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Lei de abuso de autoridade: entenda o que Bolsonaro vetou e o que vai valer

O presidente Jair Bolsonaro em cerimônia no Planalto nesta quinta (5) - Adriano Machado/Reuters
O presidente Jair Bolsonaro em cerimônia no Planalto nesta quinta (5) Imagem: Adriano Machado/Reuters

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

05/09/2019 18h26Atualizada em 05/09/2019 18h26

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) decidiu hoje vetar dispositivos em 19 artigos do projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional que atualiza a lei de crimes de abuso de autoridade.

O texto tramitou sob críticas de juízes, policiais e membros do Ministério Público de que muitos pontos da nova lei poderiam prejudicar investigações e servir de retaliação contra os investigadores.

Quatorze artigos foram vetados na íntegra e cinco parcialmente. O projeto de lei tem 45 artigos. O presidente acolheu todas as nove sugestões de veto encaminhadas pelo ministro da Justiça, Sergio Moro.

A sanção das novas normas com os vetos estipulados por Bolsonaro foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União.

Agora, o Congresso vai analisar se derruba ou mantém os vetos impostos por Bolsonaro. A parte do projeto que foi sancionada passa a valer como lei após 120 dias, período estabelecido no texto da própria legislação.

Veja abaixo os pontos vetados por Bolsonaro e o que foi preservado do projeto.

Vetos parciais

Artigo 5º: fixa as penas alternativas à prisão, como prestação de serviços à comunidade e suspensão do cargo, para os crimes previstos na lei.

O que foi vetado: o presidente vetou apenas o inciso 3ª desse artigo, que prevê a proibição de exercer funções de natureza policial ou militar na cidade do crime ou onde more ou trabalhe a vítima, pelo prazo de um a três anos.

Artigo 13: proíbe constranger o preso a ser exibido publicamente ou a produzir prova contra si.

O que foi vetado: apenas o dispositivo que tornava crime obrigar o preso a "produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro".

Artigo 15: proíbe constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que deve guardar segredo por causa de sua atuação profissional ou pessoa que tenha decidido exercer o direito a permanecer em silêncio.

O que foi vetado: somente os dispositivos que configuravam como crime dar continuidade ao interrogatório de quem tenha optado pelo direito de permanecer em silêncio ou de quem tenha pedido a presença de advogado, mas o defensor ainda não esteja presente.

Artigo 22: proíbe o uso "ostensivo e desproporcional" de veículos e armamentos que exponham o investigado a situação de vexame e a entrada em imóveis de investigados sem ordem judicial.

O que foi vetado: Bolsonaro vetou o ponto que tornava crime o uso "ostensivo e desproporcional" de veículos e armamento em ações policiais. Foram sancionados os dispositivos que tornam crime entrar em imóvel fora das hipóteses legais e cumprir mandados de busca e apreensão em residências depois das 21h e antes das 5h.

Artigo 29: pune a prestação de informação falsa em processo para prejudicar o investigado.

O que foi vetado: apenas o dispositivo com a previsão de que incorre no mesmo crime quem omitir "dado ou informação sobre fato juridicamente relevante e não sigiloso".

Artigos vetados integralmente

Artigo 3º: estabelece que particulares, e não apenas o Ministério Público, podem oferecer denúncia à Justiça pelos crimes de abuso de autoridade.

Artigo 9º: estabelece punições ao juiz que decretar ou manter a prisão em "desconformidade com as normas legais".

Artigo 11: pune a prisão sem ordem judicial ou situação de flagrante.

Artigo 14: impede a divulgação de imagens de presos ou investigados sem o consentimento deles.

Artigo 16: pune quem deixar de identificar-se ou identificar-se falsamente ao preso no momento da prisão.

Artigo 17: estabelece limites para o uso de algemas.

Artigo 20: pune o ato de impedir, "sem justa causa", o encontro pessoal e reservado entre o preso e seu advogado.

Artigo 26: proíbe induzir o investigado a praticar infração para capturá-lo.

Artigo 30: proíbe investigações "sem justa causa" ou contra quem é sabidamente inocente.

Artigo 32: proíbe que seja negado acesso à investigação para o investigado ou seu advogado.

Artigo 34: pune quem, com conhecimento, deixa de corrigir "erro relevante" em processo ou investigação.

