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À frente de ministério, Moro perdeu no Congresso e viu PF menos ativa

Jair Bolsonaro e Sergio Moro em solenidade no Palácio do Planalto em outubro de 2019 - Mateus Bonomi/AGIF
Jair Bolsonaro e Sergio Moro em solenidade no Palácio do Planalto em outubro de 2019 Imagem: Mateus Bonomi/AGIF

Igor Mello

Do UOL, no Rio

24/04/2020 18h48

Empossado com status de superministro, Sergio Moro sofreu desgastes após vazamento de conversas privadas com procuradores da Lava Jato e atritos com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). À frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o ex-juiz federal amargou seguidas derrotas em sua relação com o Congresso e deixa um saldo de menos ações deflagradas pela Polícia Federal, mais importante órgão vinculado à pasta.

Moro assumiu o comando do ministério prometendo focar suas ações na redução da criminalidade violenta e no combate ao crime organizado e à corrupção —sua principal bandeira como juiz responsável pela Operação Lava Jato. Apesar disso, teve dificuldades em emplacar iniciativas legislativas que considerava importantes e viu a PF como um todo e a própria Lava Jato reduzir o ritmo de ações.

Pacote anticrime esvaziado e perda do Coaf

A maior derrota de Moro junto ao Congresso foi o pacote anticrime, conjunto de mudanças na legislação criminal pensada para ser a marca de sua gestão. Apresentado em fevereiro de 2019 ao Congresso, o projeto só foi aprovado em dezembro com um teor muito diferente do proposto originalmente.

Uma articulação da oposição de esquerda e do Centrão derrubou pontos centrais da proposta do governo, como a legalização das prisões após condenação em segunda instância, a ampliação das situações de excludente de ilicitude para policiais e o "plea bargain" —acordo penal entre Ministério Público e um réu para o cumprimento de uma pena menor sem que haja necessidade de um processo judicial.

Também viu a criação do juiz de garantias, interpretada como uma resposta à sua atuação à frente da Lava Jato. A medida cria um juiz responsável especificamente pela instrução penal, fase em que há produção de provas e concessão de medidas cautelares durante a investigação. Esse magistrado não poderia julgar o caso.

As críticas à condução de processos por Moro foi uma constante durante toda a operação, mas foram intensificadas após mensagens vazadas dos celulares de procuradores da Lava Jato — obtidas pelo site The Intercept Brasil e reportadas em conjunto com outros veículos, entre eles o UOL— mostrarem que Moro orientou manifestações do MPF (Ministério Público Federal), discutiu linhas de investigação e chegou a indicar uma testemunha aos procuradores, o que, segundo críticos, viola a equidistância que um juiz é obrigado a manter entre a acusação e a defesa em um processo.

Outra derrota foi a decisão do Congresso de devolver a UIF (Unidade de inteligência Financeira) —novo nome do antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras)— para o Ministério de Economia (hoje o órgão se encontra sob o Banco Central). Historicamente o órgão, que monitora movimentações bancárias e patrimoniais suspeitas, esteve ligado ao Ministério da Fazenda, mas seu controle foi entregue a Moro durante a reforma administrativa feita por Bolsonaro ao assumir o governo.

Sob Moro, PF faz menos operações e apreensões

Ao longo de sua gestão, Moro tentou capitalizar a redução de índices criminais no Brasil —que já havia sido iniciada durante a gestão de Michel Temer (MDB), em 2018. Dados do Ministério da Justiça mostram que, em 2019, o número de homicídios no Brasil caiu 19%. No entanto, a maioria dos especialistas considera que a queda tenha tido relação com uma série de fatores, como a ação dos governos estaduais e mudança na dinâmica de facções criminosas no país.

Apesar disso, o número de ações da PF —principal órgão de segurança pública na esfera da União— caiu na gestão de Moro. Em 2019, a PF realizou 1.062 operações, uma redução de 32% em relação a 2018, quando houve 1.563 operações. É a primeira redução nesse tipo de ocorrência desde 2008.

Embora Moro tenha definido como prioridade o combate a crimes cometidos nas fronteiras, dados obtidos pelo UOL por meio da Lei de Acesso a Informação mostram que a produção da PF nesse tipo de ação também caiu. Em 2019, a PF fez 49 operações para combater esse tipo de delito, contra 59 em 2018, e 61 em 2017.

Em relação às principais drogas —maconha, cocaína, haxixe e skank— o volume apreendido também foi menor. Em 2019, foram 199,5 toneladas apreendidas, enquanto em 2018 foram 216 toneladas. Já a apreensão de drogas sintéticas aumentou de 15,1 mil para 52,1 mil unidades entre 2018 e 2019.

Lava Jato em marcha lenta

Mesmo a Operação Lava Jato, que deu a Moro notoriedade nacional, também viu seu ritmo de trabalhos cair consideravelmente em 2019, primeiro ano da gestão de Moro à frente da pasta.

A força-tarefa em Curitiba —braço original da Lava Jato— realizou 13 operações em 2019, mas fez apenas 18 prisões no período, o menor número para um ano desde o início da operação, em 2014.

Apenas na última ação deflagrada em 2018 —a Operação Sem Fundos, 56ª fase da Lava Jato— teve 22 alvos presos.

A queda de ritmo da Lava Jato é explicada, em parte, pela decisão de suspender todas as investigações com base em dados de inteligência financeira, proferida pelo ministro Dias Toffoli, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal). A liminar atendeu a pedido do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho mais velho de Jair Bolsonaro, investigado pelo Ministério Público do Rio por um suposto esquema de rachadinha durante seus mandatos como deputado estadual, conhecido como Caso Queiroz.

Por conta da decisão, dezenas de investigações ao redor do país ficaram suspensas entre julho e dezembro, quando o compartilhamento de dados pelo Coaf foi liberado pelo STF. Moro foi contrário à liminar e chegou a procurar Toffoli para pedir que ela fosse derrubada, o que desagradou Bolsonaro e gerou a primeira crise na relação entre os dois. Na ocasião, a demissão do ex-juiz chegou a ser especulada.

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