Senador infectado na comitiva critica Bolsonaro e defende Mandetta no cargo
Resumo da notícia
- Aliado do presidente, Nelsinho Trad (PSD-MS) ataca sua postura de questionar o isolamento social para enfrentar a pandemia
- Para o parlamentar, que é primo do ministro da Saúde, Mandetta não deve pedir demissão agora por ter "missão muito maior que qualquer intriga"
- Congressista chegou a ficar internado por causa da covid-19, com dor intensa no corpo e febre alta, e diz agora estar recuperado
Infectado pelo coronavírus quando viajou com a comitiva presidencial aos Estados Unidos, o senador e médico Nelsinho Trad (PSD-MS) criticou a postura do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de questionar o isolamento social durante a pandemia da covid-19, doença causada pelo vírus.
"Acho que ele, no mínimo, está cometendo um equívoco. E não sou eu que estou dizendo. Todas as recomendações de autoridades da imunologia, infectologia, do mundo, não é [só] do Brasil, falam que tem que fazer esse bloqueio", afirmou.
Considerado um aliado do Palácio do Planalto, Trad defende a permanência do primo Luiz Henrique Mandetta à frente do Ministério da Saúde, que tem tido o trabalho reconhecido pelas áreas médica e sanitária.
A forma como Bolsonaro contradiz as medidas recomendadas pelo próprio governo, porém, vem causando desconforto na família sul-mato-grossense do parlamentar.
Um de seus irmãos, o deputado federal Fábio Trad (PSD-MS), tem exposto abertamente a insatisfação nas redes sociais e chegou a afirmar que "ser demitido por ter sido fiel à medicina será razão de orgulho" para quem ama o saber e a razão.
Nelsinho Trad não acredita que Mandetta deva pedir demissão agora por ter "uma missão muito maior que qualquer intriga" e considera que Bolsonaro está se rendendo às diretrizes do ministério, aos poucos. No entanto, admite não saber até onde vão as consequências do que classifica como "sapo que o presidente teve que engolir".
"A sequela que isso vai gerar no futuro nunca se sabe. Se esse sapo que o presidente teve que engolir em função de toda essa batalha, se isso será digerido ou se lá na frente essa questão vai ser exaurida com a demissão dele [Mandetta]", disse.
Em parte do mandato de Nelsinho Trad como prefeito de Campo Grande, Mandetta atuou como seu secretário de saúde. Trad é urologista e Mandetta, ortopedista. Atualmente, um outro irmão seu, Marquinhos Trad (PSD), é prefeito da capital de Mato Grosso do Sul.
Recuperação e 'dia após dia'
O senador se recupera da infecção confirmada em 13 de março e ainda tem alguma tosse seca, tendo chegado a ficar internado em um hospital de Brasília. Segundo ele, os primeiros sintomas foram dor intensa no corpo, febre alta que não passava com remédios e dor de cabeça.
Depois do diagnóstico do secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten, Trad foi o segundo infectado da comitiva de Bolsonaro em visita ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na Flórida, em março. Pelo menos outros 23 integrantes da comitiva foram infectados pelo coronavírus.
Agora, o parlamentar retoma os trabalhos no Senado por meio das sessões virtuais e espera "virar essa página" em definitivo. "Dia após dia a gente tem que ir vencendo."
Leia a seguir os principais momentos da entrevista, concedida na quarta-feira (1º), na qual o senador fala também sobre a relação difícil de governadores e prefeitos com Bolsonaro e como o Brasil precisa estar preparado para o impacto da pandemia na agropecuária.
Como presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, ele ainda chama os ataques do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) à China como "um pouco fora de propósito", mas diz considerar o episódio superado.
UOL - O senhor está recuperado?
Trad - Graças a Deus, conseguimos vencer a pior fase dessa infecção viral. Ela vem de forma arrastada, te derruba, te deixa com febre, dor de cabeça, sem vontade de fazer nada. Dia após dia a gente tem que ir vencendo. Estamos prontos para poder fazer as outras etapas dos exames para definitivamente virar essa página.
Como começaram os primeiros sintomas e como foi a evolução da covid-19?
Essa doença se manifesta diferentemente em uma pessoa para outra. Em mim, ela veio com uma prostração, uma vontade de querer fazer nada, uma dor no corpo que você notava que estava diferente, febre e uma dor na cabeça.
A hora que via que a febre batia 39ºC, 38,7ºC, mesmo tomando dipirona, notei que tinha realmente algo fora do normal e daí fui procurar atendimento médico tendo já o histórico de ter tido contato com alguém [infectado] na viagem.
