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Bolsonaro atrapalhou negociações da CoronaVac, afirma Dimas Covas

Andréia Martins, Hanrrikson de Andrade e Luciana Amaral*

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

27/05/2021 10h27Atualizada em 27/05/2021 15h45

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, disse hoje à CPI da Covid que a negociação com o Ministério da Saúde quanto à vacina CoronaVac não prosseguiu no ano passado em razão da manifestação pública do presidente Jair Bolsonaro de que o imunizante não seria comprado.

O dirigente do Butantan afirmou que iniciou as tratativas com o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello. No entanto, as conversas foram prejudicadas após manifestação de Bolsonaro (sem partido).

Infelizmente, essas conversações não prosseguiram, porque houve, sim, aí, uma manifestação do presidente da República, naquele momento, dizendo que a vacina não seria, de fato, incorporada, não haveria o progresso desse processo"
Dimas Covas

O depoimento de Dimas contradiz o que afirmou Pazuello à CPI. Apesar da desautorização pública sofrida, Pazuello nega ter sofrido pressão de Bolsonaro para que não comprasse a CoronaVac. Declarações gravadas e públicas do presidente da República mostram o mandatário contra a compra da CoronaVac e sua incorporação ao PNI (Programa Nacional de Imunizações).

Segundo Dimas, o Butantan fez uma oferta de 100 milhões de doses da CoronaVac ao governo Bolsonaro em outubro de 2020. Mas, até então, não havia "resposta positiva" do Ministério da Saúde em relação às negociações para aquisição do imunizante desenvolvido em parceria com o laboratório chinês Sinovac, informou aos senadores hoje.

7.mai.2021 - Adversário político de Bolsonaro, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), encampou a articulação para a produção da CoronaVac no Brasil - Vinícius Nunes/Agência F8/Estadão Conteúdo - Vinícius Nunes/Agência F8/Estadão Conteúdo
7.mai.2021 - Adversário político de Bolsonaro, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), encampou a articulação para a produção da CoronaVac no Brasil
Imagem: Vinícius Nunes/Agência F8/Estadão Conteúdo

Nesse mesmo período, Bolsonaro contestava publicamente a eficácia da CoronaVac e, em um contexto de disputa política com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que não compraria o imunizante.

Durante a audiência de hoje na CPI, o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), exibiu um vídeo de uma live do presidente na qual ele dá um recado ao tucano: "Arruma outro para pagar a sua vacina".

De acordo com o depoimento de Covas, enquanto o chefe do Executivo federal manifestava publicamente sua resistência à CoronaVac, o Ministério da Saúde acabou por protelar as negociações com o Instituto Butantan, que pertence à estrutura do governo de SP, e recusou uma sugestão de apoio financeiro —os recursos seriam utilizados para reformar uma fábrica destinada a produção própria do imunizante.

"Em 7 de outubro, eu enviei novamente um ofício ao Ministério, historiando e ofertando 100 milhões de doses, sendo que, desses 100 milhões, 45 seriam produzidas no Butantan até dezembro de 2020, 15 milhões de doses no final de fevereiro e 40 milhões adicionais até maio deste ano", afirmou Covas, que comparece à CPI hoje na condição de testemunha.

A oferta de 100 milhões foi a segunda enviada ao governo federal pelo Instituto Butantan. Em julho de 2020, a entidade já havia se colocado à disposição para produzir 60 milhões de doses, com previsão de entrega no último trimestre do ano passado.

Diante da ausência de um posicionamento por parte do ministério, Covas relatou que o instituto "reforçou o ofício" em 18 de agosto, com um pedido adicional: verba para financiamento dos estudos clínicos.

"Um estudo clínico dessa dimensão custa muito caro. Nós tínhamos uma previsão de gastar em torno de R$ 100 milhões nesse estudo clínico. Então, nós solicitamos um apoio do ministério no sentido de que permitisse a gente suportar esses gastos e solicitamos também um apoio para reformar uma fábrica, porque no nosso acordo nós iríamos, num primeiro momento, receber vacinas prontas; num segundo momento, matéria-prima e, num terceiro momento, produzir integralmente."