Artigo 35: pune quem impedir ou dificultar a reunião pacífica de pessoas, grupo ou associação.

Artigo 38: proíbe que o responsável pelas investigações diga que o investigado é culpado antes de serem concluídas as investigações e formalizada a acusação. A proibição vale também para declarações em redes sociais e meios de comunicação, como entrevistas à imprensa.

Artigo 43: configura como crime a violação de alguns dos direitos e prerrogativas dos advogados.

Pontos da lei sancionados integralmente

Além dos vetos, 26 artigos foram sancionados e passam a valer como lei após o prazo de 120 dias previsto no próprio texto da legislação.

Veja o que foi aprovado pelo Planalto.

Artigo 1º: prevê que a "divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas" não configura abuso de autoridade. Esse trecho tem a função de evitar que juízes e investigadores sejam punidos apenas por ter decisões e atos processuais revogados por instâncias superiores da Justiça.

Artigo 2º: afirma que estão sujeitos à lei todos os agentes públicos, concursados ou não, além de membros do Ministério Público e dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Artigo 4º: exige indenização para as vítimas e fixa a proibição das autoridades condenadas de ocuparem cargo público por 1 a 5 anos, além da perda do cargo atual.

Artigo 6º: diz que as penas previstas na lei não excluem a aplicação de outras punições civis e administrativas.

Artigo 7º: diz que se houver condenação penal, os fatos sob suspeita não poderão ser contestados nas esferas civil e administrativa.

Artigo 8º: afirma que a absolvição no processo penal em casos de legítima defesa ou estrito cumprimento do dever legal tem como consequência a ausência de punições civis e administrativas.

Artigo 10: pune o juiz que decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado de forma "manifestamente descabida" ou sem prévia intimação.

Artigo 12: exige que seja comunicado à Justiça, no prazo legal, a prisão em flagrante ou imediatamente a prisão provisória, e pune quem deixar de cumprir alvará de soltura de preso.

Artigo 18: proíbe o interrogatório do preso durante a noite, a não ser que ele tenha sido preso em flagrante ou concorde em prestar depoimento acompanhado de advogado.

Artigo 19: pune quem impedir ou retardar o envio à Justiça de recurso de preso contra sua prisão.

Artigo 21: configura como crime manter presos de ambos os sexos na mesma cela, ou criança e adolescente no mesmo espaço de presos adultos.

Artigo 23: pune a alteração da cena do crime para incriminar investigado ou "eximir-se de responsabilidade".

Artigo 24: configura como crime ameaçar funcionário de hospital a admitir para tratamento pessoa cuja morte já tenha ocorrido, com o objetivo de prejudicar as investigações do crime

Artigo 25: pune a obtenção de prova por meios ilegais.

Artigo 27: proíbe iniciar investigações sem indícios da prática de crime.

Artigo 28: impede a divulgação de gravações, como de escutas telefônicas, que não tenham relação com os crimes investigados.

Artigo 31: pune quem "estender injustificadamente" a investigação, ou seja, quem mantiver em aberto uma investigação que já poderia ter sido encerrada.

Artigo 33: pune a exigência de informação ou de conduta do investigado "sem expresso amparo legal".

Artigo 36: proíbe o bloqueio de bens em valor que "extrapole exacerbadamente" a quantia estimada para saldar a dívida no processo.

Artigo 37: proíbe que juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores demorem "demasiada e injustificadamente" de devolver o processo a julgamento após um pedido de vista.

Artigo 39: determina que no julgamento desses crimes sejam aplicadas as regras do Código de Processo Penal e da Lei de Juizados Especiais.

Artigo 40: determina que o mandado de prisão temporária deve estabelecer o prazo da prisão e o dia em que o investigado deve ser solto, com a libertação automática do preso após esse período, independentemente de autorização judicial.

Artigo 41: pune o juiz que determinar escutas telefônicas "com objetivo não autorizado em lei".

Artigo 42: prevê a perda do cargo para autoridades reincidentes nos crimes listados no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Artigo 44: revoga a antiga Lei de Abuso de Autoridade (lei 4.898 de 1965) e dispositivos do Código Penal que tratam de crimes já previstos no texto atual.

Artigo 45: fixa o prazo de 120 dias para a lei entrar em vigor após sua publicação oficial.