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É hora de aumentar déficit, corte só depois, diz relator da PEC emergencial

O relator da PEC emergencial na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) - Pedro França/Agência Senado
O relator da PEC emergencial na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) Imagem: Pedro França/Agência Senado

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

06/04/2020 04h00Atualizada em 06/04/2020 10h18

Resumo da notícia

  • Oriovisto Guimarães é o senador responsável por relatar uma das principais propostas do governo para cortar gastos
  • PEC foi apresentada no ano passado pelo ministro Paulo Guedes (Economia)
  • Para parlamentar, medida só deve voltar a ser analisada em 2021 após a pandemia
  • Proposta já tinha resistência de senadores por permitir a redução do salário de servidores públicos

Relator de uma das principais medidas do governo federal para cortar despesas e tentar equilibrar as contas públicas, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) afirma que o momento é de aumentar o déficit. Retomar a política de austeridade, só depois da pandemia do coronavírus, disse ele em entrevista ao UOL.

Oriovisto avalia não ser o momento de discutir, e muito menos votar, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) emergencial, embora defenda manter a iniciativa para 2021. A PEC foi apresentada em novembro do ano passado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como parte de um pacote para ajustes fiscais.

Nas últimas semanas, o governo federal tem buscado injetar dinheiro na economia para evitar demissões em massa e falência de empresas, sem que exista unanimidade em relação à maneira como isso tem sido conduzido. A vontade de impor limitações ao Orçamento se inverteu.

"Agora é hora de aumentar o déficit fiscal. É hora de permitir que o governo gaste mais do que se podia imaginar que fosse acontecer. [...] Vamos ter que liberar o governo do teto de gastos por algum tempo, não para sempre. Vamos ter que liberar o governo da regra de ouro, da responsabilidade fiscal, que levaria até a um impeachment", afirmou Oriovisto.

A proposta tramita na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, sem previsão de ser retomada devido à pandemia. Somente sessões plenárias da Casa estão sendo realizadas, e de forma remota.

Quando o senador ia apresentar seu relatório, as reuniões dos colegiados foram canceladas para evitar aglomerações em Brasília. Oriovisto chegou a discutir mudanças no parecer com Guedes para adequar o texto à crise sanitária, mas, com o agravamento da covid-19, doença causada pelo coronavírus, qualquer ação foi abortada.

O adiamento conta com o apoio da presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS). À reportagem, ela disse que a PEC hoje seria um "veneno que mata o paciente" e, dada a atual realidade, não se deve cortar salários de funcionários públicos, como a proposta possibilita.

"Seria enxugar gelo. Muitos municípios dependem dos salários dos servidores para fazer a economia girar e a medida só acentuaria a crise", falou. Ainda, julga não haver como discutir um tema tão delicado à distância.

O relator da PEC emergencial, senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), em conversa com a presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, senadora Simone Tebet (MDB-MS) - Jefferson Rudy/Agência Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado
O relator da PEC emergencial, senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), em conversa com a presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, senadora Simone Tebet (MDB-MS)
Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

A PEC já sofria resistência de senadores por ser impopular, especialmente em ano eleitoral como 2020, ao permitir a redução de até 25% do salário e da respectiva jornada de trabalho de parte de servidores públicos. As áreas de educação, saúde e segurança não seriam afetadas.

"O que o governo fez com a medida provisória em que autorizou as empresas privadas a reduzir o tempo de trabalho e salário dos funcionários da iniciativa privada? Autorizou reduções de até 70%. Por que os funcionários do poder público são tão especiais que não podem estar sujeitos ao mesmo critério?", argumentou o senador.

Outros pontos polêmicos no texto, que Oriovisto pretende manter no futuro, são a proibição de aumento salarial, suspensão de promoção em carreiras sem prejuízo para o funcionamento do Estado e a vedação de alguns concursos públicos.

Senador em seu primeiro mandato, Oriovisto Guimarães é um dos fundadores do Grupo Positivo, que comandou por 40 anos, e declarou à Justiça Eleitoral em 2018 ter patrimônio de R$ 239,7 milhões.

Para ele, taxar grandes fortunas, distribuição de lucros e herança, por exemplo, não é o caminho para ajudar a economia nem a população na crise. "A hora é de criar facilidades" para as empresas, disse.

Como grande empresário, ele afirmou acreditar que "todos nós vamos sair perdendo dessa crise" - trabalhadores e proprietários - e defendeu as ações de isolamento social de serviços não essenciais pregadas pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Leia a entrevista, concedida na quinta-feira (2), na qual o senador fala também de como o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) errou ao subestimar a pandemia e da necessidade de reformas política e tributária. O áudio da conversa está disponível ao final do texto.

UOL - Como fica a PEC agora que o governo está gastando mais? Perdeu o motivo de existir?

Oriovisto Guimarães - Ela vai ser necessária, mas não agora. Vai ser muito importante talvez para o ano que vem. Neste ano, quase tudo o que está ali não teria como ser aplicado. Não é ano de se criar restrições à economia.

É hora de fazer exatamente o contrário. É hora de aumentar o déficit fiscal, de permitir que o governo gaste mais do que se podia imaginar que fosse acontecer. Primeiro, vamos ter que resolver o problema da pandemia. Depois, vamos resolver o problema da economia. A economia você ressuscita. Pessoas mortas não são passíveis de serem ressuscitadas. Temos que cuidar da economia dentro dos limites que a pandemia impõe.

