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Sem elo com Bolsonaro, delegado escolhido para PF-RJ é recebido com alívio

6.mai.2020 - Delegado Tácio Muzzi assume a superintendência da PF do Rio com elogios de colegas pelo perfil de combate à corrupção - Tomaz Silva/Agência Brasil
6.mai.2020 - Delegado Tácio Muzzi assume a superintendência da PF do Rio com elogios de colegas pelo perfil de combate à corrupção Imagem: Tomaz Silva/Agência Brasil

Herculano Barreto Filho e Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio, e colaboração para o UOL, de Curitiba

06/05/2020 18h45

A escolha do delegado Tácio Muzzi para a chefia da PF (Polícia Federal) no Rio de Janeiro foi recebida com alívio por seus colegas de corporação após o ex-ministro da Justiça Sergio Moro deixar o governo Jair Bolsonaro com acusações de interferência política na corporação.

Muzzi —que teve o nome escolhido pelo diretor-geral da PF, Rolando de Souza— não estava na lista de indicados pelo presidente da República para ocupar o cargo. Por isso, a promoção dele é vista por membros da PF como um sinal de manutenção da independência do órgão. Até a noite de hoje, a nomeação ainda não foi oficializada no Diário Oficial, mas o nome de Muzzi já foi comunicado internamente.

A sensação é de alívio. Estávamos apreensivos com a troca no Rio e essa questão de possível interferência. Mas veio um bom nome, que não foi indicado pelo governo

Delegado Edvandir Felix de Paiva, presidente da Associação Nacional dos Delegados da PF

"Muzzi conhece bem a corporação, tem experiência. É um bom nome. Escolha foi aprovada pela unanimidade dos colegas. Ninguém contestou", complementou Paiva.

O delegado Edvandir Felix de Paiva, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) - Divulgação - Divulgação
O delegado Edvandir Felix de Paiva, dirigente da ADPF
Imagem: Divulgação

Ele disse ainda que a PF vive um período conturbado desde a demissão de Moro. O delegado contudo afirmou que as mudanças na corporação o deixam mais tranquilo. "Não estávamos satisfeitos com a situação. Não queremos que a PF seja a 'polícia do governo'. A PF está conseguindo deixar essa narrativa. Todos os nomes escolhidos são respeitados. Nada indica uma mudança nos rumos da PF."

Em depoimento à PF (Polícia Federal) e ao MPF (Ministério Público Federal), Moro disse ter sido pressionado por Bolsonaro a abrir mão da escolha do superintendente do Rio. Segundo ele, o próprio presidente queria fazer a indicação. "Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro", teria dito o presidente, segundo o ex-ministro.

Discreto e focado no combate à corrupção

Luis Antonio Boudens, presidente da Fenapef (Federação Nacional dos Policiais Federais), guarda boas recordações de Muzzi. Os dois trabalharam juntos entre 2005 e 2007, em operações de combate à corrupção em Minas Gerais, estado de origem de ambos. Na época, Muzzi já trabalhava no Rio, mas foi transferido temporariamente para coordenar as ações.

"Eu era da área de inteligência e ele veio em missão. Ele tinha uma atuação tranquila, focada no combate à corrupção e com o espírito de ajudar as equipes", relembra. "Ele tem um perfil mais discreto. Um nome que não tem muito esse espírito de carreirismo. É um delegado que já ocupou funções de importância."

O presidente da Fenapef endossa o discurso de Paiva e faz elogios ao perfil do novo chefe da PF do Rio.

Ele [Tácio Muzzi] corre por fora dessas questões políticas. É uma solução caseira, com um nome buscado na própria superintendência do Rio. Isso tranquilizou os policiais em relação a uma possibilidade de tentativa de interferência política. Com isso, a PF do Rio poderá restabelecer o seu ritmo normal

Luis Antonio Boudens, presidente da Fenapef

Boudens admitiu que chegou a ficar preocupado em relação ao futuro da PF do Rio em meio à turbulência causada pelas revelações de Moro. "Havia uma preocupação de que fosse feita uma escolha movida por esse pensamento do presidente. Mas a escolha por Muzzi trouxe uma tranquilidade para nós. Tenho certeza de que a PF do Rio vai produzir investigações sem interferências", acredita.

"A mudança na PF do Rio gerou apreensão. O cenário acabou se redesenhando de forma positiva para os policiais federais. Mas vamos continuar vigilantes. Se houver qualquer esboço de interferência político, vamos nos manifestar", completa Boudens.

Atuação na Lava Jato e no Ministério da Justiça

Muzzi é bacharel em Direito, formado em 1999 pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Na mesma universidade, fez mestrado e doutorado em Direito Empresarial. Um ano após concluir sua graduação, entrou para a carreira pública. De 2000 a 2003, foi procurador do Banco Central.

Em 2003, foi aprovado no concurso da PF e virou delegado, passando a trabalhar no Rio, onde foi chefe da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros. Ali, trabalhou nas primeiras fases da Operação Lava Jato no Rio.

Em novembro de 2016, por exemplo, atuou na Operação Calicute, que prendeu o ex-governador Sergio Cabral. Já em janeiro de 2017, atuou na Eficiência, responsável pela prisão do empresário Eike Batista.

Ainda em 2017, durante o governo de Michel Temer (MDB), Muzzi foi nomeado diretor-adjunto do DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional) do Ministério da Justiça. Em 2018, virou diretor-geral do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), também vinculado à Justiça.

Braço-direito de delegado criticado por Bolsonaro

Quando Bolsonaro assumiu a Presidência, Muzzi voltou a trabalhar na Superintendência da PF no Rio. Virou o braço-direito do então chefe da PF no estado, o delegado Ricardo Saadi, que teve seu trabalho criticado publicamente por Bolsonaro em agosto de 2019. O presidente disse que o delegado não era produtivo e que iria substituí-lo.

Após a exoneração de Saadi, Muzzi assumiu interinamente a chefia da PF no Rio. Só deixou o cargo depois que Carlos Henrique Oliveira foi nomeado para o posto em dezembro.

Troca em estados e diretorias

Além da mudança na Superintendência da PF do Rio, a chefia da PF em outros quatro estados também vai mudar. As trocas ocorrerão em Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Sul e Tocantins. Os atuais chefes da PF nesses estados serão promovidos a diretores da corporação.

A mudança nas diretorias está ligada à saída do delegado Maurício Valeixo da direção-geral da PF. Ele havia sido indicado por Moro. Após a saída do ex-juiz do governo, Rolando Alexandre de Souza virou novo chefe-geral da PF.