Como médico, o sr. acredita que o isolamento social é a melhor alternativa para evitar a propagação do coronavírus?
Eu não acredito, tenho convicção absoluta. A partir do momento em que a gente se isola, você que funciona como um canhão de contaminação para os outros, você bloqueia isso. Então, é uma forma, sim, de, ficando na quarentena, evitar passar essa doença para os outros e, consequentemente, se curar. E, em se curando, fica com anticorpos para não pegar de novo esse tipo de infecção do coronavírus.
Bolsonaro tem saído às ruas, feito passeios por Brasília. Ele está subestimando a pandemia?
Acho que ele, no mínimo, está cometendo um equívoco. E não sou eu que estou dizendo. Todas as recomendações de autoridades da imunologia, infectologia, do mundo, não é [só] do Brasil, falam que tem que fazer esse bloqueio. De forma que, se alguém faz diferente, está, no mínimo, contrapondo às orientações dos especialistas.
Não deveria ter uma mudança de postura dele em relação à pandemia?
A gente tem que se unir, procurar entender o outro, deixar suas diferenças de lado. Todo mundo se unir em torno do combate a esse tipo de infecção que a gente já viu em outros países que menosprezaram esse isolamento.
É hora de deixar essas situações polêmicas para um outro momento e vamos com esse bloqueio tentar diminuir a infecção desse vírus no nosso país.
O senhor é primo do ministro da Saúde. Seu irmão, o deputado federal Fábio Trad, afirmou ser a favor de que o Mandetta renuncie. O senhor também defende que o Mandetta saia?
Não. Acho que isso foi um momento de tensão que aconteceu. Estava todo mundo, ainda estão, né, abalados com toda essa situação. Repercussões econômicas, de um futuro incerto. Isso afeta a cabeça de quem está comandando. E o ministro da Saúde acabou se envolvendo nesse turbilhão. Mas ele tem uma responsabilidade devidamente acertada com a ciência, com a sociedade brasileira.
O Mandetta tem o dever e uma missão muito maior que qualquer intriga que possa haver entre esse ou aquele. Acho que ele soube superar isso. Ele é uma pessoa habilidosa, se cercou da tecnologia, da ciência e passou por cima dessa situação.
A sequela que isso vai gerar no futuro nunca se sabe. Se esse sapo que o presidente teve que engolir em função de toda essa batalha, se isso será digerido ou se lá na frente essa questão vai ser exaurida com a demissão dele [Mandetta]. Não acho que ele deve pedir demissão.
Como o sr. enxerga a briga entre o presidente e prefeitos e governadores?
O prefeito Marquinhos Trad, de Campo Grande, não tirou essas medidas que ele implantou lá da cabeça dele. Existe por detrás de toda essa situação conceitos e doutrinas preconizadas pela Frente Nacional de Prefeitos. Está referendado pelo colegiado que está colocando aos prefeitos as opções que existem cientificamente para o enfrentamento nas suas respectivas cidades.
Poderá ter consequências em função desse aperto que ele está dando lá com a economia baixando, a arrecadação baixando, problemas na grade escolar? Poderá. Agora, o que pode não ser superado diante de uma estatística que possa perdurar? Não morreu ninguém [em Campo Grande]. Isso tem preço?
E como a relação entre os prefeitos e governadores com o presidente?
É um exercício, pode ter tido um abalo agora. Deverá ser retomado. Me lembro que, quando era prefeito, era sempre cultivado pelos presidentes com os quais passei e acho que precisa ser também pelo Palácio do Planalto. Até porque é a base estrutural que mantém o contato epidérmico com o eleitor. É o prefeito, o vereador lá na ponta, administrando as cidades onde as coisas acontecem.
O senhor é de Mato Grosso do Sul, estado fundamental para a agropecuária brasileira. A gente não tem visto desabastecimento nos mercados, mas como a pandemia pode afetar o setor?
Qualquer análise que se faça agora é meramente uma possibilidade. A gente tem que esperar, não sofrer por antecipação, procurar se organizar com planejamentos em situações de queda de safra, de queda de exportação, para que a gente possa fazer frente a toda essa história que, com certeza, acontecerá no futuro.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) já culpou a China pela propagação do coronavírus. Isso pode afetar a diplomacia entre os dois países?
Ainda bem que isso foi superado, porque foi, assim, no mínimo, um pouco fora de propósito. Não precisaria daquilo. Essa questão foi devidamente reparada por parte das autoridades brasileiras. O próprio presidente ligou para o presidente da China, e acho que é página virada.
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