Topo

Analistas veem Moro fortalecido e Bolsonaro sob risco de impeachment

Ana Carla Bermudez, Alex Tajra, Gabriel Saboia, Luis Adorno e Wanderley Preite Sobrinho

do UOL em São Paulo

24/04/2020 13h36Atualizada em 25/04/2020 00h48

Resumo da notícia

  • Sergio Moro deixou o Ministério da Justiça acusando Bolsonaro de tentar interferir na PF
  • Investida de Bolsonaro seria crime de responsabilidade passível de impeachment
  • Enquanto o presidente se aproxima do impeachment, Moro se cacifa para as eleições de 2022

Embora tenha aberto mão do emprego de juiz e agora esteja fora do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro está agora mais forte e empurrou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para mais próximo de um impeachment. A avaliação é de cientistas políticos e especialistas em segurança pública consultados pelo UOL.

Os analistas entendem que a cartada de Moro foi sair do governo atirando: enquanto acusa Bolsonaro de cometer um crime de responsabilidade, ele se transforma em opção à corrida presidencial em 2022.

"O pronunciamento de Sérgio Moro é uma verdadeira delação", afirma Bruno Salles, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. "Esse é provavelmente o golpe fatal ao que resta do governo Bolsonaro. Moro sai capitalizado politicamente e esse pode ser o passo inicial rumo a sua candidatura à presidência."

A "delação" de Moro indicaria que Bolsonaro "é um governante usando a máquina pública a seu favor, a qualquer custo", diz o cientista político Gilberto de Palma, diretor do Instituto Ágora em Defesa do Eleitor e da Democracia.

Para os juristas, ao tentar acessar informações sigilosas, Bolsonaro pode ter atentado contra o livre exercício do Poder Judiciário — o que se enquadraria como crime de responsabilidade, cuja pena é a perda do cargo.

"O debate sobre impeachment entra hoje em uma nova fase. E é realmente muito impressionante a gente discutir isso no meio de uma pandemia", afirma o mestre em direito constitucionalista Pedro Abramovay, que também é diretor para a América Latina da OpenSociety Foundations.

Mas quem decidiu demitir o ministro da Saúde, formar coalizão com o centrão, demitir o diretor da Polícia Federal nesse período foi o presidente.
Pedro Abramovay

Menos poder, mais potencial

Ao deixar o governo, Moro perde poder, mas ganha potencial, avalia o professor de Criminologia e Direito Penal da USP, Mauricio Stegemann Dieter.

O caminho até uma possível eleição em 2022, no entanto, tem entraves com nome e sobrenomes conhecidos.

"Evidente que Moro perdeu poder: está fora do Ministério, não tem a perspectiva de ser indicado ao STF (Supremo Tribunal Federal), antagoniza com a família Bolsonaro e não tem a possibilidade de simplesmente retornar à magistratura. Ele está preso à vida política daqui em diante, e precisará se reinventar", diz Dieter. "Está, por isso, tentando capitalizar o apoio político que ainda tem."

Ao mesmo tempo em que se transforma em opção para 2022, Moro sangra o governo Bolsonaro. "O governo perde seu principal nome, que emprestava ao governo alguma aparência de moralidade, legalidade e tecnicidade. Agora, nesse nível mínimo de 'decência' (entre aspas) de seu primeiro escalão, só restou Paulo Guedes, que, se for minimamente inteligente, também vai abandonar esse Titanic", diz o professor.

"Moro sai maior", aposta Rafael Alcadipani, professor de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas). "Em termos de combate à corrupção, o Moro sai maior ao se desvencilhar do presidente. E Bolsonaro vai ter muita dificuldade em se manter no governo com essa situação."

"Bolsonaro sai menor em termos eleitorais, e Moro já sai como candidato", afirma Claudio Couto, professor da FGV. "O míssil de Moro certamente causou avarias, é muito pesado para o governo. O Bolsonaro se elegeu em boa medida auxiliado pelas ações do próprio Moro, a tirada do Lula da competição, a liberação da delação do Palocci.

Saindo do jeito que saiu, o dano é imenso, porque muitas pessoas são bolsonaristas de ocasião, mas moristas de coração
Claudio Couto, professor da FGV

Moro diz que Bolsonaro tentou interferir na PF

AFP