Coaf abriu caminho a retrocesso no combate à corrupção, dizem especialistas
Resumo da notícia
- Para entidades que atuam em defesa da transparência na gestão público, combate à corrupção enfraqueceu na gestão Bolsonaro
- ONGs atribuem situação ao desmonte do Coaf e à escolha de Augusto Aras à revelia para PGR
- "Não se sabe o que o Coaf tem feito ou como tem trabalhado", diz Gil Castello Branco, da Contas Abertas
- Na avaliação de Bruno Brandão, da Transparência Internacional, houve aindainterferência política em órgãos fundamentais como a PF
Representantes de organismos que atuam em defesa da transparência na gestão pública afirmam que o combate à corrupção retrocedeu no governo de Jair Bolsonaro (sem partido), iniciado em 1º de janeiro de 2019.
O tema foi posto em debate após fala do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, que criticou o presidente, no domingo (24), em entrevista ao "Fantástico", da TV Globo. Segundo o ex-juiz da Operação Lava Jato, faltou "impulso" ao mandatário na formulação de políticas públicas para coibir irregularidades e desvios de conduta.
Para Gil Castello Branco (Contas Abertas) e Bruno Brandão (Transparência Internacional), além de uma paralisia em relação ao que já vinha sendo feito, o governo acabou por desmontar mecanismos fundamentais como o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão que perambulou de ministério em ministério até ser alocado no Banco Central.
Os especialistas também mencionaram a indicação de Augusto Aras para a chefia da PGR (Procuradoria-Geral da República). A escolha foi feita por Bolsonaro à revelia da lista tríplice, isto é, os três nomes sugeridos pela associação que representa a categoria.
Foi a primeira vez que um presidente da República não respeitou a lista tríplice e ignorou as recomendações. A decisão de Bolsonaro foi criticada por procuradores, que temem que o desrespeito à tradição possa comprometer a autonomia da PGR.
O UOL procurou a CGU (Controladoria-Geral da União) e aguarda um posicionamento oficial, que será incluído neste texto assim que for recebido pela reportagem.
Coaf, o marco zero
A novela que se arrastou durante o ano passado sobre o destino do Coaf foi, segundo entendimento dos analistas ouvidos pelo UOL, o primeiro retrocesso no combate à corrupção.
Foi um relatório do Coaf, por exemplo, que apontou movimentações suspeitas ligadas ao gabinete do então deputado estadual do Rio e agora senador, Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Na semana passada, reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que o vaivém na definição da gestão da pasta gerou instabilidade e diminuiu suas atividades. Houve queda na produção de relatórios e nas multas.
O impasse começou logo após Bolsonaro tomar posse. A pedido de Moro, o presidente alocou o conselho — responsável por prevenir irregularidades em transações financeiras e identificar crimes de lavagem de dinheiro — na estrutura do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Moro planejava dar ao Coaf um papel estratégico e fundamental no combate à corrupção. O ministro, no entanto, precisou medir forças com o Congresso Nacional, que desejava devolver o órgão ao Ministério da Economia (antigo Ministério da Fazenda). Os parlamentares acabaram vencendo a batalha, e o conselho acabou parando no Banco Central.
O Coaf ficou ali perambulando entre ministérios e, após ser incorporado ao Bacen, pouco se escuta falar dele. Não se sabe o que o Coaf tem feito ou como tem trabalhado. Com certeza isso ajudou a enfraquecer o combate à corrupção
Gil Castello Branco, fundador da ONG Contas Abertas
Castello Branco elencou ainda outros episódios que, segundo ele, compõem uma cronologia do arrefecimento do combate à corrupção no país. Entre eles estão as trocas de comando na Polícia Federal e na Receita, a anulação da sentença contra Aldemir Bendine, a aprovação do projeto da Lei do Abuso de Autoridade e a desidratação do pacote anticrime no Parlamento.
Na visão do especialista, a responsabilidade por esses "retrocessos" não é exclusiva do presidente Jair Bolsonaro, e sim resultado de um "pacto pela impunidade", o que inclui o Legislativo e o Judiciário.
"Os três Poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, fizeram uma espécie de pacto pela impunidade e contribuíram para esse enfraquecimento do combate à corrupção", disse. "Talvez tenham feito isso em nome de um argumento que era corrente no Supremo, o de que as investigações [da Lava Jato] estavam prejudicando o crescimento do país".
"Em nome desse suposto crescimento econômico, pretendia-se mudar o foco ali do combate à corrupção para outras abordagens. Havia uma visão de que era preciso mudar esse foco para permitir que o país crescesse, para criar um ambiente mais propício aos negócios. O Judiciário e o Legislativo já trabalhavam com essa perspectiva. Faltava o último vértice desse triângulo, que era o Executivo."
Interferência política
Para Bruno Brandão, houve interferência política em órgãos fundamentais ao combate à corrupção, como a Polícia Federal e a Receita Federal. Este foi, segundo sustenta o diretor da ONG Transparência Internacional, o "pior dos retrocessos".
"A principal falha do governo nesse sentido foi a ingerência política nos órgãos de controle e fiscalização, anulando os ganhos técnico e institucional que havíamos obtido com o avanço da Lava Jato. Isso compromete a autonomia desses órgãos de controle", comentou.
De acordo com o especialista, a única tentativa por parte do Executivo de elaborar uma política pública para fortalecer o combate à corrupção foi o pacote anticrime, projeto desenhado pelo ex-ministro Moro. O conjunto de medidas, no entanto, foi desfigurado durante a tramitação no Parlamento.
"O pacote já veio muito desidratado [para votação no Congresso] e muito pouco ambicioso. Ele pesava a mão na questão do crime organizado, mas tinha uma eficácia muito limitada em relação ao combate à corrupção."
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