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PGR retém notificações do MPF a ministérios e já afeta decisões estaduais

Procurador-geral da República, Augusto Aras, durante cerimônia em Brasília -
Procurador-geral da República, Augusto Aras, durante cerimônia em Brasília

Gabriela Sá Pessoa

Do UOL, em São Paulo

15/04/2020 04h03

Resumo da notícia

  • PGR orienta ministérios a enviarem à procuradoria as recomendações feitas pelo MPF
  • Decisão, com foco no governo federal, já começa a afetar encaminhamentos nos estados
  • Questões relacionadas à covid-19 agora passam por Brasília, e MPF cobra agilidade
  • Associação de procuradores estuda ação contra o procurador-geral, Augusto Aras

Após a orientação do procurador-geral da República, Augusto Aras, para que ministérios enviem ao seu gabinete todas as recomendações do MPF (Ministério Público Federal), até mesmo governos estaduais têm devolvido, sem resposta, demandas de procuradores relacionadas à pandemia de coronavírus.

As novas diretrizes de Aras foram mal-recebidas por membros do MPF. Ontem, 24 dos 27 procuradores regionais que atuam no gabinete da PGR (Procuradoria-Geral da República) dedicado ao coronavírus divulgaram nota em discordância à medida e afirmam que não foram "sequer comunicados formalmente" sobre o ofício.

Fábio George Cruz da Nóbrega, presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), afirma que qualquer recomendação dos procuradores regionais endereçada a um ministro de Estado já é enviada à PGR.

O efeito do novo ofício, ele argumenta, é fazer com que todas as recomendações enviadas aos ministérios, ainda que não sejam endereçadas aos ministros, sejam devolvidas, o que dificulta a solução de problemas relacionados à epidemia.

"Nos parece que essa medida tira agilidade da solução de inúmeros problemas que foram detectados por colegas no país inteiro. Os procuradores nas mais diversas regiões — nos interiores, nos sertões — estão convivendo com a realidade local, sabem as urgências e são eles que podem atuar de maneira a corrigir equívocos com agilidade", afirma.

Em nota divulgada na terça-feira, a PGR afirmou que a medida não interfere na independência funcional do Ministério Público. Além disso, argumentou que o Conselho Nacional do Ministério Público já decidiu que a recusa do procurador-geral em enviar recomendações às autoridades não caracteriza violação da independência funcional.

Procurador-geral estabeleceu novo trâmite em meio à pandemia

Em 8 de abril, a PGR enviou ofícios com as orientações a 20 dos 22 ministros de Jair Bolsonaro (sem partido), entre eles Luiz Henrique Mandetta (Saúde), Paulo Guedes (Economia), Sergio Moro (Justiça) e Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia).

Nesses documentos, Aras argumenta que a prerrogativa de se dirigir a ministros de Estado é do procurador-geral da República, e não de procuradores federais de instâncias inferiores.

Por isso, as demandas deveriam ser repassadas ao "Gabinete Integrado de Acompanhamento do Covid-19 (Giac)", instituído na PGR com membros da equipe de Aras e representantes do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).

Um dia após o ofício de Aras, o Ministério da Cidadania já mencionou a orientação da PGR ao não atender uma recomendação do MPF- DF.

A Procuradoria havia recomendado, em 2 de abril, que a pasta fornecesse, em cinco dias corridos, alimentos e materiais de higiene a indígenas. Em resposta, o ministério disse que encaminhou a recomendação para avaliação da PGR e anexou manifestações de duas áreas técnicas.

Em 7 de abril, o MPF do Espírito Santo recomendou que o estado cumprisse a orientação do Ministério da Saúde para notificar todos os casos suspeitos de covid-19 e apurasse o número de casos suspeitos da doença. Seis dias depois, na última segunda-feira (13), a Procuradoria-Geral estadual disse que iria centralizar "todas as informações referentes ao tema" em uma comunicação ao gabinete de Aras.

Procuradores reagem à determinação da PGR

A ANPR avalia mover uma ação judicial contra Augusto Aras. Segundo o órgão, as determinações da PGR ferem a independência funcional dos membros do MPF.

"Não tiro a relevância de qualquer coordenação nesse trabalho [de combate ao coronavírus] que seja adotada no país. Mas esse gabinete [criado na PGR] não tem hierarquia sobre a atuação dos colegas de maneira que possa fazer a reavaliação da atuação [dos procuradores], como o ofício dá a entender", afirma Nóbrega, presidente da associação.

Nas últimas semanas, procuradores de primeira instância obtiveram decisões judiciais que reverteram medidas do governo federal, como a que suspendeu a divulgação da propaganda institucional da Presidência da República que contrariava de distanciamento social, sob o slogan "O Brasil não pode parar".

Para Nóbrega, essas ações evidenciam a importância de resguardar a independência de atuação do MPF. "Não podemos desapegar das bases científicas neste momento, temos que seguir as orientações da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde."