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Doria recua e pacotaço aprovado poupa 4 estatais e verba universitária

Deputados durante votação que aprovou pacotaço fiscal de Doria - Alesp/Divulgação
Deputados durante votação que aprovou pacotaço fiscal de Doria Imagem: Alesp/Divulgação

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

14/10/2020 21h58

A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) concluiu hoje a aprovação do pacotaço de ajuste fiscal proposto pelo governador João Doria (PSDB) em agosto. Desidratado, o projeto só foi aprovado depois que o governador recuou e desistiu de retirar dinheiro do caixa de universidades e extinguir quatro estatais.

O texto foi aprovado na madrugada de terça para quarta por um placar de 48 votos a 37, mas com uma condição: ao longo do dia de hoje (14), uma nova sessão votaria quatro destaques, trechos retirados da proposta original aprovada na madrugada.

O acordo foi cumprido, e às 20h29 os deputados votaram todos os destaques em uma única vez, com resultado unânime: 73 votos a 0. O resultado livrou da privatização ou extinção quatro de uma lista de dez estatais e ainda poupou os cofres das universidades estaduais e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), ameaçados de terem as sobras de seus fundos transferidos para a conta do governo no final do ano.

Doria justificou o pacote como forma de reduzir um rombo estimado em R$ 10,4 bilhões no orçamento do ano que vem, resultado da pandemia do novo coronavírus.

Estatais poupadas

Doria cedeu à pressão popular e desistiu de privatizar quatro estatais. São elas:

1. Furp: A Fundação para o Remédio Popular foi criada em 1974 para fornecer os medicamentos para a saúde pública que a iniciativa privada não cobre. São remédios para tuberculose, meningite e hanseníase, entre outros.

Hoje, 625 dos 645 municípios em São Paulo e 52 cidades em 18 estados recebem seus remédios, distribuídos gratuitamente pelo SUS (Sistema Único de Saúde) a quem não pode pagar. O governo foi acusado em CPI de ter sucateado a instituição para poder privatizá-la.

2. Fosp: Considerada a mais importante do Brasil para reabilitar pacientes com sequelas de câncer na cabeça e pescoço, a Fundação Oncocentro de São Paulo realiza mais de 5.000 atendimentos, fabrica 700 próteses e cuida de 150 novos pacientes anualmente de todo o país.

3. Imesc: O Instituto de Medicina Social e de Criminologia é o maior centro de perícias nas áreas de medicina legal (clínicas e psiquiátricas) e de Investigação de Vínculo Genético (exame de DNA) da América Latina.

4. Itesp: A Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo José Gomes da Silva é a responsável no estado pelas políticas agrárias e assistência a cerca de 7.000 famílias em 140 assentamentos rurais. O órgão também assiste aproximadamente 1.400 famílias quilombolas de 36 quilombos na região do Vale do Ribeira.

Imposto sobre herança e repasses financeiros

O repasse do superávit das universidades estaduais e da Fapesp ao Tesouro estadual também caiu. Além da perda calculada de R$ 1 bilhão, projetos de pesquisa poderiam ficar pela metade e outros abortados se esse trecho fosse mantido.

De acordo com o setor, os fundos da Fapesp e universidades não configuram superávit, mas reservas financeiras para projetos de pesquisa, muitos já iniciados.

Outro trecho que entrou no acordo é o que alterava o ITCMD, o imposto cobrado sobre heranças e doações. O texto não mexia nas alíquotas, mas adotava medidas que, na prática, aumentam o imposto.

A cada doação ou falecimento de um sócio, por exemplo, a empresa deveria reavaliar o valor dos ativos e passivos da companhia para que o ITCMD incidisse sobre o patrimônio líquido atualizado, o que não ocorre atualmente.

O que permanece na lei?

Outras seis estatais seguem na lei aprovada. São elas:

  1. Fundação Parque Zoológico de São Paulo;
  2. Instituto Florestal;
  3. CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo);
  4. EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo);
  5. Sucen (Superintendência de Controle de Endemias);
  6. Daesp (Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo).

Demissão voluntária

A lei prevê um programa de demissão voluntária aos servidores celetistas, cujo emprego é estável pela Constituição. São aproximadamente 6 mil funcionários contratados até 1983 que já podem se aposentar, mas seguem trabalhando.

A expectativa de Doria é economizar R$ 600 milhões ao ano.

Benefícios fiscais

O texto também manteve um ajuste fiscal e tributário que corta 20% dos benefícios tributários concedidos a todos os setores da economia.

Com o corte, Doria espera economizar R$ 8 bilhões ao ano, embora 25% tenham os municípios como destino. Os cofres do estado devem ficar com aproximadamente R$ 3,4 bilhões com a medida.

Hospital do Servidor

Também ficou na lei a cobrança de contribuição de beneficiários dos servidores que utilizam o Iamspe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo), antes isentos.

Cada beneficiário pagará alíquota de 2% a 3% por contribuinte e agregado, a depender da faixa etária, e aumenta as alíquotas de 0,5% ou 1% ao servidor. Esses valores são descontados na folha de pagamento.

Recuo de Doria

Doria esperava que o pacotaço, apresentado em 12 de agosto, fosse aprovado até 30 de setembro. Mas a repercussão negativa do texto em ano eleitoral interrompeu os planos do governo.

Depois de duas tentativas frustradas de analisar o projeto em comissões por falta de quórum, o presidente da Casa, Cauê Macris (PSDB), declarou "urgência" e levou o texto direto para votação em plenário.

A falta de consenso resultou em uma aliança inesperada: PSL, PT, Novo e Psol marcharam juntos contra o texto. Quem quebrou o trato foi a deputada Janaina Paschoal (PSL), responsável por costurar o acordo com o governo.

Criticada, ela se defendeu na tribuna afirmando que "o projeto teria passado na íntegra, estão querendo criar o factóide de que eu fui o voto decisivo".

"Estamos salvando quatro empresas, o fundo das universidades, da Fapesp, tirando o imposto confiscatório do ITCMD. Eu gostaria de conseguir mais, mas o Parlamento é a arte do possível", afirmou.

Membro da Comissão de Finanças e Orçamento, o deputado Paulo Fiorilo (PT) lamentou a aprovação do projeto, mesmo com a "derrota" parcial do governo.

"Apesar de ter aprovado, o governo sai extremamente desgastado", diz. "Um projeto dessa envergadura com apenas 48 votos e ainda ter que ceder para uma deputada para poder conseguir os votos é uma derrota."

"As quatro instituições ele pode reapresentar para extinguir daqui a algum tempo, e ele não mexeu nas questões centrais que prejudicam os trabalhadores e os mais pobres", disse.

Para a deputada da bancada ativista Paula Aparecida (PSOL), "o PSL se coloca na oposição ao governo, mas tem os mesmos objetivos políticos".

"A direita fala que salvou quatro empresas, mas na prática garantiu que o João Doria transformasse mais uma vez a Alesp em um cartório político."