Presidente do Fórum de Segurança Pública: "Nunca houve carta branca" a Moro
Presidente do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) e considerado uma das maiores autoridades brasileiras na área, o sociólogo Renato Sérgio de Lima avalia que Sergio Moro deixa o Ministério da Justiça sem um legado positivo para o país.
Apesar de Moro ter adotado postura de antagonismo ante o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em sua saída, o sociólogo diz acreditar que as amarras e concessões feitas pelo ex-juiz da Operação Lava Jato em seu período no governo mostram que ele nunca ocupou de fato o posto de superministro. "Nunca houve carta branca nenhuma", analisou Lima em entrevista ao UOL.
Para o presidente do FBSP, Moro desperdiçou seu capital político ao não investir em uma mudança estrutural no sistema de justiça e segurança pública logo no início de sua gestão, e viu sua imagem de arauto do combate à corrupção ser arranhada pela permanência em um governo que ataca mecanismos de transparência e controle social.
Interferência na PF e impacto da demissão
Lima afirma que a PF não irá aceitar um novo diretor que seja visto como interferência de Bolsonaro na corporação. Na sua avaliação, o fato de Moro deixar o cargo atirando forçará o presidente a indicar um nome menos alinhado a seus interesses do que pretendia inicialmente.
A reação de Moro vai exigir um recuo na escolha de um nome como o do Anderson Torres [delegado da PF e secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, especulado como possível substituto de Valeixo desde 2019]. Ele se enfraquece, e ganha força o Alexandre Ramagem, diretor da Abin [Agência Brasileira de Inteligência]
"O que Moro tentou fazer foi evitar a escolha de um dos dois, tanto Ramagem quanto Anderson, e tentar forçar uma escolha de um nome que não tenha tanto a cara da família Bolsonaro."
Para o presidente do FBSP, a PF pode resistir a um comando considerado a serviço do Palácio do Planalto. "A Polícia Federal tem a característica de ser muito ciosa de seu espaço. Não necessariamente vai se rebelar, mas pode dificultar o trabalho."
Queda marca derrota da Lava Jato
O sociólogo avalia que a queda de Moro e de seus auxiliares —praticamente todos também com atuação nas investigações no Paraná— marca o fim da Operação Lava Jato como conhecemos hoje.
A forma como esses operadores acabaram fazendo a passagem do sistema de Justiça para a política —e Moro é o caso mais emblemático disso— politizou de vez a Lava Jato. Quem acaba perdendo com isso é o combate à corrupção. Ele continua existindo, mas a Lava Jato enquanto empreendimento coordenado entre Justiça, Ministério Público e Polícia Federal foi derrotado em termos políticos agora
Renato Sérgio de Lima diz acreditar que a Lava Jato está reproduzindo no Brasil a mesma trajetória da Operação Mãos Limpas, inspiração para o trabalho de Moro e do procurador da República Deltan Dallagnol, na Itália. Inclusive em seus erros.
"A Operação Mãos Limpas, que inspirou a Lava Jato, inspirou também a derrocada da Lava Jato. Ela possibilitou a emergência de políticos populistas que engolem um projeto de combate à corrupção dizendo que comungam dele, mas na prática as coisas não avançam", compara.
"O legado de Moro fica bastante comprometido, porque seu legado seria o combate efetivo à corrupção. Se não emerge a corrupção de bilhões dos cofres públicos nesse momento, vemos um caso de potencial tráfico de influência [na suspeita de aparelhamento da PF]. O maior erro do Moro foi aceitar o cargo acreditando que teria força política suficiente para tutelar Jair Bolsonaro. Os 30 anos de vida política do presidente mostram que ele é incontrolável", analisa.
Independência questionada
Na visão de Renato Sérgio de Lima, a independência de Moro à frente do Ministério da Justiça —definida por ele e pelo presidente como "carta branca" no início do governo— nunca ocorreu na prática.
"O que o Moro talvez não tenha percebido é que era um dos poucos ministros com poder político suficiente para propor uma reforma de modelo. Logo que assumiu tinha que ter feito uma proposta de reforma do sistema de Justiça e segurança pública brasileiro. Se ele não fez essa proposta no começo, e optou por um pacote de direito penal [o pacote anticrime], perdeu a oportunidade de deixar um legado histórico", afirma.
Para o presidente do FBSP, o ex-juiz sempre teve que fazer concessões ideológicas e institucionais para permanecer no cargo.
É um governo com questões ideológicas muito claras. Moro sabia que não adiantava fazer qualquer tipo de contraponto à questão do armamento, da violência policial ou colocar o tema milícias, que de certa forma é um fantasma para a família Bolsonaro. Na prática isso mostra que nunca houve carta branca
Lima afirma crer que a gestão de Moro sempre ficou muito atrelada às bandeiras de Bolsonaro na área de segurança pública.
"No campo da segurança pública, a gestão de Moro sempre foi muito atrelada. A esposa dele falou: 'Moro é Bolsonaro e Bolsonaro é Moro'. A gente não consegue saber o que é marca própria de Moro e o que é marca do Bolsonaro. Houve uma aliança tática que ambos julgaram conveniente e o resultado foi extremamente ruim em termos de impacto na segurança pública, causando a crise que estamos vendo hoje. Moro foi a reboque do governo."
Legado "tímido" na segurança e acertos
Moro está saindo como o grande contraponto ao governo Bolsonaro. Mas a gestão do Moro foi extremamente tímida, e não muito diferente daqueles que o antecederam
Lima destaca contudo que Moro teve acertos ao reposicionar a PF em relação ao crime organizado e no combate à organização criminosa PCC.
Ele foi hábil de negociar com Doria [governador de São Paulo] a transferência de lideranças do PCC para presídios federais, que foi um baque na facção e provocou um enfraquecimento do Marcola [líder da facção]. E no convencimento da PF e da PRF que o combate da criminalidade violenta e da lavagem de dinheiro também é responsabilidade delas
"Tem algumas medidas interessantes, como a aceleração da venda de ativos apreendidos pelo Fundo Nacional Antidrogas. O programa Em Frente Brasil [que escolheu cinco cidades como modelo para ações de redução da violência], que é uma ideia boa, ficou em nível piloto e não conseguiu ser implantado 100%", pondera.
O ministro tentou sistematicamente capitalizar a queda nos índices de criminalidade durante sua gestão —os homicídios caíram 19% em 2019, segundo estimativas do próprio ministério. Lima afirma que as ações da pasta pouco contribuíram para essa redução, que já havia ocorrido em patamar similar em 2018.
"Moro teve a sorte de estar no lugar certo na hora certa, que foi exatamente o momento em que os crimes começam a cair de forma significativa. Mas, na prática, não tivemos absolutamente nenhum projeto estruturante que avançou. Começou com o governo flexibilizando o porte e a posse de armas de fogo e munição. Tivemos o projeto anticrime que demorou muito a ser aprovado, então teve pouco impacto na vida real e é muito diferente do que foi proposto por ele", avalia.
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