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Schelp: Correto é apuração independente de chacina, não pela polícia do Rio

Gabriel Toueg

Colaboração para o UOL, em São Paulo

09/05/2021 04h00

Na opinião do colunista do UOL Diogo Schelp, a investigação sobre a operação policial na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, em que ao menos 28 pessoas morreram, deveria ser feita de forma independente, e não pela própria polícia. "O correto mesmo seria uma investigação por uma autoridade independente, não pela própria Polícia Civil", disse (assista a partir do minuto 08:01 no vídeo acima).

"O problema é que o delegado responsável por investigar esses assassinatos, esses homicídios, já disse de antemão que não há nenhum erro por parte da polícia na operação, descartando sem qualquer investigação que houve execução", afirmou o colunista (assista a partir de 07:40). As afirmações foram feitas durante o episódio desta semana do Baixo Clero, o podcast de política do UOL, que passa a ser apresentado aos sábados.

"Como já vimos no caso do massacre da favela de Paraisópolis, em São Paulo, quando a própria corporação investiga abusos, a tendência é ocorrer a impunidade", lembrou Schelp. Em dezembro de 2019, nove jovens morreram pisoteados depois de uma ação da polícia na comunidade paulistana. A PM chegou a responsabilizar as famílias pelas mortes.

A também colunista do UOL Maria Carolina Trevisan lembrou ainda do massacre do Carandiru, em que 111 presos foram mortos em 1992. "Até hoje ninguém foi responsabilizado pelas mortes e aquilo não pode ser considerado uma operação [policial] de êxito, como tampouco pode ser a de Jacarezinho", disse (assista a partir de 8:23).

'Tudo bandido'

Ao comentar uma fala do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, que se referiu aos mortos durante a operação da quinta-feira (6) na comunidade carioca como "tudo bandido" sem apresentar provas, Trevisan disse que ele "reforça uma fala de quem defende esse tipo de operação policial nas favelas do Rio de Janeiro e de outras cidades do país" (assista a partir de 1:55).

Tudo bandido. Entra um policial numa operação normal e leva um tiro na cabeça em cima de uma laje. Lamentavelmente essas quadrilhas do narcotráfico são verdadeiras narcoguerrilhas, têm controle sobre determinadas áreas. Hamilton Mourão, vice-presidente

"[O policial] entra numa favela com um arsenal armado muito potente, passa a mirar nos suspeitos, no que são suspeitos no ponto de vista do policial, e aí toda a população que está ali naquela comunidade está sujeita a levar um tiro, inclusive as crianças que estão nas escolas", disse Trevisan.

Segundo ela, trata-se de um problema muito sério. "No Brasil não existe pena de morte", afirmou (assista a partir de 2:38). "Depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que as operações policiais têm de ser suspensas durante a pandemia, no primeiro mês a letalidade policial diminuiu em 73%. [Isso] significa que a polícia entra nas favelas e mata mesmo", disse.

Segundo Schelp, a decisão do STF "parece que foi desrespeitada" (assista a partir de 4:46). "Há algumas regras que a decisão estabelece para a realização desse tipo de operação, entre elas informar o Ministério Público (MP) e o que se descobre agora é que a razão informada difere do que foi apresentado depois da chacina", disse (assista a partir de 5:05).

"O que a polícia informou ao MP foi a necessidade de combater o tráfico com base em fotos de suspeitos com armas em redes sociais, 21 suspeitos posando com armas. A polícia entrou na favela com essa justificativa oficial de prender esses suspeitos", lembrou o colunista (assista a partir de 5:23). "Apenas três das pessoas identificadas estão entre os 24 mortos, os outros não estavam sendo buscados nessa operação."

Schelp disse que as pessoas não podem ser tratadas como condenadas antes de serem julgadas. "A polícia não tem o poder de julgar nem de executar uma pena que sequer existe no Brasil, que é a de pena de morte", disse (assista a partir de 6:19).

Na opinião do colunista, os relatos de que teriam ocorrido execuções sumárias são "muito plausíveis", considerando que as mortes ocorreram após um policial ser morto na operação.

"O fato de que a morte do policial, obviamente lamentável, ocorreu no início da operação e de que, depois disso, houve tantas mortes pela violência policial induz a esse raciocínio de que de fato pode ter sido um ato de vingança no decorrer da operação", disse (assista a partir de 6:53). "O Brasil já tem um histórico desse tipo de ação de vingança contra a morte de policiais."

Trevisan ainda lembrou o fato de que os "suspeitos", para a polícia, têm cara, cor e classe social. "São pessoas que moram nas favelas, são negros, em geral, e são pobres", disse. "Então você dizer que matou 24 pessoas porque 'eram todos bandidos' e 'tudo bem', porque 'bandido bom é bandido morto', [...] não faz sentido num momento como hoje, muito menos numa situação de pandemia em que as pessoas estão em casa muito mais do que antes", alertou (assista a partir de 1:55).

Para a colunista, que também lembrou as invasões a casas e as execuções sumárias apontadas por moradores, a operação e a violência recorrente "vão entrar na conta do governador Cláudio Castro".

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