Doria faz propaganda de marca que doou para SP; promotores veem improbidade
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), utilizou suas redes sociais nos últimos dias para homenagear os caminhoneiros do país e aproveitou as gravações para enaltecer a empresa JSL, gigante nacional do setor logístico. O ato, segundo promotores, pode configurar improbidade administrativa.
No início da semana, Doria citou a empresa em um tuíte: "Fomos até a JSL para conhecer de perto a operação logística para distribuição de 1 milhão de cestas do Alimento Solidário pelo Governo de SP a famílias que vivem em extrema pobreza no Estado", escreveu.
No de hoje, ele conversa com Joab Barbosa Gomes, "caminhoneiro há mais de 30 anos", conforme descrito pelo governador. A gravação, no entanto, tem tons de peça publicitária. Nas tomadas em que Doria aparece como entrevistador —com capacete com logo da empresa—, é possível notar o slogan da JSL logo atrás: "Entender para Atender".
Nas imagens panorâmicas do vídeo compartilhado pelo governador, vários caminhões da JSL atravessam estradas pelo país, enquanto Doria elogia os caminhoneiros. A marca é a única que aparece no vídeo.
CEO da JSL integrou conselho estadual
Em fevereiro do ano passado, o CEO da JSL, Fernando Simões, entrou para o Conselho Superior de Gestão da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de São Paulo junto a outros empresários que têm relações estreitas com Doria. Simões também fez doações ao governo do estado para ajudar no combate ao novo coronavírus.
A JSL, entretanto, não confirmou à reportagem se ele permanece como conselheiro do governo de SP.
A criação do Conselho citado foi uma determinação de Doria. Segundo o governo, seus integrantes "possuem ligação com os temas tratados pela pasta". Ao menos dois deles fizeram doações para a campanha de Doria de 2018. Não há informações de doações do CEO da JSL a Doria.
Em nota, Doria afirmou que "foi ao local para prestigiar a atuação da iniciativa privada do estado de São Paulo, assim como sempre fez".
"Durante a visita, ele enalteceu a profissão de caminhoneiro, que é umas das atividades essenciais durante a pandemia do coronavírus e que continua atuando para manter o setor de abastecimento funcionando", diz o texto enviado à reportagem.
A JSL diz que "vem realizando diversas ações, visando contribuir para minimizar os efeitos causados pela pandemia do novo coronavírus em nosso país".
"Entre as várias frentes bancadas pelas empresas do Grupo, encontra-se a distribuição das milhões de cestas básicas do Governo de São Paulo para os mais diversos municípios do Estado."
"Improbidade administrativa", dizem promotores
A reportagem entrevistou três promotores de Justiça, uma desembargadora do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e um advogado sobre o assunto. Eles afirmam que o caso pode configurar improbidade administrativa, se provada a intenção do governador de beneficiar o amigo, de acordo com o artigo 11 da lei número 8.429 de 1992.
"Se trata de peça publicitária do governo para a qual foram destinadas verbas públicas. Em tese, trata-se de peça a promover a imagem dos caminhoneiros, mas há um fato objetivo que chama a atenção: não só aparecem inúmeras imagens de uma única empresa, a qual passa a ser naturalmente vinculada aos benefícios públicos que a peça procura transmitir, como o próprio governador veste o capacete dessa empresa", diz o advogado constitucionalista André Portugal.
Portugal explica que a Constituição elenca princípios que devem ser seguidos pelo administrador público.
"Nenhum agente público pode tratar a coisa pública como se fosse coisa privada, e, mais do que isso, como se fosse sua. (...) O gestor público não pode por exemplo, escolher os contratados do governo entre empresários de seu círculo de amizades."
Os promotores ouvidos pediram para não ter a identidade revelada porque, como a infração pode ter sido cometida pelo governador, fica sob a responsabilidade do procurador-geral de Justiça, Mario Sarrubo, uma possível investigação. A reportagem contatou o procurador por mensagens de texto, telefone e por e-mail, mas não teve retorno
Um dos promotores diz que a ação constituiria improbidade administrativa porque o governo teria recebido vantagem econômica (doações da JSL, de valor não especificado, para o combate à covid-19) e há indícios de que o governador, um agente público, tenha beneficiado a empresa com exposição publicitária. A iniciativa ainda viola, segundo o promotor, princípios da imparcialidade e legalidade.
Por meio de nota, o MP disse que "não pode antecipar juízo de valor sobre fatos concretos e que as autoridades públicas, como é intrínseco ao Estado Democrático de Direito, estão sob o escrutínio dos órgãos de controle em geral".
Outros processos contra Doria
O governador responde por ao menos dois processos de improbidade administrativa. Um deles é relacionado ao uso do slogan "Cidade Linda", no qual ele chegou a ser condenado em primeira instância e teve seus direitos políticos cassados. O Ministério Público alega, nas propagandas veiculadas por Doria com o slogan, ele teria utilizado verba pública para benefício próprio.
Em outra ação, desta vez impetrada pelo Ministério Público Eleitoral, Doria responde "por uso da publicidade institucional da prefeitura de São Paulo, durante a gestão de Doria, para promover sua futura candidatura nas eleições 2018".
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