Agenda anticorrupção não teve 'impulso' com Bolsonaro, diz Sergio Moro
Resumo da notícia
- Em entrevista ao Fantástico que irá ao ar hoje, Moro disse que Bolsonaro não impulsionou agenda anticorrupção
- Moro deixou o Ministério da Justiça em 24 de abril e acusou o presidente de tentar interferir na Polícia Federal
- Chamadas da entrevista adiantaram parte do conteúdo que será exibido
- Moro disse que não rebateu o presidente na reunião que antecedeu a demissão, por não ver espaço para o contraditório
Até aqui, faltou ao presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), "impulso" no combate à corrupção. A avaliação foi feita pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro em entrevista que foi exibida hoje (24) pelo Fantástico, da Rede Globo.
Moro nega-se a dizer que tinha intenção de imputar crimes a Bolsonaro, mas disse que o "vídeo fala por si".
Segundo Moro, a situação é diferente da imaginada por bolsonaristas. "Me desculpem aqui os seguidores do presidente, se essa é uma verdade inconveniente, mas essa agenda anticorrupção não teve um impulso por parte do presidente da República para que implementássemos", disse.
Moro deixou o ministério em 24 de abril, acusando Bolsonaro de querer interferir na direção da Polícia Federal. Segundo o ex-ministro, o presidente exige subserviência do ministério, o que contrariaria suas próprias convicções.
"Eu acho que a minha lealdade ao próprio presidente demanda que eu me posicione com a verdade, com o que eu penso, e não apenas concordando com o presidente. Se for assim, não precisa de um ministro; precisa de um papagaio", disse
Moro participou da reunião interministerial do dia 22 de abril, na qual alegou que Bolsonaro demonstrou interesse em trocar o comando da PF e a direção da PF no Rio de Janeiro.
O ex-juiz afirmou que a reunião — cuja gravação foi divulgada anteontem pelo STF - reforçou a dificuldade de argumentar com o presidente. "Pelo próprio tom da reunião, é muito claro que o contraditório ali não é algo muito fácil de ser realizado."
Na entrevista para a apresentadora Poliana Abritta, Moro também falou sobre seu futuro, mas desconversou sobre se será candidato a Presidência em 2022. "Quero continuar contribuindo, na área privada, no debate público, sobre essas discussões sobre o país", disse.
Houve crime de Bolsonaro?
"Eu quando deixo o governo, fiz aquele pronunciamento e prestei depoimento, deixei muito claro que nunca foi minha intenção de prejudicar o governo de qualquer maneira. O que aconteceu, no meu ver, foi uma interferência política do Presidente da República na PF, na direção geral e na superintendência do RJ. Entendi pela relevância do assunto que deveria revelar. Cabe agora à Justiça, à PGR. Da minha parte, não cabe emitir opinião a esse respeito".
Como foi a conversa sobre Valeixo?
"Ele mandou essas mensagens, de fato, no dia 22, dizendo que ia mudar de qualquer jeito, só não especificou a forma. Isso mostra que dizer que não havia interferência não é correto. Tivemos a reunião ministerial na qual ele externou essas situações, que ia intervir, que o serviço de inteligência não funcionava. Ele ali, me parece claro, que ele se refere a mim. Eu não ia discutir isso numa reunião ministerial. O ambiente não era favorável ao contraditório"
Bolsonaro estava preocupado com os filhos?
"Quem tem que dar essa explicação, dar o sentido dessas afirmações, é o Planalto, e não o ex-ministro da Justiça. O presidente externou publicamente diversas vezes preocupações com os filhos. Tem que ver o que ele entende como serviços de inteligência que, pra ele, estavam insatisfatórios".
Sistema de informações privado
"Acho que isso tem que ser indagado ao presidente da República. O que ele quis dizer com esse serviço particular. O que me causou mais preocupação foi, me parece, o desejo que os serviços de inteligência particular fossem passados a ser prestados pelos serviços oficiais".
Interferência na PF e a olhada de Bolsonaro
"Acho que o vídeo fala por si, quando ele olha na minha direção, evidencia que estava tratando desse assunto da Policia Federal. Temos que analisar os fatos. Em reunião, anteriormente, ele não teve dificuldade em alterar o serviço do GSI, promoveu as pessoas envolvidas, e os fatos posteriores: a mensagem que ele me manda na quinta de manhã, mais um motivo pra troca, após enviar mensagem relativa ao inquérito no STF, e a demissão do diretor Valeixo".
Agenda anticorrupção abandonada
"Tem que entender, no fundo, essa questão da PF, vem num contínuo. Eu ingressei no governo e dei entrevista ao Fantástico, dizendo que tinha compromisso no combate à corrupção, à criminalidade, ao crime organizado. Em parte, isso foi realizado. Me desculpem aqui os seguidores do presidente, se essa é uma verdade inconveniente, mas essa agenda anticorrupção não teve um impulso por parte do presidente da República para que implementássemos".
