O que é juiz de garantias, criticado por Moro, mas sancionado por Bolsonaro
Resumo da notícia
- Bolsonaro rejeitou pedido de Moro e sancionou lei do pacote anticrime sem vetar criação do juiz de garantias
- Regra determina que o juiz de garantias acompanhe apenas a fase de inquéritos
- Após apresentação de denúncia, caberá a outro juiz ficar responsável pelo processo
- Para especialistas, medida pode trazer mais isenção ao Judiciário
- Eles afirmam, no entanto, que a lei pode ter deixado lacunas para algumas situações
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decidiu não atender a um pedido do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e sancionou a lei do pacote anticrime sem vetar a criação do juiz de garantias. Essa figura não fazia parte do texto original do pacote, apresentado por Moro em fevereiro, e foi incluída pela Câmara dos Deputados.
A manutenção da regra foi motivo de polêmica nas redes sociais: após surgirem acusações de traição por parte do presidente, Bolsonaro se defendeu afirmando que não pode "sempre dizer não ao Parlamento". Mas, afinal, o que é e o que faz o juiz de garantias? Que diferença essa figura pode trazer para o Poder Judiciário?
Segundo a lei, o juiz de garantias será responsável "pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais". O texto diz, ainda, que "recebida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento".
A lei, no entanto, não deixa claro onde ficarão lotados os juízes de garantia. Diz apenas que "o juiz das garantias será designado conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem periodicamente divulgados pelo respectivo tribunal".
Fernando Castelo Branco, advogado criminalista e professor de processo penal na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), diz ver na medida uma possibilidade de se ter um Judiciário mais independente, em que "nem tudo fique vinculado a um único juiz". Ele pondera, no entanto, que a lei pode ter deixado lacunas para algumas situações.
Moro, por exemplo, questiona a aplicabilidade da regra para comarcas que têm apenas um juiz. Para situações como essa, o texto prevê que, "nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão um sistema de rodízio de magistrados". Em parecer enviado ao Planalto, o ministério de Moro afirmou que a criação do juiz de garantias dificulta a elucidação de casos complexos, como corrupção e lavagem de dinheiro.
"Cabe não só ao Congresso eventualmente corrigir essas lacunas como ao Judiciário achar meios para dar mais executabilidade a essa lei de forma que ela não perca eficácia", afirma o advogado.
Castelo Branco diz que, na prática, a lei determina uma divisão de trabalhos: enquanto o juiz de garantias acompanhará a fase de inquérito (isto é, de investigação), o juiz de instrução e julgamento entrará em cena após o oferecimento de denúncia pelo MP (Ministério Público) —quando a investigação é transformada, de fato, em ação penal.
Dessa forma, o segundo juiz é que estará envolvido no julgamento do caso, e não o primeiro.
O juiz de garantias vai servir mais para fracionar o processo, no sentido de que a fase de investigação, em que ainda se coletam provas para que se possa ter o oferecimento de uma denúncia, fique a cargo de outro juiz, e não daquele que vai cuidar do processo"
Fernando Castelo Branco
Como responsável pela etapa pré-processual, o juiz de garantias cuidará, por exemplo, de uma fase de investigação da Polícia Federal. "Ele vai analisar o cabimento ou não de conceder as medidas cautelares: uma busca e apreensão, um decreto de prisão, bloqueio de bens, quebra de sigilo financeiro ou telefônico", afirma Castelo Branco.
Segundo ele, a partir do momento em que há o oferecimento de uma denúncia, todo o "pacote" construído na fase do inquérito passa para as mãos do juiz de instrução e julgamento.
Não vai haver uma discussão sobre se algo ainda está sendo analisado pelo juiz de garantias. Tudo é passado [ao juiz de julgamento], e o marco temporal para isso é o oferecimento da denúncia ou queixa"
Fernando Castelo Branco
Medidas tomadas pelo juiz de garantias podem ser derrubadas
A lei estabelece ainda que as medidas cautelares tomadas pelo juiz de garantias (como, por exemplo, uma ordem de prisão ou de sequestro de bens) devem ser revistas pelo juiz de instrução e julgamento, em um prazo máximo de 10 dias.
O advogado criminalista Daniel Bialski afirma que, com isso, o juiz de instrução e julgamento terá plena autonomia para decidir se mantém ou não todas as medidas determinadas pelo juiz de garantias. Para ele, a medida contribui para que haja maior isenção no julgamento de um processo.
"O juiz de instrução e julgamento vai receber a investigação e, a partir daí, vai analisar todas as provas para tirar suas próprias conclusões", pontua.
Castelo Branco pondera que a medida não é garantia absoluta de uma conduta correta e isenta. "O que se imagina é que esse juiz de garantia esteja desvinculado do juiz da instrução e que cada um possa pensar com liberdade acerca das condutas que vão ser postas em julgamento", afirma.
"A grande vantagem de se ter um juiz de garantia é justamente para que ele não tenha sua imparcialidade diminuída por conta das diligências primárias que ele venha a decidir. Porque, a partir do momento em que ele dá uma determinação, dificilmente ele mudaria de entendimento", diz Bialski.
Segundo ele, a instância do juiz de garantias já funciona na prática em São Paulo, por meio do Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais), do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), onde juízes analisam a conveniência ou não das providências requeridas pelo MP ou pela polícia.
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