eu tenho plena clareza que as relações políticas e as condições políticas prévias [é] que vão definir se vai ser ou não objeto de um impeachment.
No seu segundo governo tinha um isolamento e tensionamento com o Congresso. Agora, Bolsonaro tensiona com os governadores, diversos setores da sociedade, o Judiciário, a mídia. Existe um limite para esses tensionamentos? Depende de manifestações sociais?
Manifestação social no isolamento é uma coisa meio difícil. Desculpa, mas panela só não adianta, não [risos]. Eu acho que o limite é a vida da população brasileira. Ela não pode ser colocada em risco por nenhuma descontrolado e tosco. Esse é o limite.
Assinar decreto devolvendo as pessoas para rua e para morte, não. Aí, não. Aí tem limite
Dilma Rousseff
O limite tem de ser da nossa consciência cidadã, dos brasileiros e das instituições: Congresso, Supremo e Forças Armadas, que hoje sustentam esse governo. Cada um vai ser chamado a sua responsabilidade perante a história do país e da nação.
Durante seu governo houve muitas críticas sobre os investimentos para Copa do Mundo de 2014. A oposição falava que o dinheiro que ia para estádios deveria construir hospitais. Ironicamente, hoje, parte dos estádios servem de hospitais de campanha. Foi um investimento equivocado?
Você não escolhe vai ter ou não uma Copa do Mundo. Nós tivemos ganhos com a Copa e são as estruturas que são benéficas para uma sociedade. Você pode transformar elas no você quiser. Essa questão da Copa do Mundo, é uma discussão interessante.
Falaram assim que a gente tinha de adotar o padrão Fifa? Ora, bolas. O padrão Fifa é aquele que prendeu todos os caras da Fifa por desvio de recursos? É esse?
Os estádios não eram para serem construídos com dinheiro público. Ocorre que chegou a Copa e o setor privado não construiu os estádios. Então uma parte, o governo teve de entrar. Eu não estou falando só do federal, os governos regionais também.
E esses estádios vão ter que ser transformados, ninguém tem estrutura para aguentar o pico da crise. Ninguém tem leitos suficientes.
A reforma e construção dos estádios para Copa de 2014 custaram cerca de R$ 8 bilhões, o que significa aproximadamente R$ 11 bilhões em valores corrigidos.
Você faz parte do grupo de risco do coronavírus. Como tem se cuidado nesses dias? Tem mantido contato com os netos? Tem feito isolamento?
Eu sou de fato do grupo de risco, tenho 72 anos. Não tenho tido contato com os meus netos, a não ser de forma virtual, tanto por WhatsApp, pelo Zoom também. Tem sido algo muito difícil porque você sempre quer os netos. Neto você tem de segurar, colocar no colo, beijar bastante, apertar um pouco até eles reclamarem da avó, então eu sinto imensamente essa distância [risos].
Agora, tenho perfeita consciência de que nós estamos enfrentando um vírus muito esperto. O vírus que chega devagarzinho fica, tem um tempo de incubação significativo e pode, portanto, surpreender. Então ou você tem uma vacina para combater ou tem um fármaco que funcione como um vetor viral. Como nós não temos nenhum dos dois, só temos um método e esse método é o isolamento social horizontal, porque as famílias são horizontais.
As famílias têm várias gerações, os amigos também. As relações interpessoais, elas implicam uma variável de faixas etárias. Então, na medida em que você tem só esse método de combate, é a única forma de lidar.
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