"Todas essas iniciativas não tiveram resposta positiva. Quer dizer, eles responderam, sim, que poderiam avaliar, que existia a necessidade de avaliar a situação epidemiológica do Brasil."

Covas relatou que as conversas começaram a evoluir a partir de outubro, com uma "sinalização" por parte do Executivo federal de "existir uma medida provisória para atender esses pleitos".

Em 20 de outubro de 2020, Pazuello anunciou acordo com o estado de São Paulo para a compra de 46 milhões de doses da Coronavac, com a incorporação da vacina ao Programa Nacional de Imunizações.

"Tudo, aparentemente, estava indo muito bem, tanto é que, no dia 20 de outubro, eu fui convidado pelo então ministro da Saúde, general Pazuello, para uma cerimônia no Ministério da Saúde onde a vacina seria anunciada como sendo uma vacina do Brasil", rememorou Dimas.

"Até, na sua fala, [Pazuello] disse: 'Esta será a vacina do Brasil: a vacina do Butantan, a vacina do Brasil'. E [o ex-ministro] anunciou, naquele momento, publicamente, com a presença de governadores, de parlamentares, que iria ser feita uma incorporação de 46 milhões de doses."

Um dia depois do anúncio de Pazuello, no entanto, Bolsonaro desautorizou o então ministro publicamente e disse que havia mandado cancelar qualquer protocolo assinado pelo ministério para a compra da CoronaVac.

Bolsonaro foi às redes sociais e escreveu que o Brasil não compraria "a vacina da China" ou a "vacina chinesa de João Doria". No mesmo dia, em visita a um centro militar em São Paulo, o presidente reforçou sua autoridade na condução da pandemia: "O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade".

Ao receber Bolsonaro no dia seguinte, Pazuello disse: "Um manda, o outro obedece".

Jair Bolsonaro e o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello em vídeo em que o último disse "Um manda, o outro obedece" após ter sido desautorizado pelo presidente - Reprodução/Youtube - Reprodução/Youtube
Jair Bolsonaro e o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello em vídeo em que o último disse "Um manda, o outro obedece" após ter sido desautorizado pelo presidente
Imagem: Reprodução/Youtube

A partir desse ponto, é notório que houve uma inflexão, e eu digo isso porque, no final da reunião, no dia 20, com a presença de vários governadores, vários parlamentares, nós saímos de lá muito satisfeitos com a evolução dessas tratativas e achávamos que, de fato, iríamos ter resolvido parte desse problema"
Dimas Covas

O primeiro lote da CoronaVac acabou sendo comprado pelo governo federal apenas em janeiro, numa disputa com o governo paulista para ver quem começaria efetivamente a vacinação no Brasil. A primeira dose da CoronaVac fora dos testes clínicos foi aplicada em São Paulo em evento com a presença de Doria, para dissabor de Bolsonaro.

Pazuello depôs por dois dias à CPI e foi reconvocado ontem. O novo depoimento ainda não tem data marcada, mas deve ficar para depois de 17 de junho.

Contexto político

O estado de SP é governado pelo tucano João Doria, rival do presidente Jair Bolsonaro, prováveis adversários nas eleições do ano que vem. Desde o início da pandemia no Brasil, entre fevereiro e março do ano passado, Bolsonaro e Doria travam duelos públicos com declarações e ataques de parte a parte.

O Butantan é o responsável pela produção do imunizante desenvolvido pela farmacêutica chinesa Sinovac no Brasil. Os testes da vacina no país começaram em julho de 2020.

O imunizante foi aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em janeiro de 2021 e hoje responde por mais de 70% de todas as doses que foram aplicadas até o momento no Brasil.

*Com Ana Carla Bermúdez, colaboração para o UOL.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.