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Vi que ameaças seriam testadas na prática no governo, diz Ilona Szabó

A cientista política Ilona Szabó em entrevista ao Roda Viva da TV Cultura - Reprodução/TV Cultura
A cientista política Ilona Szabó em entrevista ao Roda Viva da TV Cultura Imagem: Reprodução/TV Cultura

Do UOL, em São Paulo

11/01/2021 22h49Atualizada em 11/01/2021 23h44

A cientista política Ilona Szabó, em entrevista ao Roda Viva de hoje, afirmou que no início do governo Jair Bolsonaro (sem partido) percebeu que ameaças virtuais iam ser "testadas na prática". Ela também disse que tinha "ilusão" de que o discurso de campanha se tratava apenas de retórica e que a presidência teria cuidado com o país.

"Desde o primeiro momento desse governo eu comecei a ver que as ameaças, que até então eram retóricas, iam ser testadas na prática", declarou ela, após afirmar que "depois de o governo tomar posse é que a chave vira".

Nomeada conselheira do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária) do Ministério da Justiça, quando o ministro ainda era o ex-juiz Sergio Moro, Ilona foi demitida — segundo Moro, em depoimento — a pedido de Bolsonaro.

A cientista política foi alvo de ataques de ódio nas redes, os quais ela aponta como métodos "de governos populistas autoritários". Após o episódio, ela mudou-se para o Canadá com a família.

Parte então de ameaças e intimações no mundo virtual para outro tipo de intimidação e ameaça, chegando mais próxima a mim, para e-mails pessoais, recados, coisas que infelizmente eu nem posso contar porque não tenho provas materiais. Os e-mails obviamente eu tenho, mas do outro tipo de intimidação, que depois descobri que era praxe, eu não tenho

"Isso esta impactando lideranças cívicas, jornalistas, cientistas, artistas, acadêmicos, qualquer pessoa que tenha plataforma, esteja no debate público e que se oponha a ideias e queira criticar, construtivamente ou não, mas que queiram participar do debate público. E isso não é normal, não é democracia", acrescentou.

'Segurança pública é muito mais do que polícia'

Questionada sobre o discurso de governadores, durante campanhas eleitorais, chancelarem a violência policial, Szabó disse que a temática de segurança pública foi abandonada e que, diante do medo da população, governantes fazem promessas imediatistas.

As pessoas têm medo hoje, e acho que o tema da segurança pública foi muito abandonado. Quem fala sobre ele, fala na perspectiva de soluções milagrosas, atalhos e tudo o que a gente sabe que não funciona e que vai contra a nossa Constituição e os direitos humanos

"Segurança pública é muito mais do que polícia", observou ela, que tem mestrado em estudos de conflito e paz pela Universidade de Uppsala, na Suécia, e é especialista em redução da violência e política de drogas.

Para Szabó, a segurança pública precisa ser trabalhada desde a prevenção e deve incluir também ações dos Ministérios Públicos e do Judiciário no geral. "O Judiciário não está na velocidade que precisa estar para dar conta das injustiças sendo cometidas no sistema penitenciário, em casos provisórios", exemplificou.

'Sem munição, armas não funcionam'

Ela observou que há "foco excessivo na apreensão de drogas" e afirmou que ainda há muito a ser trabalhado no que diz respeito ao tráfico e controle de armas produzidas no Brasil, armamentos vindos de fora ou mesmo desviados de forças de segurança.

As armas nascem legais, elas vão chegar no Brasil por vias distintas, são rastreáveis com tecnologia não só de marcação, mas de scanners, enfim. A gente não pode tapar o olho, isso nunca foi prioridade, e há muitos anos a gente fala: 'foquem nas armas, elas dão o controle territorial'. E a gente vem vendo uma insistência em priorizar só a questão das drogas. Mas a gente deveria estar discutindo como lidar com as drogas de uma outra forma e trazer a questão do armamento como central

A cientista política disse que o foco deve ser voltado para "tirar armas e munições, porque sem munição as armas não funcionam". Ela acrescentou que o atual governo permite "descontrole" e que houve regressão nas políticas de marcações de munições.

Ainda, Szábo disse que a política armamentista é danosa não só atualmente mas também para as próximas gerações, já que armas têm "uma vida muito longa" e que isso já é perceptível no aumento das tendências de crimes violentos a partir de 2019, principalmente após queda expressiva até 2018.

A gente esta vendo uma política que vai trazer mais mortes, fortalecer organizações criminosas. Deveria ser uma das prioridades principais de uma agenda de segurança pública o controle e regulação responsável de armas, a antítese do que estamos vendo hoje

Racismo estrutural inclui policiais

É algo que tem dilacerado nossa sociedade, porque se a gente não enxergar o racismo estrutural e as consequências... Você falou de assassinato, mas se vermos a população prisional, policiais mortos, o percentual de negros em todas estatísticas é enorme, pessoas mortas por policiais, por homicídios ou que estão presas. Não tem como ter essa conversa com uma centralidade, inclusive pensando em reparação e em como a gente, como sociedade, muda isso

Szabó mencionou que as mudanças em políticas de segurança pública precisam passar pelo diálogo com policiais, que também são vítimas do racismo estrutural. Ela sugeriu a aproximação de movimentos negros com a polícia e afirmou que a falta de cuidado com a saúde mental dos agentes de segurança propicia para que eles se tornem "massa de manobra" e politizados contra a sociedade.

Seria muito poderoso esse encontro. Os policiais precisam de apoio, a questão de saúde mental dos policiais é gravíssima e contribuiu para o uso excessivo da força, além de todas as máximas de que bandido bom é bandido morto, estereótipos equivocados e racistas. Tem uma questão de desvalorização e desumanização. Quer dizer: policiais são [tratados como] super-heróis e não precisam de cuidado. Tem muitas facetas.