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OPINIÃO

Schelp: Maradona expõe histórico de necrofilia política na Argentina

Do UOL, em São Paulo

26/11/2020 19h14Atualizada em 26/11/2020 19h39

O adeus a Diego Armando Maradona, morto ontem após uma parada cardíaca aos 60 anos, traz à tona uma característica interessante sobre a cultura argentina, analisa o colunista do UOL Diogo Schelp no podcast Baixo Clero #67.

'A gente precisa lembrar que os argentinos adoram um morto famoso", brincou no início do episódio, apresentado por Carla Bigatto e com a participação da também colunista do UOL Carolina Trevisan. Schelp fez referência a uma expressão cunhada pelo escritor Tomás Eloy Martínez: a necrofilia política. (Ouça a partir do minuto 1:49)

Schelp deu exemplos envolvendo figuras como Néstor Carlos Kirchner e Juan Domingo Perón, ex-presidentes argentinos.

"Juan Domingo Perón, por exemplo, antigo presidente argentino, um ídolo e que dá nome a um movimento político que pega grande parte dos presidentes posteriores, morreu em 1974, em 1977 o túmulo dele foi violado. Para quê? Cortaram as mãos do Perón e roubaram as mãos do Perón. Até hoje não se sabe quem fez isso e porquê, mas existem teorias malucas, como a de que os ladrões queriam as digitais dele para abrir um cofre", disse Schelp. (Ouça a partir do minuto 2:26)

O velório de Diego Armando Maradona aconteceu na Casa Rosada, sede do governo argentino, e foi aberto ao público. Foi a primeira vez, em dez anos, que o local foi usado para velório.

O colunista ainda trouxe como "exemplo mais assustador" o caso de Eva Perón, primeira-dama da Argentina, que era casada com Juan Domingo Perón.

"Os militares que derrubaram Perón três anos depois da morte da Evita sumiram com o corpo dela porque queriam acabar com a peregrinação ao túmulo dela. E aí eles enviaram o corpo da Evita para um cemitério no Vaticano e enterraram com um nome falso", contou. (Ouça a partir do minuto 03:00)

"Em 1970, 15 anos depois do desaparecimento do corpo da Evita, um grupo guerrilheiro sequestrou um general acusando-o de estar envolvido no sumiço do corpo da Evita, e disseram que só iam devolver o general se devolvesse o corpo da Evita. Quatro anos depois, chegou o avião com o corpo da Evita, duas horas depois, o corpo do general foi encontrado dentro de uma van em Buenos Aires, ou seja, mataram o general", disse. (Ouça a partir do minuto 03:00)

Schelp ainda falou sobre o Cemitério da Chacarita, em Buenos Aires, onde se encontra o corpo de Carlos Gardel.

"No cemitério você pode visitar o túmulo do cantor Carlos Gardel, lá tem uma estátua praticamente de tamanho real, com os dedos em posição de 'cigarro', já que ele fumava muito, e se você for lá, todos os dias você vai ver um cigarro novo nas mãos de Gardel", disse.

"São apenas algumas histórias da necrofilia argentina, para mostrar que o Alberto Fernández e o uso político da morte de Maradona não é nada perto dessas outras histórias", disse Schelp. (Ouça a partir do minuto 04:08)

Trevisan, por sua vez, ressaltou o papel do futebol para entender certas questões políticas.

"Eu prefiro essa paixão que o argentino demonstrou por um ídolo, que era o Maradona, do que uma passividade diante das injustiças do país. O futebol é muito revelador da sua sociedade, ao mesmo tempo que ele mostra essas desigualdades, mostra o machismo, mostra a homofobia em campo. Ele também aliena, e pode fazer com que as pessoas dialoguem pouco", disse Trevisan (Ouça a partir do minuto 5:36)

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