Por que os privatistas Doria e Covas buscam o Estado para conter a covid-19
Resumo da notícia
- João Doria e Bruno Covas se elegeram para a prefeitura de São Paulo com um programa pautado na privatização e no enxugamento do Estado
- Hoje governador e prefeito recorrem à intervenção do poder público para tentar conter o avanço do coronavírus
- Cientista político da USP afirma que Doria e Covas estão descobrindo o limite da iniciativa privada
- Pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas diz que a dupla do PSDB está ocupando vácuo deixado pelo governo federal
Nas eleições municipais de 2016, a chapa tucana João Doria e Bruno Covas se elegeu para a prefeitura de São Paulo com um programa pautado na privatização e no enxugamento do Estado.
Um vídeo apresentado por Doria em fevereiro de 2017, quando iniciava a gestão como prefeito, mostrava seus planos a investidores dos Emirados Árabes e teve ampla repercussão na mídia. Imagens aéreas exibiam o Parque do Ibirapuera, o estádio do Pacaembu, o Complexo do Anhembi e o autódromo de Interlagos, enquanto uma voz destacava, em inglês, as estruturas. Doria definiu como o "maior plano de privatização da história" de São Paulo.
Hoje, ocupando os cargos de governador e prefeito, respectivamente, ambos recorrem à intervenção do poder público para tentar conter o avanço do novo coronavírus.
"Talvez, no futuro, eles usem o argumento 'a gente utilizou [o Estado] quando precisava de uma resposta rápida'. O que eles estão fazendo de fato não condiz com o que falaram, mas, como ninguém poderia imaginar nada parecido, estão agindo corretamente", opina o cientista político Glauco Peres, professor da USP (Universidade de São Paulo).
Eles estão descobrindo o limite da iniciativa privada. Achavam que dava para tudo, e não dá, tem coisa que vai depender do Estado."
Glauco Peres, cientista político e professor da USP
Antes de abandonar a prefeitura para concorrer ao governo do Estado, Doria não conseguiu emplacar nenhum de seus 55 projetos de privatização. Coube a Bruno Covas tocar a agenda após assumir a prefeitura. No final de 2019, Covas teve êxito na privatização do Mercado de Santo Amaro e do estádio do Pacaembu.
"Não é necessariamente uma contradição, mas estamos vivendo uma situação em que a iniciativa privada não consegue dar conta do problema. É uma questão de saúde pública, de ordem coletiva, e somente o Estado, por sua coordenação, consegue resolver", argumenta o professor Peres.
Reformas do Guedes agora? "Absurdo"
Para a cientista política Lilian Furquim, vice-diretora da FGV EESP (Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas), Doria e Covas estão preenchendo um vácuo de liderança e coordenação deixado pelo governo federal.
De acordo com a pesquisadora, do ponto de vista eleitoral, sempre há um pensamento no futuro por parte dos políticos, e nem mesmo os que se alinham ao discurso do "estado mínimo" querem ter no currículo milhares de mortes causadas pelo coronavírus.
Paulo Guedes chegou a falar que a solução para a crise do coronavírus era impor mais reformas, o que é absurdo. Eles [do governo federal] estão perdidos, ficaram semanas sem dar nenhum retorno"
Lilian Furquim, cientista política, sobre a atuação do governo federal
"A equipe da Economia do governo federal não tem o software necessário para rodar e resolver o problema de hoje. Se apegaram demais à ideologia, e ideologia também mata", acrescenta Furquim.
A reportagem do UOL selecionou três momentos em que Doria e Covas abandonaram suas características privatistas e recorreram ao poder estatal para amenizar a propagação da covid-19:
Quarentena e fiscalização
Desde o início da pandemia, o governo do estado e a prefeitura de São Paulo se colocaram na linha de frente das medidas restritivas, em decorrência do novo coronavírus. Contrariando parte do empresariado e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Covas e Doria ordenaram o fechamento de todos os comércios considerados não essenciais.
Mesmo com a perda de arrecadação por parte do Estado, os dois mantiveram a posição amparada pelos especialistas que estudam a covid-19.
Ontem, Doria anunciou, em meio a críticas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que estenderá a quarentena por causa da covid-19 até o dia 22 de abril e que usará a Polícia Militar para reforçar o isolamento social.
Dezenas de veículos da Prefeitura e mais de dois mil fiscais foram colocados nas ruas, nos primeiros dias de quarentena, para verificar se os comerciantes estavam cumprindo as regras restritivas. Tudo vai permanecer fechado até pelo menos 7 de abril, e a tendência é que as restrições permaneçam depois dessa data.
Hospital no Pacaembu
Desde o dia 25 de janeiro, a concessionária Allegra, vencedora do processo de licitação, é responsável pela gestão do Pacaembu. A empresa promete desembolsar R$ 111 milhões para tomar conta do equipamento por 35 anos.
Por conta da pandemia do novo coronavírus, no entanto, o estádio teve de ser transformado em hospital de campanha e passou por obras para receber pacientes diagnosticados com covid-19 de média e baixa complexidade. A gestão será feita pelo Instituto Social do Albert Einstein, mas a responsabilidade por toda a infraestrutura é da prefeitura.
O complexo do Anhembi, que está no plano de privatização de Covas, também será utilizado para acolher pacientes. Lá, estão sendo montados mais 1,8 mil leitos de baixa e média complexidade.
Intervenção em hospital
A maioria das mortes pela covid-19 no estado de São Paulo tem acontecido nos hospitais da rede de planos de saúde Prevent Senior. Até o último dia 31, data do balanço mais recente produzido pela prefeitura, a operadora de saúde concentrava 79 mortes pelo novo coronavírus na cidade de São Paulo.
A vigilância sanitária da prefeitura fez duas inspeções no local, uma delas acompanhada por equipe da Secretaria de Estado da Saúde. Foram constatadas falhas na comunicação de casos confirmados da doença, o que fere as leis da cidade de combate a doenças infecciosas. As equipes também constataram problemas estruturais nas unidades da Prevent Senior.
Na sexta-feira (27), a Prefeitura pediu uma intervenção imediata de três hospitais da rede. O pedido foi levado à secretaria de saúde do estado, que tem competência para esse tipo de intervenção.
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