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Entenda o que é o PL 490 e por que indígenas protestam em Brasília

23.jun.2021 - Indígenas de diferentes etnias do Brasil protestam contra o Projeto de Lei 490, de 2007, que é votado na Câmara dos Deputados, em Brasília - ELIO RIZZO/AGÊNCIA F8/ESTADÃO CONTEÚDO
23.jun.2021 - Indígenas de diferentes etnias do Brasil protestam contra o Projeto de Lei 490, de 2007, que é votado na Câmara dos Deputados, em Brasília Imagem: ELIO RIZZO/AGÊNCIA F8/ESTADÃO CONTEÚDO

Do UOL, em São Paulo*

23/06/2021 14h23Atualizada em 23/06/2021 15h02

A votação do PL (Projeto de Lei) 490/2007 foi retomada na manhã de hoje, um dia após ao menos três indígenas, um policial, um segurança do Congresso e um servidor administrativo do Legislativo terem ficado feridos em uma manifestação em Brasília.

O ato ocorreu com a presença de diferentes etnias contra o PL, que votava a proposta que os indígenas consideram perigosa por permitir atividades comerciais em suas terras, restringir a demarcação de terras e flexibilizar o possível contato de não-indígenas com povos isolados.

Ontem, mais de 500 indígenas se manifestaram contra o PL (Projeto de Lei) 490/2007, em análise na Câmara. O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) acusa o projeto de inviabilizar a demarcação de terras indígenas e permitir que elas sejam usadas para o agronegócio, a mineração e a construção de hidrelétricas.

A proposta está em análise na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa. Se for aprovada pelos deputados, ainda precisa ir para o Senado. A reunião da comissão que estava programada para ontem foi cancelada após a manifestação e retomada hoje.

Segundo a Apib (Articulação dos povos indígenas do Brasil), mulheres indígenas distribuíram flores hoje aos policiais que fazem a segurança nas imediações da Câmara.

O que é o PL 490/2007?

O Projeto de Lei 490/2007, cujo relator é o deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), prevê a criação de um "marco temporal" que determina que as terras tradicionalmente indígenas são aquelas ocupadas ou usadas para atividades produtivas por essa população em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal.

Além disso, essa ocupação precisará ser comprovada pela etnia, o que não ocorre neste momento. Caso a comunidade indígena não estivesse na área pretendida à demarcação em 5 de outubro de 1988 ela não terá direito à terra, com exceção de "conflito possessório" que deverá ser provado.

A medida também aponta a revisão do usufruto da terra exclusivamente por indígenas, como previsto na Constituição. Esse ponto permite, entre outros, "a instalação de postos militares, expansão da malha viária, exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico" nessas terras. Também é assegurada a presença das Forças Armadas, Polícia Federal e grupos não-indígenas, sem consulta prévia da comunidade local, na área.

O texto ainda abre espaço para a flexibilização do contato de não-indígenas com povos isolados. Segundo o site da Funai, os povos isolados são aqueles "grupos com ausência de relações permanentes com as sociedades nacionais ou com pouca frequência de interação, seja com não-indígenas, seja com outros povos indígenas".

O relator também coloca um dispositivo que proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas e anula as demarcações que não sigam os preceitos apontados no PL. Aqueles pedidos de demarcação que não forem concluídos até a aprovação do texto também precisarão se adequar as novas medidas.

Se aprovado, o PL indica que a demarcação deverá ser feita obrigatoriamente com a presença de estados e municípios da área requerida e de todos os interessados — podendo ser entidades da sociedade civil — desde o começo do processo administrativo, ou seja, quando aberta a demanda de demarcação pelos indígenas.

O projeto ainda retira do Palácio do Planalto a competência de definir a demarcação de terras indígenas e transfere para o Congresso.

No país, atualmente, essa demarcação é feita pela Funai (Fundação Nacional do Índio), através de procedimento administrativo que considera critérios técnicos e legais, entre eles, a análise de um antropólogo a partir das necessidades demonstradas pela população indígena, estudo de área e registro da demarcação. O aceite ou não desse registro é feito através de decreto publicado pelo Presidente da República.