Não houve empenho sobre o Coaf
"Não houve um empenho do Planalto para que o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) fosse mantido no MJ (Ministério da Justiça e Segurança Pública). Essa interferência na PF, a meu ver, ela vem num contínuo, em que eu vi essa agenda anticorrupção ser cada vez mais esvaziada. Agora, vimos essas ameaças de políticos que não têm um histórico positivo. É certo que é preciso ter alianças no parlamento. Acabei entendendo que não faz sentido permanecer no governo. Na minha percepção, o governo se valeu da minha imagem, de combate à corrupção, e o governo não está fazendo isso".
Moro guardou provas?
"De forma nenhuma. Não houve situação. Toda situação eu revelaria se fosse o caso. Agora essas alianças politicas, algumas questionáveis, eu não tenho nada contra os políticos, mas algumas alianças são questionáveis".
Alguém seria protegido?
"Quando há essa interferência sem causa na PF, isso me trouxe muito incômodo. Se viu em outras situações trocas, substituições em outros órgãos do estado, especialmente na área ambiental, que foram controversas. As próprias substituições no Ministério da Saúde são controversas. O presidente escolhe os ministros, mas são substituições bastante questionáveis do ponto de vista técnico. Eu também me sentia pouco confortável com essa gestão".
Por que quase não se falou do combate à covid na reunião?
"O presidente da República tem uma posição negacionista sobre a pandemia. Houve debate de prisão em caso de descumprimento de isolamento e quarentena. Teve alguns episódios, até noticiados, de pessoas presas. E eu sempre disse que a prisão deve ser evitada ao máximo, mas existe uma possibilidade legal de prisão. É uma infração penal prevista no código penal".
Não era papagaio
"Dentro do governo, em várias reuniões que eu participei, o ex-ministro Mandetta pode dizer melhor, foi alertado para o risco dessa escalada de mortes. Parece que falta um planejamento a essas questões. Eu acho que a minha lealdade ao próprio presidente demanda que eu me posicione com a verdade, com o que eu penso, e não apenas concordando com o presidente. Se for assim, não precisa de um ministro; precisa de um papagaio".
Houve pressão para liberar munição?
"Certamente. Eu não queria que isso fosse utilizado de subterfúgio a respeito da PF. Olha, isso veio a pedido do presidente, e entendi que não tinha condições de me opor a isso, porque já havia aquela querela sobre a PF".
Tom da reunião
"Eventualmente, em reuniões, haviam discussões veementes. O tom, no entanto, a meu ver, houve uma subida nesse tom nos últimos meses".
Armas contra quarentenas?
"Em nenhuma circunstância se pode concordar que o armamento sirva de alguma forma (para) que as pessoas possam se opor a medidas sanitárias".
Por que Moro não respondeu sobre a PF na reunião?
"Quanto às questões relativas à interferência na PF, eu tinha uma reunião com o presidente no dia seguinte. Sinceramente, acho que esses assuntos seriam mais apropriadamente discutidos em uma reunião entre o presidente e eu".
Por que Moro não interveio na fala de Abraham Weintraub (ministro da Educação) contra o STF?
"Eu não sou o presidente da reunião"
Por que Moro não interveio na fala de Ricardo Salles (ministro do Meio Ambiente), sobre "passar a boiada"?
"Eu não estava confortável. Isso me parece muito claro. Eu me sentia incomodado por vários aspectos"
Desconforto na reunião de 22 de abril
"Eu estou dentro do governo. Eu tenho também algumas limitações do que posso externar publicamente. Eu já tinha esse problema que vinha há tempos com a Polícia Federal (...). Eu estava bastante desconfortável e incomodado com a reunião, não tinha muito espaço para o contraditório. Queria ter saído antes. E tinha um compromisso agendado que me deu a desculpa."
Há arrependimento de ter assumido o Ministério da Justiça?
"Entendi que tinha uma missão importante a realizar. Não (me arrependo de assumir ministério) de forma nenhuma. Fiz uma escolha muito clara. Na época, ela estava justificada. Fiz uma escolha também muito clara, e espero que as pessoas compreendam, quando saí do governo".
Moro teme perder apoio entre seguidores do presidente?
"Algumas verdades inconvenientes surgiram. Muitos apoiadores do próprio presidente, antes da minha saída, se diziam um tanto frustrados sobre essa falta de empenho no combate à corrupção".
Qual o futuro? É candidato?
"Nós estamos no meio de uma pandemia muito grave, muito séria. Aproveito para externar minha solidariedade a famílias que perderam entes queridos. Acabei de sair do governo, vou ter que reinventar minha vida. Toda essa turbulência decorrente da minha saída, da pandemia... Estou encontrando uma maneira de me posicionar. Mas sempre disse que quero continuar contribuindo, na área privada, no debate público, sobre essas discussões sobre o país."
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