Por quanto tempo o governo federal deve ficar liberado do teto de gastos e da regra de ouro?

Enquanto durar o estado de emergência. Começou em março e deve ir até dezembro [de 2020].

A economia não vinha se recuperando como o esperado e, agora, com a pandemia vai piorar. Será bom ter uma PEC mais rígida quando passar a crise do coronavírus?

Não acho necessário. Já tem os instrumentos suficientes para ajudar governadores, prefeitos e o presidente a sair da crise fiscal. Não precisa mais do que tem ali.

Se a pandemia tiver passado depois das eleições de outubro, dá tempo de aprovar a PEC na CCJ em 2020?

Se a pandemia passar, vamos precisar dessa PEC. Ela foi bastante modificada. Conversei muito com o Paulo Guedes. Não pude ouvir o lado [por parte de associações, por exemplo] que seria favorável à PEC [porque veio a pandemia], mas todos que eram contra eu ouvi. Aceitei dezenas de emendas. Então, acho que hoje está um instrumento bem mais evoluído.

E sempre lembrando a ideia fundamental da PEC: não obriga ninguém a fazer coisa nenhuma. Ela simplesmente dá instrumentos. A decisão será sempre do Executivo municipal, estadual ou federal.

A PEC ainda atinge os servidores públicos por meio da redução de até 25% de salários e da respectiva jornada de trabalho. Também estabelece a proibição de aumento salarial, suspensão de promoção funcional em várias carreiras. Pretende manter esses pontos?

Sim. São os instrumentos para combater a crise. Vamos fazer uma comparação muito simples. O que o governo fez com a medida provisória em que autorizou as empresas privadas a reduzir o tempo de trabalho e salário de todos os funcionários da iniciativa privada? Autorizou reduções de até 70%. Por que razão os funcionários do poder público são tão especiais que não podem estar sujeitos ao mesmo critério?

Ninguém é louco de pensar que vai reduzir carga horária de escola, horas de atendimento de saúde, hora de trabalho de policial.

Quais outras carreiras seriam preservadas?

Muito difícil de enumerar todas elas. O governador, o prefeito, o presidente vai ter que analisar caso a caso. São dezenas, às vezes centenas, de carreiras que precisam ser analisadas uma por uma.

Como enxerga esse embate interno entre Bolsonaro e Mandetta?

Infelizmente, foi um engano que Bolsonaro cometeu. Não foi só ele. Vários líderes mundiais subestimaram a importância dessa epidemia e o perigo que representa para a humanidade. No último pronunciamento que o presidente fez à nação, já mudou bastante a postura dele. O vírus mostrou a precariedade dos países mais pobres para combater a epidemia e a fragilidade da nossa política.

Mandetta está fazendo tudo que pode. O Congresso está se reunindo de forma virtual, o que impõe limites muitos sérios. As sessões têm corrido bem, mas a própria dinâmica é muito complicada.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, têm divergido perante medidas adotadas na pandemia do coronavírus; Bolsonaro diz que não o demitirá "no meio da guerra" - Pedro Ladeira/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, têm divergido perante medidas adotadas na pandemia do coronavírus; Bolsonaro diz que não o demitirá "no meio da guerra"
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Como conciliar os interesses dos empresários e dos trabalhadores nesse período de crise?

Todos nós vamos sair perdendo dessa crise. Ninguém vai sair igual como entrou. Vai sair pior. Todos. Nossa saúde vai sair mais debilitada. Nossa economia vai sair muito mais debilitada. Nosso governo vai ter uma dívida pública muito maior. Muitos vão perder emprego, muitos vão perder a vida. E nós não temos ainda muitas certezas de quanto tempo isso vai durar.

No Senado tem se falado de vários projetos que poderiam ajudar a recompor as contas do governo. O projeto de tributação de lucros e dividendos é uma saída?

É muito fácil justificar a criação de novo imposto, mas pode ser um tiro que sai pela culatra. Não é hora. O Brasil já tem carga tributária de mais de 30% do PIB. Numa hora em que as empresas estão cessando suas receitas, em que o governo está tentando injetar dinheiro nas empresas, fazer qualquer coisa para tirar mais dinheiro dessas empresas vai na contramão de tudo o que o governo está fazendo. A hora é de criar facilidades.

Vamos ter que liberar o governo da regra de ouro, da responsabilidade fiscal, que levaria até a um impeachment. Tudo isso vai ter que ser suspenso temporariamente para que possa minimizar a crise provocada pelo coronavírus.

Quando sairmos da crise, temos que não criar mais impostos.

Se fala na transferência de parte dos R$ 2 bilhões do Fundo Eleitoral, mas não sai do papel. O que o Congresso pode fazer? O Muda, Senado, do qual o senhor é integrante, pode ser mais atuante?

Todos do Muda, Senado, somos cerca de 20 em 81, e muitos outros são totalmente favoráveis a pegar essa verba e jogar no combate ao coronavírus.

A pandemia coloca mais à vista as nossas fraturas. Assim como nossas mazelas sociais, está colocando às vistas nossas mazelas políticas. O Brasil tem quantidade absurda de partidos políticos. A legislação eleitoral está inteiramente comprometida. Esses partidos são verdadeiras propriedades privadas. Temos que reformar o sistema político inteiro.

Sai ainda neste governo uma reforma política por parte do Congresso?

É muito difícil. A questão toda é porque as pessoas que se beneficiam disso que está aí são exatamente as que têm que mudar [a legislação].