Indígenas

Os indígenas em Brasília protestam contra o PL por considerar a medida como perigosa por permitir atividades comerciais em suas terras, restringir a demarcação de terras e flexibilizar o possível contato de não-indígenas com povos isolados provocando a disseminação de doenças nas comunidades. Em nota técnica do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) afirma que o projeto é inconstitucional e que o "direito indígena é cláusula pétrea e não se submete a reformas".

A deputada indígena Joenia Wapichana (Rede-RR) criticou o PL e apontou que o texto visa atender interesses privados para a exploração das terras indígenas.

Para quem não conhece a questão indígena, não é somente dizer se os indígenas têm ou não 14% das terras, mas saber que são os povos originários. Muitos têm interesse nas terras indígenas, seja para o agronegócio, para ocupação, para fins de exploração dos recursos naturais como mineração, hidrelétrica, e uma série de projetos, que não conseguem entender e nem respeitar a questão dos povos originários desse país."
Deputada Joenia Wapichana à Agência Câmara de Notícias

O cacique Almir Suruí declarou à Deutsche Welle que o PL provocaria a "destruição social e ambiental" para o país e declarou que o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) "mostra um retrocesso nas políticas públicas e no respeito aos povos indígenas".

"O perigo não é só para os povos indígenas. É para o futuro mesmo, porque isso vai trazer uma destruição social e ambiental enorme para o Brasil. E pode afetar até mesmo a economia, porque se o Brasil não respeitar os acordos estabelecidos dentro das convenções climáticas vai passar a mensagem de que não é um país de respeito, de compromisso. O Brasil vai ser visto como um país que está destruindo o futuro, desrespeitando o direito de viver das pessoas."

Presidente da Câmara critica indígenas

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criticou a manifestação dos indígenas ontem e declarou que é preciso debater a exploração de terras.

"Eu não acho que seja coerente por parte de qualquer parlamentar ou de qualquer cidadão impedir trabalhos e pautas legislativas dessa casa. Sejam elas nas comissões, como é o caso do PL 490 que está longe de vir a plenário ou de qualquer assunto de qualquer comissão. (...) Essa casa precisa ter coragem e debater sobre o tema de exploração da terra indígena. Não é possível que vamos ficar de olhos fechados quanto a isso", declarou o presidente da Casa.

Lira ainda disse que a Câmara foi invadida diversas vezes e afirmou que um policial legislativo foi ferido por uma flecha.

"Várias vezes nessa semana e meia essa Câmara tentou ser invadida. É fato. Eu tenho relatório diário. E não é invadindo o parlamento que essa Casa deixará de apreciar matéria 'a' ou 'b'. Essa Presidência não concorda com qualquer tipo de violência, mas não só são simbolismos de arco e flecha. Uma flecha atingiu um policial legislativo que está em cirurgia, ferido, atingiram um funcionário administrativo do Depol e um PM", disse.

Relator diz ver 'indígenas como cidadãos brasileiros'

O deputado e relator do PL, o deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), argumentou que o substitutivo visa "consolidar em lei o entendimento amplamente majoritário, em garantia da segurança jurídica".

Para o parlamentar, o texto oferece condições jurídicas para que os povos indígenas tenham "diferentes graus de interação com o restante da sociedade".

Enxergando os indígenas como cidadãos brasileiros que são, pretendemos conceder-lhes as condições jurídicas para que, querendo, tenham diferentes graus de interação com o restante da sociedade, exercendo os mais diversos labores, dentro e fora de suas terras, sem que, é claro, deixem de ser indígenas. De fato, é inconcebível que os indígenas, de posse de 117 milhões de hectares de terra, apresentem os piores índices socioeconômicos do país."
Arthur Oliveira Maia

*Com informações da Agência Câmara de Notícias, Deutsche Welle e Estadão Conteúdo